O globo, n.31453, 18/09/2019. País, p. 04

 

Freio no Senado

Naira Trindade 

Amanda Almeida 

Natália Portinari

18/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

Casa recua de mudanças em regras partidárias, e centrão quer retomar proposta

O Senado recuou de mudanças nas regras partidárias e aprovou, em votação simbólica, apenas uma parte do projeto que garante o financiamento do fundo eleitoral (veja detalhes abaixo). Um acordo entre os líderes costurou a retirada de pontos polêmicos. Um deles flexibilizava as regras de prestação de contas de partidos, o que, segundo especialistas, abria margem para caixa dois e corrupção. Outro trecho previa o uso de recursos do fundo partidário para o pagamento de advogados de parlamentares.

O projeto, porém, retorna para a Câmara, e o centrão já se articula para tentar retomar o texto original. Caso isso ocorra, a decisão final ficará a cargo do presidente Jair Bolsonaro, a quem caberá sancionar ou vetar o texto.

O projeto da reforma partidária quase foi votado na semana passada, quando o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), levou a proposta ao plenário sem que nem sequer estivesse no sistema da Casa. Senadores das siglas Cidadania, Rede, Podemos e PSL protestaram e um acordo previu que o tema ficasse para esta semana. Uma nota de entidades da área de transparência, então, alertou que o projeto flexibilizava regras de prestações de contas que poderiam até inviabilizar a fiscalização da Justiça Eleitoral.

O relator da proposta, Weverton Rocha (PDT-MA), chegou afazer uma defesa pública dos pontos polêmicos, mas, diante da repercussão negativa passou a admitir alterações. Em uma reunião dos líderes no meio da tarde de ontem decidiu-se, então, preservar apenas aparte relativa ao fundo eleitoral e deixar para discutirem um projeto separado os ponto salvo de questionamento.

—Qualé o grande problema desse projeto?É o prazo. Esse projeto ficou tramitando na Câmara por dez meses e chega faltando 25 dias para acabar o prazo do princípio da anualidade. E agente acaba, no Senado, parecendo para a sociedade que está atropelando—disse Alcolumbre.

Com o acordo construído, os parlamentares seguiram para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e aprovaram a mudança. Horas depois, o texto foi levado a plenário, onde se confirmou a derrubada dos pontos polêmicos.

Como a matéria teve início na Câmara, a decisão do Senado não encerra o assunto de vez. Caberá aos deputados analisar a mudança feita pelos senadores, o que deve ocorrer hoje.

Deputados do centrão já avisaram que vão rejeitar o acordo costurado no Senado. Lideranças do PP, PL e Solidariedade querem manter o texto original. Como o Senado votou apenas uma parte do projeto, os deputados têm duas opções, segundo o regimento: ou aprovam só aquela parte, ou retomam o texto como ele saiu da Câmara. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não estava presente na reunião dos líderes do centrão na tarde de ontem.

Além da mudança na prestação de contas e da brecha para pagar advogados com recursos públicos, o projeto original da reforma partidária ainda recria o tempo de televisão para partidos, limita o valor mensal a ser pago de multas aplicadas pela justiça eleitoral e prevê que só haja punições aos candidatos caso seja apontado o dolo na conduta.

LIMITE PARA AUDITORES

Em paralelo ao debate sobre a reforma partidária, líderes da Câmara articulam a votação de uma proposta que impede auditores fiscais de enviarem ao Ministério Público (MP) indícios de crimes detectados durante apuração fiscal. Este outro projeto também pode ser votado hoje.

O plano é inserir a proposta em um texto de autoria do deputado Carlos Bezerra (MDB-MT). O texto afirma que, havendo indícios de crimes, o auditor deve reportá-los ao Secretário Especial da Receita Federal. Hoje, no caso de lavagem de dinheiro ou corrupção, o auditor fiscal pode enviar essas informações diretamente ao MP.

No procedimento ditado pela proposta, o secretário deve instaurar uma comissão “para analisar a materialidade das evidências indicadas pelo referido auditor, respondendo civil e criminalmente as autoridades envolvidas pelo não cumprimento do disposto neste artigo”.

Depois disso, seria preciso obter também uma autorização judicial para compartilhar os dados com o MP. O texto prevê, ainda, que as autoridades serão responsáveis por preservar o sigilo sobre os dados dos investigados, como nome, CPF e o crime pelo qual a pessoa é investigada.

O Sindifisco, sindicato dos auditores fiscais, se manifestou contra o texto. “O Sindifisco tem convicção de que a proposta (...) é um passaporte para a impunidade e inviabiliza a cooperação da Receita Federal com outras instituições no combate à criminalidade, principalmente os crimes de colarinho branco”, disse a entidade, em nota.

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Senadores estabelecem receita para fundo eleitoral

Naira Trindade 

Amanda Almeida 

18/09/2019

 

 

A mudança aprovada no Senado no projeto que originalmente fazia uma reforma partidária teve o objetivo de garantir fonte de financiamento para o fundo eleitoral. Criado às pressas, em 2017, após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar as doações privadas de campanhas, o fundo não tinha uma receita definida para todas as eleições. Por isso houve mobilização para preservar esse pedaço do projeto original.

O texto que vigorou em 2018 e garantiu R$ 1,7 bilhão para as campanhas no ano passado previa que o fundo corresponderia a pelo menos 30% do valor de emendas parlamentares, além de um montante correspondente à renúncia fiscal que ocorria com a propaganda partidária, que foi extinta quando se criou o fundo em 2017.

O montante de 30%, porém, era fixado com base na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2018, o que congelaria este mínimo. O novo texto retira esse percentual, dizendo que o montante terá de ser definido na lei orçamentária de cada ano. A pressa para aprovar o projeto é que, para a regra valer em 2020, é preciso fazer a alteração antes de 4 de outubro.

O projeto de lei orçamentária para 2020, enviado ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro, ainda prevê R$ 2,5 bilhões para o fundo. O partido Novo apontou que houve um erro de cálculo e que o montante deveria ser de R$ 1,87 bilhão. Apesar de admitir o erro, o governo trabalha para atender ao desejo do Congresso de reservar um valor bem maior para o fundo. Na LDO, aprovada na Comissão Mista de Orçamento e que fixa as bases da lei orçamentária, o valor fixado foi de R$ 3,7 bilhões. Esse projeto ainda precisa ser levado ao plenário do Congresso.

A mesma LDO também altera os recursos reservados para 2020 do fundo partidário. Uma mudança feita pelo relator, deputado Cacá Leão (PP-BA), determinou a correção pela inflação dos recursos destinados às legendas, além de proibir qualquer contingenciamento. Com isso, os partidos ganhariam mais R$ 30 milhões, com esse fundo chegando a R$ 959 milhões no próximo ano. Os recursos do fundo partidário também podem ser usados nas eleições.