Título: Arma para manter força política
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 19/11/2012, Mundo, p. 14
Campanha militar em Gaza ocorre a dois meses da eleição. Premiê Benjamin Netanyahu deve tentar novo mandato
A Operação Pilar de Defesa teve início apenas 70 dias antes das eleições legislativas israelenses que renovarão a Knesset (parlamento) e poderão abrir caminho para um segundo mandato do primeiro- ministro, Benjamin Netanyahu. A proximidade do pleito lançou suspeitas de que uma megaofen- siva contra a Faixa de Gaza teria o propósito de consolidar a liderança do premiê. Por telefone, o cientista político Atef Abu Saif— professor da Universidade Al-Azhar, na Cidade de Gaza—afirmou ao Correio que as ações militares em território palestino quase sempre estão ligadas à situação política interna de Israel. "Netanyahu deseja ganhar mais popularidade antes das eleições. Nós, palestinos, geralmente somos o material das eleições israelenses", disse. "A Faixa de Gaza tem que pagar um preço pelas eleições em Israel."
De acordo com o analista palestino, a campanha de bombardeios não tem o objetivo de levar o movimento fundamentalista islâmico Hamas à derrocada. "Enquanto o Hamas estiver em Gaza, os palestinos não estarão unidos, pois serão comandados por uma dupla entidade (o próprio Hamas e o Fatah, na Cisjordânia) e não poderão ter um Estado próprio. A divisão política, realizada pelo Hamas, é interessante para Netanyahu", explica Abu Saif. O estudioso lembra que, desde 1948, as Forças de Defesa de Israel (IDF pela sigla em inglês) têm trabalhado para reduzir a capacidade de resistência e de militarização dos movimentos palestinos.
Especialista do Centro para Estudos Estratégicos Begin-Sadat (em Ramat Gan), o israelense Mordechai Kedar não acredita numa manobra eleitoral de Netanyhu para permanecer no poder. "Pelo contrário, se a segurança na região deteriorar, o premiê pode perder votos", garantiu à reportagem, por e-mail. Ofensivas militares realizadas por Israel nos últimos anos têm coincidido com o período eleitoral. Foi assim com a Operação Chumbo Fundido, que começou em 27 de dezembro de 2008, a menos de dois meses das eleições legislativas de 10 de fevereiro de 2009 — elas consagraram o partido Likud e seu líder, o próprio Netanyahu. Naquela ocasião, a guerra contra o Hamas durou 22 dias, envolveu a incursão de tropas e deixou um saldo de 1.417 palestinos mortos.
Segundo Mordechai, a Operação Pilar de Defesa tem que ser entendida além do viés eleitoral. Ele conta que, há duas semanas, o emir do Catar, xeque Hamad bin Khalifa Al-Than, visitou a Faixa de Gaza e anunciou a liberação de US$ 450 milhões para o financiamento de projetos de infraestrutura. "A doação significou a consolidação da mudança do Hamas da coalizão xiita Irã-Síria para a coalizão sunita Catar-Egito-Arábia Saudita. O Irã ficou irado e ordenou à Jihad Islâmica, seu aliado em Gaza, que iniciasse a guerra, disparando um míssil antitanque contra um jipe israelense", explica. "Três militares ficaram feridos e Israel retaliou. O Irã e a Jihad Islâmica empurraram o Hamas para o confronto." Mordechai garante que os esforços do Egito em tentar costurar um cessar-fogo são uma tentativa de salvar o Hamas. "A tarefa do Irã é agitar a situação e desviar a atenção do mundo das atrocidades na Síria", concluiu.
Ex-oficial de inteligência das IDF, o também israelense Aaron Klein também descarta qualquer motivação eleitoral na campanha em Gaza. "A situação chegou a um ponto insuportável. Quase diariamente, em intervalos pequenos de tempo, foguetes ameaçam o sul de Israel. Era preciso que o governo fizesse algo. Não vejo conexão com as eleições, ainda que um bom resultado da Operação Pilar de Defesa possa influenciar no voto", afirmou, por telefone. Klein explica que mesmo um cessar-fogo com o Hamas resultaria em cinco ou seis assentos a mais na Knesset para a coalizão de Netanyahu, o que lhe garantiria um novo mandato.
Ponto crítico
A operação militar em Gaza seria uma manobra de Netanyahu para obter a reeleição?
SIM Atef Abu Saif "Benjamin Netanyahu deseja se mostrar como o herói capaz de prevenir o lançamento de foguetes contra Israel, alguém que pode quebrar a determinação e a capacidade dos palestinos de resistirem à ocupação. Netanyahu é o general que usa as suas regras contra o meu povo. Nós, cidadãos de Gaza, teremos que sofrer para que Netanyahu seja reeleito. O premiê israelense não quer remover o Hamas do poder, mas dizimar a capacidade militar da facção. Netanyahu pretende se mostrar mais extremista do que o chanceler Avigdor Lieberman." Palestino, cientista político da Universidade Al-Azhar (Cidade de Gaza)
NÃO Mordechai Kedar "Não vejo uma manobra eleitoral. Mas o impacto da Operação Pilar de Defesa sobre as eleições de janeiro dependerá do modo como ela terminar. Se Israel for bem-sucedido em conseguir um período de paz, isso poderá ajudar Netanyahu na reeleição. No entanto, se o premiê fracassar, ele perderá votos. A maioria dos israelenses não faz qualquer conexão entre o que ocorre em Gaza e as eleições. A guerra na Faixa de Gaza é um dever, tanto para a esquerda quanto para a direita. E as eleições envolvem muitas outras coisas, como problemas sociais e preços." Israelense, especialista do Centro para Estudos Estratégicos Begin-Sadat (em Ramat Gan)