O globo, n.31452, 17/09/2019. Economia, p. 16

 

Os vários efeitos de um atentado 

Míriam Leitão

17/09/2019

 

 

A Petrobras reajustou o preço do diesel na última sexta-feira, mas ontem a cotação do petróleo estava US$ 8 mais cara. O atentado contra a Arábia Saudita será um teste para o governo. A estatal terá que ter uma política de preços de combustível confiável e transparente, mas o que se viu ontem foi o presidente Bolsonaro anunciando que não haverá reajuste até que as cotações se estabilizem. As distribuidoras pedirão aumento do gás, e isso afetará a indústria intensiva em energia. O Banco Central terá que ser convincente se quiser continuar reduzindo as taxas de juros mesmo diante do forte aumento da incerteza global.

A ação da Petrobras subiu ontem indicando a visão positiva sobre o país, pelo fato de os campos brasileiros ficarem ainda mais interessantes. Masa empresa depende da liberdade de preços para ter sucesso na venda de quatro de suas refinarias. Coma privatização, ela espera reduzir suas dívidas e estimulara criação de um mercado de refino no Brasil. A estatal poderá até esperar um pouco para ver em que patamar os preços vão ficar. Mas não muito.

Petróleo quando sobe produz efeitos em cascata. Na Abividro, Lucien Belmonte explicou o impacto:

—A fórmula do reajuste do gás natura lé atrelada ao bar rildo petróleo e ao dólar. Se o aumento forma iorque 5% do faturamento da distribuidora, ela pode pedir reajuste extraordinário. Então, se a Comgás reajustar isso afetará todas as indústrias que usam intensivamente o gás no estado de São Paulo.

O atentado mostrou que o maior produtor, que sempre foi o país que reequilibrava a oferta, é agora um fator de desequilíbrio. As primeiras informações oficiais do governo saudita, de que rapidamente a produção seria normalizada, não demorara maser desmentidas. Apercepção da vulnerabilidade da Arábia Saudita elevou muito o risco.

Daniel Rocha, diretor-executivo da Accenture e especialista em energia, dá a dimensão do que ficou comprometido:

—Para efeito de comparação, o volume afetado, 5,8 milhões de barris, é mais do que o dobro da produção total do Brasil. Na visão otimista, a Arábia Saudita poderia subir 3,9 milhões de outros poços. Outro cenário seria a Saudi Aramco usar seus estoques estratégicos. A gente fez uma simulação aqui e com dois meses seria consumido o equivalente à metade dos estoques estratégicos dos Estados Unidos.

A crise faz o mundo olhar outros produtores e nesse grupo está o Brasil. O leilão do excedente da cessão onerosa que será realizado este ano já estava atraindo muito interesse. Deve aumentar. O pré-sal brasileiro é área produtora muito longe dos conflitos. Isso terá um efeito favorável ao Brasil, mas é apenas parte das consequências do atentado.

O balanço dos efeitos sobre o Brasil, se será positivo ou não, dependerá de como o país vai reagir diante dessa ameaça global. Se os preços dos combustíveis subirem e houver inquietação entre os caminhoneiros, o que fará o governo? O liberalismo do governo Bolsonaro dura até a primeira pressão corporativista. É o que se viu nestes primeiros oito meses.

Outra dúvida que circula no mercado é se o Banco Central está focado em sua missão de manter a inflação sob controle ou se está mais preocupado em estimulara economia para que haja algum crescimento. O BC pode reduzir juros, desde que o balanço de riscos permita e até a semana passada o cenário era favorável. Agora há uma brutal incerteza pela frente.

O mundo é hoje menos dependente do petróleo do Oriente Médio do que nos dois choques dos anos 1970 e também do que na época da guerra do Golfo de 1990. Os Estados Unidos importam um terço do petróleo saudita que compravam em 2003. O Brasil, nos anos 1970, importava 80% do combustível que consumia e tinha escassez de dólares. Atualmente é área produtora.

Contudo este é um péssimo momento para mais um choque. Há uma ameaça de recessão global rondando as economias. O presidente Donald Trump e o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman são em si riscos neste quadro. Trump vem tentando há tempos criar uma guerra contra o Irã, um expediente que já ajudou outros presidentes em apuros em luta pela reeleição. MBS já mostrou que na terceira geração a dinastia fundada pelo rei Abdulaziz manterá o poder tirânico dos Saud.

Felizmente, a monarquia absolutista saudita foi cuidadosa ontem. Não quis culpar o Irã diretamente. Disse apenas que as armas usadas foram iranianas. O risco maior a evitar é uma nova guerra.