Correio braziliense, n.20561, 08/09/2019. Brasil, p.7

 

Censura gera guerra judicial

08/09/2019

 

 

Preconceito » Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro cassa liminar que proibia a apreensão de livro com temática LGBT em feira literária. Organizadores do evento anunciam recurso ao Supremo Tribunal Federal

A polêmica sobre a censura a um livro com temática LGBT na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, ganhou novos contornos ontem. O presidente do Tribunal de Justiça do estado, Cláudio Mello Tavares, suspendeu a liminar que impedia a prefeitura do Rio de apreender obras expostas na feira. Em nota, os organizadores da Bienal anunciaram que vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão, “a fim de garantir o pleno funcionamento do evento e o direito dos expositores de comercializarem obras literárias sobre as mais diversas temáticas — como prevê a legislação brasileira.”

Na sexta-feira, por ordem do prefeito Marcelo Crivella, fiscais do município foram à bienal em busca do livro Vingadores — A cruzada das crianças, um HQ da Marvel que apresentava imagens de dois homens se beijando. No mesmo dia, contudo, o desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes acolheu pedido do Sindicato Nacional dos Editores de Livros e concedeu liminar proibindo a ação dos fiscais.

O sindicato argumentou que a Bienal expõe alguns livros que “espelham os novos hábitos sociais, sendo certo que o atual conceito de família, na ótica do Supremo Tribunal Federal, contempla várias formas de convivência humana e formação de células sociais”. Na ótica do sindicato, a fiscalização determinada por Crivella também feria a liberdade de expressão assegurada pela Constituição.

No entendimento do presidente do TJRJ, contudo, não houve impedimento à liberdade de expressão. “Em se tratando de obra de super-heróis, atrativa ao público infantojuvenil, que aborda o tema da homossexualidade, é mister que os pais sejam devidamente alertados, com a finalidade de acessarem previamente informações a respeito do teor das publicações, antes de decidirem se aquele texto se adequa ou não à sua visão de como educar seus filhos”, afirmou Mello Tavares. O magistrado alegou ainda que esse procedimento está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Com base na nova decisão, fiscais estiveram ontem na Bienal, mas nada foi apreendido.

Autoritarismo

Desde que Crivella anunciou a intenção de recolher os Vingadores, o assunto ganhou gande repercussão nas redes sociais e provocou reações em defesa da liberdade de expressão e da causa LGBT. Ontem, o escritor e quadrinista Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, criticou a atitude do prefeito carioca. “Contra a censura, a favor da liberdade de expressão e do respeito”, postou ele nas redes sociais. A Bienal do Rio homenageia Maurício de Sousa este ano pelos 60 anos de profissão do cartunista.

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Espaço para a diversidade

08/09/2019

 

 

A intenção do prefeito do Rio, Marcello Crivella, de recolher um livro de quadrinhos que traz uma cena de beijo entre dois homens, movimentou a Bienal do Livro, ontem — mas não em favor dos objetivos do chefe do Executivo municipal. O espaço da feira literária tornou-se palco de manifestações do público LGBT em favor do direito de expressão e da aceitação da diversidade. Para marcar posição, parte do público presente organizou um “beijaço” contra a tentativa de censura.

Além disso, foram organizados debates sobre  liberdade de orientação sexual e literatura trans. Em outra iniciativa para contestar a decisão do prefeito, milhares de pessoas compareceram à Bienal para receber, gratuitamente, uma obra com conteúdo LGBT.

A distribuição foi uma iniciativa do youtuber Felipe Neto, que comprou 14 mil livros para entregá-los ao público, em resposta à intenção de Crivella. As obras, com diversos títulos, foram embaladas em plástico preto e etiquetadas com a mensagem: “Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas”.

No vídeo em que anunciou a distribuição, Felipe Neto afirmou que “o prefeito nunca se incomodou com histórias em quadrinhos que trazem cenas de violência ou guerra”. “Só o que incomoda é o amor entre pessoas do mesmo sexo”, ressaltou.

As publicações, distribuídas na Praça Central da Bienal, foram negociadas pela equipe do youtuber diretamente com as editoras participantes da feira. Alguns exemplares saíram dos estandes e outros tiveram de ser trazidos dos estoques das companhias.