O globo, n.31448, 13/09/2019. Artigos, p. 02
Governo cria confusão em torno da CPMF
13/09/2019
Fases de mudanças profundas em governos, como agora no início da gestão Bolsonaro, com uma agenda pesada de reformas, costumam gerar desentendimentos que podem levar a trocas de pessoas no alto escalão.
É o que aconteceu na quarta-feira com o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, demitido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, por determinação do presidente Jair Bolsonaro. Este tuitou que o secretário caíra por tentar recriar a CPMF. Mas talvez não seja tão simples.
Pouco antes, no fim de semana, o jornal “Valor Econômico” trouxera longa entrevista em que Paulo Guedes alinhou argumentos pela volta do tributo, rebatizado de Imposto de Transações Financeiras (ITF). Até estimou uma arrecadação de R$ 150 bilhões, a serem usados para compensar a perda de receita com o necessário corte do custo trabalhista (impostos sobre a folha de salários), um entrave à criação de empregos formais.
Foi-lhe perguntado sobre a conhecida resistência de Bolsonaro ao gravame. Guedes disse esperar que possa convencer o presidente, da mesma forma que fez nas mudanças previdenciárias.
A grande vantagem deste tipo de imposto, que incide sobre grandes volumes de recursos, é arrecadar muito dinheiro, a baixo custo. Mas as desvantagens são várias.
Na terça, o secretário-adjunto da Receita, Marcelo Silva, em um evento público, avançou vários passos e revelou até possíveis alíquotas do ITF. Depois da queda de Cintra, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, explicou a demissão pelo fato de a discussão sobre o retorno da CPMF ter ficado “pública demais”. Não pelo tema em si.
Há nuances entre a entrevista do ministro e a apresentação em que foram reveladas possíveis alíquotas, e o presidente da República aproveitou para insistir em que o imposto não voltará.
Mas os sinais confusos que o governo emite sobre a CPMF são ruins para as expectativas dos agentes econômicos, já degradadas por declarações e atitudes impróprias da família Bolsonaro.
Em todo este contencioso há ainda a grave questão do avanço do governo sobre órgãos do Estado para enfrentamento da corrupção, entre os quais a Receita Federal.
Do secretário Marcos Cintra seria cobrado conter os auditores fiscais, servidores do Estado e não de governos, e que precisam de autonomia para abastecer investigações sobre indícios de desvios de recursos públicos.
O que pesou mais para a demissão do secretário? Mais um fator a disseminar incertezas.
O tempo passa e ainda há pela frente uma obra desafiadora de engenharia política, para compatibilizar as diversas propostas de reforma tributária —a do governo e as da Câmara e do Senado, pelo menos. Quanto menos ruídos, melhor.