Título: A guerra fiscal da internet
Autor: D'Angelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 19/11/2012, Economia, p. 8

Partilha do ICMS no comércio eletrônico prejudica estados mais pobres. Esperança é a aprovação de PEC sobre o assunto

Os consumidores do Distrito Federal e de estados mais pobres do país não sabem, mas toda vez que realizam uma compra pela internet e recebem o produto diretamente em casa estão deixando todo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a unidade da Federação onde está localizado o site vendedor. São em torno de R$ 3 bilhões por ano em tributos que não chegam às cidades de grande parte desses clientes.

O estado de São Paulo — onde estão os maiores sites de vendas do país e que concentra pelo menos 60% da movimentação de R$ 20 bilhões anuais do comércio eletrônico — calcula em mais de R$ 2 bilhões o total que entra em seus cofres públicos devido às compras não presenciais por consumidores de outros lugares. Já as unidades federativas pobres como Sergipe, Piauí e Bahia estão perdendo de R$ 100 milhões a R$ 165 milhões por ano. O DF ainda não tem os cálculos dos prejuízos, mas sabe-se que são superiores a R$ 150 milhões devido ao perfil do seu mercado consumidor, de renda mais elevada e com maior acesso à internet.

“Um morador do Piauí contribui para aumentar a arrecadação de São Paulo toda vez que faz uma compra pela internet”, resume o secretário da Fazenda do Estado, Silvano Alencar. Isso acontece porque não há, no comércio eletrônico, a repartição do tributo entre o estado de origem e o de destino da mercadoria, tal como ocorre quando os mesmos consumidores adquirem um bem em qualquer estabelecimento de sua cidade (veja como funciona a cobrança do ICMS no quadro ao lado). A mesma situação é gerada pelas compras feitas por telefone ou por meio de catálogos de vendas, a exemplo dos cosméticos.

“É uma injustiça com os estados onde estão os consumidores que geram esses negócios bilionários”, afirma o secretário da Fazenda do Distrito Federal, Adonias dos Reis Santiago. O titular da mesma secretaria do Sergipe, João Andrade Vieira da Silva, destaca que as grandes lojas de departamentos são apenas uma espécie de showroom nas cidades dos consumidores, pois o produto entregue depois vem de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de Minas Gerais. “São só mostruário da mercadoria”, diz.

Novo modelo O Distrito Federal e 17 estados que perdem com essas vendas tentaram parar a sangria. Eles assinaram, em 1º de abril de 2011, o Protocolo ICMS nº 21, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), estabelecendo o sistema de partilha do imposto como se fosse uma venda feita diretamente pelas lojas das cidades aos seus moradores. O Confaz reúne todos os secretários da Fazenda do país.

Ficou assim: o vendedor deve recolher o ICMS para dois estados: o de origem, com base na alíquota interestadual (de 7% a 9% sobre o preço do produto), e o do comprador, a diferença entre a alíquota interna (de até 25%) menos aquele imposto interestadual já recolhido. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Tocantins e Amazonas, no entanto, não aderiram a esse sistema de partilha.

No caso de venda originada nos estados que não assinaram o documento, o protocolo estabelece que a unidade federativa de destino da mercadoria cobrará do vendedor o ICMS local, com base na alíquota interna cheia, de até 25%, sem qualquer abatimento. Ou seja, as empresas terão que pagar duas vezes o ICMS cheio, uma vez que já recolhem a mesma alíquota para o estado onde estão sediadas.

Inconformadas, elas foram à Justiça e conseguiram liminar para não fazer esse segundo recolhimento, alegando bitributação. A Secretaria da Fazenda do DF afirma que 95% das companhias que vendem pela internet para consumidores da capital federal já estão amparadas por liminares, sem recolher o imposto. Enquanto isso, em toda reunião mensal do Confaz, os representantes do DF e dos estados mais pobres pedem ajuda do governo federal para apressar a apreciação da Proposta de Emenda à Constituição do Comércio Eletrônico.

Procurado, o Ministério da Fazenda limitou-se a dizer que apoia a PEC e que ela tem avançado “de forma satisfatória”. “Já foi aprovada no Senado Federal e tramita na Câmara dos Deputados com certa celeridade”, afirmou. Não é o que pensam as unidades que estão perdendo. “Ela foi modificada na Câmara. Agora, terá que voltar ao Senado para nova votação”, lembra o secretário da Fazenda da Bahia, Luiz Petitinga.