O globo, n.31451, 16/09/2019. Artigos, p. 02

 

Câmara precisa acelerar o fim dos supersalários 

16/09/2019

 

 

Gravação de uma recente reunião do Ministério Público de Minas Gerais mostrou o procurador estadual Leonardo Azeredo dos Santos reclamando da remuneração. “Como é que se vai viver com 24 mil reais?”

Esse valor do seu salário-base equivale a 24 salários-mínimos, o que ele define como “um miserê”. O procurador não falou dos adicionais e outras vantagens que inflam a folha do Ministério Público. Nos sete primeiros meses, por exemplo, ele recebeu R$ 478 mil líquidos, ou seja, R$ 68 mil mensais. Outros na função receberam até R$ 88 mil.

A reação foi intensa, e protestos prosseguem em Minas, estado com déficit de R$ 36,2 bilhões acumulado no período de 2014 a 2018. Estima-se que o desequilíbrio nas contas estaduais, apenas neste ano, supere o patamar de R$ 12 bilhões. Há mais R$ 30 bilhões em dívidas pendentes.

Na origem estão as despesas com pessoal. Dispararam na gestão do então governador do PT Fernando Pimentel: representavam 68% da receita líquida mineira em 2014, e saltaram para 79% quatro anos depois.

Esse aumento reflete, também, excentricidades salariais comuns na União, estados e municípios, entre elas a incorporação de gratificações aos vencimentos. Resultado: a elite da burocracia nacional passou a ser sustentada com supersalários.

O caso do procurador é simbólico, mas não é peculiaridade mineira. No primeiro semestre, Minas pagou R$ 752.100 a um juiz estadual num único mês. Do total, R$ 725 mil corresponderam a “vantagens eventuais”.

Levantamento da Câmara dos Deputados mostra que cerca de 71% dos magistrados brasileiros têm ganhos que superam o teto constitucional (R$ 39.200), por meio de auxílio-moradia, alimentação, viagens, gratificações e todo tipo de penduricalhos remuneratórios que o sistema jurídico permite conceber e implantar no serviço público. Como o limiteéa imaginação, o corporativismo tem produzido, a partir de brechas na lei, uma miríade de situações para multiplicar bônus, sempre com direitos cumulativos.

Há três anos o Senado aprovou um projeto para limitar os supersalários. Recebidona Câmara, o texto foi debatido, converti doem relatório negociado durante ano emeio pelo deputado-relator Rubens Bueno( Cidadania-PR ). No primeiro semestre, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, adiou a votação paranã o atrapalhara reformada Previdência. Essa etapa já foi superada.

É escandaloso o setor público pagar supersalários num país em que metade dos trabalhadores do setor privado recebe um salário mínimo por mês, segundo o IBGE.

Como mostrou o episódio do procurador de Minas, a alta burocracia virou casta, e isso é inaceitável para uma sociedade que já paga um alto preço pelo resgate do equilíbrio nas finanças estatais. A Câmara precisa agir, rapidamente, e pôr um ponto final nos supersalários.