O Estado de São Paulo, n. 46147, 21/02/2020. Política, p. A4

 

Policiais já pressionam 12 estados por aumento

Bruno Namura

Felipe Resk

Ricardo Galhardo

Vinícius Passarelli

Tulio Kruse

21/02/2020

 

 

Mobilização. PMs realizam paralisações em 5 e travam embates com governo em outros 7; no CE, ES e PB, políticos ligados a bancada da bala e ao bolsonarismo apoiam os atos   

Mascarados. Episódio em Sobral motivou videoconferência entre associações policiais, que temem acirramento de ânimos

Forças de segurança de ao menos 12 Estados pressionam os governos locais por aumentos salariais. Em cinco deles, policiais já realizaram atos ou paralisações neste mês. A situação é mais grave no Ceará, onde o senador licenciado Cid Gomes (PDT) foi baleado anteontem ao tentar entrar com um trator em um quartel amotinado. Políticos ligados à bancada da bala e ao bolsonarismo apoiam movimentos no Ceará, Espírito Santo e Paraíba, garantindo respaldo às demandas dos policiais.

O levantamento foi feito com base em redes sociais e informações de entidades de classe.

No Ceará, protestos de policiais por melhores salários começaram em dezembro. Mascarados depredaram viaturas e tomaram quartéis. A Associação das Praças do Estado (Asprace), que vinha negociando com o governo, publicou nota informando que, diante de decisão judicial, não estava “promovendo atos grevistas”. Segundo policiais ouvidos pelo Estado, os PMs tiveram apoio de políticos locais para ocupar o 3º Quartel da PM anteontem.

O vereador Sargento Ailton (SD) ficou dentro do prédio até a hora em que Cid foi baleado e publicou, na internet, entrevistas e vídeos em que destacava a paralisação das viaturas e negava a ilegalidade da ação. Apoiador de Bolsonaro nas eleições, o sargento não foi localizado.

Outro integrante da bancada da bala que tem acompanhado as negociações entre governo e policiais no Ceará, o deputado federal Capitão Wagner (ProsCE) já liderou uma greve da PM em 2011. Segundo ele, as entidades de classe queriam assinar o acordo, mas os praças não aceitaram, o que levou ao motim. Em 2016, ele chegou ao segundo turno da eleição para prefeito de Fortaleza, cargo que é cotado para disputar novamente.

Apontado por autoridades cearenses como um dos principais apoiadores da greve, o deputado estadual André Fernandes (PSL), eleito com bandeiras de apoio a policiais e bombeiros, almoçou com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto anteontem. Ele não foi localizado para comentar.

No Espírito Santo e na Paraíba, políticos da bancada da bala também são acusados de inflar os protestos. Nesses locais, entidades têm até recusado propostas superiores às oferecidas ao restante do funcionalismo.

Um dos líderes do movimento de aquartelamento de PMs no Espírito Santo em 2017, o deputado estadual Capitão Assumção, também cotado para as eleições municipais, tem defendido os policiais na Assembleia e falado publicamente sobre a possibilidade de paralisação. Na semana passada, uma manifestação de policiais civis, militares e bombeiros reuniu 1,5 mil pessoas em Vitória.

A Polícia Militar recusou uma proposta do governo de aumentos salariais que somariam 35% em quatro anos. “Estamos tentando fazer com que as entidades entendam que não podem ser usadas como massa de manobra”, disse o secretário estadual de Governo, Tyago Hoffmann. “Tem deputados que tentam obter ganhos políticos com isso.” A Secretaria de Segurança Pública capixaba informou que mantém diálogo constante.

Na quarta-feira, PMs e civis da Paraíba fizeram uma paralisação de 12 horas. Mascarados circulavam entre os grevistas ameaçando quem queria trabalhar e furando pneus de viaturas. A Secretaria de Segurança Pública diz que se articula para manter o diálogo.

No Piauí, quarto Estado que já registrou protestos, cerca de cem servidores da área de segurança pública se reuniram em frente à sede do governo estadual há três dias. Em resposta, o governador Wellington Dias (PT) aumentou o pagamento de operações especiais de R$ 100 para R$ 150 em dias de semana, e R$ 200 nos finais de semana. “O porcentual de ajuste será acima da inflação”, disse o governo, em nota. Também houve protestos em Sergipe.

Presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares (Anermb), o sargento Leonel Lucas se diz preocupado com o acirramento de ânimos nos quartéis. “Os caras ficam revoltados: ‘Olha, temos de fazer a mesma coisa lá do Ceará’.”  

Negociações. Levantamento feito com base em redes sociais e informações de entidades de classe aponta que há outros sete Estados em que policiais civis e militares travam embates públicos com o governo em busca de melhor remuneração, embora não tenham feito atos ou paralisações. Há demandas em Amazonas, Pernambuco, Alagoas, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins.

‘Frisson’

“Isso causa um frisson na tropa. Os caras ficam revoltados: ‘Olha, temos de fazer a mesma coisa lá do Ceará’.”

Sargento Leonel Lucas

ASSOCIAÇÃO DE BOMBEIROS E PMS

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Parlamentares querem anistiar amontinados

Marcelo Godoy

Ricardo Galhardo

21/02/2020

 

 

Projetos no Congresso perdoam PMs que se rebelaram desde 1988; coronéis temem incentivo a rebeliões

 Dois projetos de lei – um está no Senado e outro na Câmara – anistiam policiais militares que se envolveram em motins pelo País. Eles querem complementar lei de 2011, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, que anistiou PMs de 13 Estados e do Distrito Federal que se rebelaram entre 1997 e 2011. Entre os que podem ser beneficiados estão os PMs que fizeram greve em 1988 em São Paulo. Militares temem que as anistiam incentivem novos movimentos.

Relator do projeto no Senado – já aprovado na Câmara –, Major Olímpio (PSL-SP) afirmou que a anistia é apenas criminal – o artigo 149 do Código Penal Militar pune o motim com 4 a 8 anos de prisão – e não administrativa. Assim, nenhum rebelado seria reintegrado às PMs, o que permitiria que recebessem os salários não pagos. Não há estimativa do número de PMs beneficiados.

O hábito de anistiar envolvidos em motins é antigo no País. Na última – sancionada por Dilma – foram beneficiados PMs de Minas, Rio, Sergipe, Alagoas,

Rondônia, Roraima, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Tocantins. No Espírito Santo, o governo do Estado deu anistia administrativa aos PMs envolvidos na greve de 2017. “Temos certeza de que a anistia não incentiva novos movimentos”, disse Tyago Hoffmann, secretário de Governo.

Para o ex-comandante da Tropa de Choque paulista, o coronel Carlos Augusto de Mello Araújo, “não se deve anistiar quem atenta contra a hierarquia e a disciplina, que são os pilares da corporação”. Em 1988, cerca de 250 PMs foram detidos – Mello comandava então o 3.º Batalhão de Choque. A maioria acabou expulsa. A linha dura paulista ajudaria a manter a ordem. “Aqui, amotinado sai preso e condenado.”

Ontem, o Major Olímpio desembarcou no Ceará e ia se reunir com o governador Camilo Santana (PT). Buscava mediar o conflito. Olímpio reconhece o risco de as anistias serem usadas na Justiça como argumento para reintegrar os rebelados. Mas também nega que estimulem rebeliões. Ele diz condenar a tomada de viaturas e quartéis e o uso de capuz pelos amotinados. “Policial faz as coisas de cara limpa. Força armada não pode se comportar como bando.” Ele criticou ainda a “atitude suicida” do senador Cid Gomes (PDT-CE). “Ele tem de agradecer a Deus todos os dias. Os caras foram ruins de tiro.”  

Pontaria

“Foi uma atitude suicida. Ele (Cid Gomes) tem de agradecer a Deus todos os dias. Os caras foram ruins de tiro.”

Major Olímpio

SENADOR (PSL-SP)