O globo, n.31452, 17/09/2019. País, p. 04

 

Transparência ofuscada 

Juliana Castro

Naira Trindade 

Amanda Almeida 

17/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Fux prevê judicialização se reforma partidária avançar hoje no Senado

O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, prevê que haverá judicialização caso a proposta que reduz a transparência em prestações de contas de partidos vire lei. O projeto, que já foi aprovado pela Câmara, deve ser votado pelo Senado nesta semana. Entidades da área de transparência afirmam que a matéria enfraquece o combate ao caixa dois e à corrupção nas contas eleitorais. O relator no Senado, Weverton Rocha (PDT-MA), rebate e diz que a intenção é apenas corrigir “injustiças”.

Entre os pontos polêmicos estão a prorrogação de prazos para a prestação de contas, a possibilidade de utilização de quaisquer sistemas de contabilidade disponíveis no mercado, a concessão de mais tempo para a correção de dados e a permissão de uso dos recursos públicos para pagar advogados, além da compra de imóveis por legendas. Fux não detalhou que artigos podem ter a constitucionalidade questionada, mas avaliou que as medidas relativas à transparência pública são as mais criticáveis.

—Entendo que a era hoje é a Era da Transparência. E, com o dinheiro público, o segredo não pode ser a alma do negócio. De sorte que a transparência é uma exigência da sociedade em relação a tantos quantos lidam com o dinheiro público. Entendo que, se a lei representa um grave retrocesso, vai passar sem um crivo bem rigoroso de constitucionalidade — afirmou o ministro, durante evento no Rio, para em seguida completar: —Não tenho a menor dúvida de que vai ser judicializada, inclusive pelas críticas que vêm surgindo em relação a ela (proposta), no sentido de que é um retrocesso em comparação a tudo que já se foi conquistado em termos de moralidade das eleições.

Um grupo de associações que defendem transparência encaminhou, na semana passada, uma carta ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), questionando o projeto. O promotor de Justiça Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, caracteriza as alterações como uma “verdadeira monstruosidade desrespeitosa”:

— No momento em que o projeto autoriza a inserção de dados falsos no cadastro de sistema de Justiça Eleitoral, passa-se a legalizar aberrações e atos ilícitos. O projeto nega a essência de valores e princípios. É uma verdadeira monstruosidade desrespeitosa.

VOTAÇÃO PODE SER HOJE

Para o diretor-executivo do movimento Transparência Partidária, cientista político Marcelo Issa, a flexibilização do controle de transparência também abre margem para caixa 2 e corrupção:

—É o maior retrocesso em termos de transparência e integridade dos partidos políticos desde a redemocratização, e se for aprovado dessa forma é um voto a favor da corrupção. É um projeto de corrupção partidária, que intensifica a degradação dos partidos políticos.

O relator da proposta rechaça as críticas. Weverton Rocha afirma que o texto tem sido interpretado “equivocadamente”.

— Há muitos equívocos em relação ao que está sendo dito por especialistas. Eles não leram o projeto ou estão tendo má-fé, porque se trata de questão da política e, como ela está sendo criminalizada, não é tão simples —diz Weverton.

O senador afirma que o pagamento de advogados será permitido apenas para casos do âmbito eleitoral. Ele critica o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a prestação de contas e diz que a Receita Federal admite contabilidades em diferentes sistemas. Sobre as críticas de que o texto evita punições a problemas de contas, por dizer que elas só existirão se houver comprovação de dolo, Weverton diz que isso corrigirá injustiças:

— Não é anistia. Vou dar um exemplo claro. No caso do senador Paulo Paim (PTRS), por conta de R$ 0,01 que seu doador colocou a mais que o limite permitido, o técnico do tribunal não aceitou a correção e opinou pela reprovação das contas. Claro que o pleno do Tribunal do Rio Grande do Sul não aceitou essa sugestão e aprovou as contas. Esse projeto visa a corrigir esses erros para evitar injustiças futuras com candidatos que não tiveram dolo nenhum.

O movimento “Muda, Senado”, com integrantes do Podemos, do Cidadania, Rede, PSL, PSDB, Patriota e PSB, tentará obstruir a tramitação.

A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Simone Tebet (MDB-MS), declarou que votará contra o projeto. Ela escreveu que é um projeto que “dificulta a transparência e a fiscalização”.

Na semana passada, o presidente do Senado prometeu aos líderes que a matéria passaria primeiro pela CCJ. A comissão, porém, só se reúne amanhã e Alcolumbre ainda não retirou o projeto da pauta de hoje do plenário. Para valer nas eleições de 2020, o projeto precisa ser aprovado e sancionado por Bolsonaro até 4 de outubro. Por isso há resistência em fazer qualquer alteração na proposta, o que provocaria o retorno do projeto à Câmara.

“A era hoje é a Era da Transparência. E, com o dinheiro público, o segredo não pode ser a alma do negócio”

Luiz Fux, ministro do STF

“Esse projeto visa a corrigir esses erros para evitar injustiças futuras com candidatos que não tiveram dolo nenhum”

Weverton Rocha (PDT-MA), relator do projeto no Senado

“É o maior retrocesso em termos de transparência e integridade dos partidos políticos desde a redemocratização”

Marcelo Issa, cientista político e diretor do movimento Transparência Partidária

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Congresso quer mais R$ 30 milhões para partidos

Naira Trindade

17/09/2019

 

 

O Congresso articula aumentar ainda mais os recursos disponíveis aos partidos políticos no ano de 2020. O relatório aprovado pela Comissão Mista de Orçamento para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê a correção pela inflação dos recursos do fundo partidário, o que resultaria num acréscimo de R$ 30 milhões nos recursos para as legendas. Somente esse fundo poderia chegar a R$ 959 milhões no próximo ano.

Ao destinar mais verba para o fundo partidário, o relator, deputado Cacá Leão, precisou remanejar recursos de outras áreas, sem detalhar quais. Pelo cálculo previsto em lei, o fundo partidário equivale a R$ 0,35 por eleitor, o que daria R$ 355,3 milhões em 2020. Esse recurso é usado para a manutenção anual dos partidos, mas foi liberado para campanhas eleitorais desde que o STF proibiu doações de empresas a partidos.

Ao enviar os valores para a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o Ministério da Economia afirmou obedecer a cálculos do do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O PSL de Bolsonaro deve receber R$ 112 milhões caso o texto seja aprovado. Ano passado, a sigla —recebeu só R$ 8 milhões. A previsão é que a LDO seja votada amanhã. Procurado, o deputado Cacá Leão não retornou às ligações.

Além do fundo partidário, o Congresso também tenta aumentar os valores do fundo eleitoral, que no ano passado rendeu R$ 1,7 bilhão para financiar as campanhas de presidente, governador, deputados e senadores.

O mesmo texto da Comissão de Orçamento prevê que as legendas possam receber mais R$ 3,7 bilhões do fundo eleitoral. O relatório da LDO ainda ainda precisará ser votado pelo plenário do Congresso. Na semana passada, o GLOBO mostrou que o governo cogita aumentar o valor do fundo eleitoral, enviando ao Congresso uma modificação na proposta de orçamento em tramitação.