O globo, n.31447, 12/09/2019. País, p. 07

 

Coaf aponta movimentação atípica de David Miranda 

Juliana Dal Piva

Jão Paulo Saconi

12/09/2019

 

 

Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) enviado ao Ministério Público do Rio —dois dias após o site The Intercept Brasil começar a divulgar mensagens atribuídas a autoridades da Lava-Jato — aponta que o deputado federal David Miranda (PSOLRJ) fez “movimentações atípicas” de R$ 2,5 milhões em sua conta bancária entre 2 de abril de 2018 e 28 de março de 2019. Miranda é casado com Glenn Greenwald, editor do Intercept.

Como antecipou o colunista do GLOBO Lauro Jardim, a 16ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro barrou ontem a tentativa do Ministério Público de quebrar o sigilo fiscal e bancário do deputado e pediu que Miranda e outras quatro pessoas, entre assessores e ex-assessores dele, sejam ouvidas antes de qualquer medida cautelar.

O fato de a movimentação ter sido considerada atípica não significa que tenha sido identificada ilegalidade. A partir do documento, foi aberta uma investigação.

O relatório do Coaf foi feito em meio a investigação que apurava supostas ilegalidades em gráficas em Mangaratiba, no Rio, e não tem relação direta com ele. O deputado contratou serviços de uma das empresas investigadas e, por isso, suas movimentações foram enviadas ao MP.

O Coaf aponta que o valor de R$ 1,3 milhão entrou na conta corrente do parlamentar, registrada em uma agência do Banco do Brasil em Ipanema, na Zona Sul do Rio. As saídas da conta somaram R$ 1,2 milhão no mesmo período. O Coaf informa no relatório que considera “suspeita de ocultação de origem” uma série de depósitos de valores que giravam entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil, feitos em espécie. Os analistas do órgão destacam no relatório o fracionamento dos depósitos e também a existência de repasses de funcionários do gabinete ao deputado. Para investigadores, existe a suspeita de um esquema de “rachadinha”, de devolução de parte dos salários.

“COMPATÍVEL COM RENDA”

Ao GLOBO, Miranda disse que o cargo de deputado não é a sua única fonte de renda e que “as movimentações são compatíveis com sua renda familiar”. O deputado recebe R$ 33,7 mil de salário. Ele afirmou que depósitos fracionados detectados pelo Coaf vêm dessa outra fonte, uma empresa de turismo da qual é sócio com Glenn Greenwald.

À Justiça Eleitoral, Miranda declarou participar da sociedade da Enzuli Management (nos Estados Unidos) e da Enzuli Viagens e Turismo (no Brasil). O deputado é dono de 18,75% da companhia americana e de 1% da brasileira, e ambas também têm participação de Glenn.

O deputado também afirmou que, “diante da ausência de provas e evidências sobre qualquer ilegalidade, não há dúvida de que (a investigação) é uma retaliação”. Para ele, “a suposição que motivou o pedido de quebra de sigilo não faz sentido” e “é óbvio que é uma resposta ao trabalho do The Intercept Brasil na cobertura da Vaza-Jato”. Ao Jornal Nacional, o deputado negou que assessores tenham devolvido parte do salário para o gabinete quando era vereador e disse que os depósitos fracionados vieram de um funcionário que trabalhava na casa dele, como office boy.

Glenn divulgou um vídeo ontem com críticas à reportagem e afirmou que seu salário é superior à movimentação identificada pelo Coaf. O jornalista disse que tem outras rendas, como a publicação de livros:

—Podemos provar de onde esse dinheiro vem. Ganho esse dinheiro nos Estados Unidos. Nós transferimos todo mês esse dinheiro para nossa conta bancária aqui no Brasil.