O globo, n.31453, 18/09/2019. Artigos, p. 02

 

A crise silenciosa dos projetos das forças armadas 

18/09/2019

 

 

Os 31 anos de ditadura militar deixaram incontornáveis marcas na percepção que a sociedade tem das Forças Armadas, e contaminada por incompreensões. É provável que investimentos em projetos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica sejam vistos como de prioridade secundária, nesta fase de crítica falta de dinheiro público, quase todo ele crescentemente desviado, por força de lei, para despesas obrigatórias de custeio —salários do funcionalismo, Previdência e gastos ditos sociais, por exemplo.

Não que haja alguma intenção de prejudicar as Forças Armadas, o que não faria sentido, pois, com Bolsonaro no Planalto, diversos generais assumiram espaço no primeiro escalão do governo. O paradoxo é que neste momento define-se que o Ministério da Defesa terá, no ano que vem, o menor orçamento em 15 anos. Como mostrou reportagem do GLOBO no domingo, as verbas reservadas no Orçamento da União de 2020 para os principais projetos das Forças Armadas sofrerão um corte de 36,5% em relação a este ano, passando de R$ 4,1 bilhões para R$ 2,6 bilhões.

Continuarão em processo de desaceleração os projetos do cargueiro, em fase de lançamento, pela Embraer (KC-390); do submarino nuclear, incluindo, antes, unidades convencionais (Prosub); do blindado que substituirá o Urutu (Guarani), da troca dos caças obsoletos de interceptação (F-X), do monitoramento das fronteiras (Sisfron) e o de vigilância e defesa da infraestrutura do país. Não se deve menosprezar a capacidade de cada um desses projetos absorver e irradiar conhecimentos no país.

Foi por sinal o “projeto paralelo” da Marinha que garantiu o domínio da tecnologia de enriquecimento do urânio, depois do fracasso do acordo feito pelo país com a Alemanha, no governo Geisel, com este objetivo.

O centro da questão é a rigidez dos gastos públicos. Mesmo que haja intenção de serem retomados estes e outros investimentos públicos, não será possível, porque existe um necessário teto constitucional para conter as despesas do Estado, sem o qual a economia sairá do prumo.

O grande problema é que despesas obrigatórias por lei, corrigidas pela inflação ou pelo salário mínimo, forçam o corte de gastos livres, “discricionários”, em que se incluem os investimentos. A óbvia e única alternativa sensata é quebrar o engessamento destes gastos.

Este é objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), a ser relatada por Felipe Rigoni (PSB-ES). Ela estabelece“gatilhos” que, disparados quando gastos subirem além decertos limites, acionarão medidas de cortes. Simples, mas vital para o equilíbrio das finanças públicas e recuperação da capacidade de investimento do Estado.

No caso dos projetos das Forças Armadas, em recente artigo na "Folha de S. Paulo", o professor de Harvard e ex-ministro Roberto Mangabeira Unger alertou: "Nenhum país se desenvolveu com Defesa fraca".