Título: Onde o grileiro ataca
Autor: Rodrigues, Gizella
Fonte: Correio Braziliense, 19/11/2012, Cidades, p. 19

Delegacia Especial do Meio Ambiente aponta seis áreas como as mais visadas pelos criminosos que enriquecem ocupando e parcelando terras públicas e particulares que não poderiam ser destinadas à moradia

No Núcleo Rural Morro da Cruz, em São Sebastião, vacas e bezerros pastam em meio a tijolos e areias destinados à construção de novas casas. Plantações de milho, feijão e mandioca deram lugar a barracos de alvenaria erguidos nas chácaras parceladas. A área é rural e pública. Pertence à Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), mas se transforma em loteamento urbano aos poucos, à vista de todos. A ocupação irregular começou há pelo menos cinco anos, mas ainda hoje há faixas espalhadas oferecendo lotes na região. O Morro da Cruz é uma das seis áreas críticas alvos de grilagem no Distrito Federal, segundo levantamento da Delegacia Especial do Meio Ambiente (Dema). Em outubro, 13 pessoas foram presas em flagrante tentando parcelar terras irregularmente na capital do país.

No último dia 31, dois corretores de imóveis suspeitos de vender terrenos irregulares em uma área rural, no Paranoá, foram presos por fiscais da Secretaria da Ordem Pública e Social (Seops). Eles pretendiam vender lotes em uma área particular parcelada ilegalmente para a construção de um condomínio. O negócio renderia até R$ 2,75 milhões. No local, havia 49 lotes já demarcados. O pagamento era facilitado, dividido em até 36 vezes. Pelo menos 30 cheques de supostos compradores foram apreendidos com a dupla.

Três flagrantes ocorreram em oito dias. Um deles em 8 de outubro, quando os fiscais desmontaram um negócio milionário em Santa Maria. Dois corretores de imóveis foram presos suspeitos de parcelar e vender terras irregularmente às margens da DF-290 em uma área pertencente ao Departamento de Estradas de Rodagem (DER). Eles estavam com um mapa do local, dividido em cinco quadras com 116 lotes entre 250 e 519 metros quadrados. Os terrenos seriam vendidos por R$ 140 mil a R$ 420 mil, rendendo R$ 32 milhões.

Em 11 de outubro, sete pessoas foram levadas para a Dema e duas delas acabaram presas acusadas de tentar demarcar novos lotes no condomínio Mini-Chácaras, no Altiplano Leste, próximo ao Lago Sul, outra área crítica à ocupação irregular (veja mapa). Um auxiliar de topografia e um funcionário do condomínio foram flagrados colocando piquetes no parcelamento que demarcariam novos 355 lotes de cerca de 540m² cada. Segundo os funcionários, todos os lotes tinham sido vendidos.

Cinco dias depois, novo flagrante. Três pessoas foram presas enquanto anunciavam lotes em área pública na DF-180, no Recanto das Emas. A área de 10 hectares estava dividida em 41 lotes, oferecidos por R$ 60 mil cada. “A grilagem é um crime de todas as classes sociais. É praticado por ricos, especuladores imobiliários e pobres que precisam de moradia. Normalmente, os grileiros que prendemos têm várias passagens e já ficaram ricos com a venda de terrenos irregulares”, afirma o delegado Ivan Francisco Dantas, chefe da Dema.

Dos 1.253 inquéritos em tramitação na Dema, 36% são relacionados à grilagem — 406 de parcelamentos irregulares do solo e 48 de invasão de área pública. O crime não é fácil de ser investigado e algumas prisões são planejadas durante meses. “Hoje, dificilmente os grileiros ficam nos locais onde estão os lotes. Eles anunciam a venda dos terrenos de forma individual, para não parecer que criaram todo um parcelamento e marcam encontros com os compradores longe das áreas parceladas. Normalmente, levamos algum tempo para configurar um flagrante”, afirma o delegado Ivan Dantas.

Monitoramento Com os dados das mais recentes operações, é possível construir um mapa da grilagem. A pedido do Correio, a Dema listou seis áreas críticas no DF que sofrem com a pressão imobiliária e são invadidas constantemente. Além do Morro da Cruz e do Altiplano Leste, a Ponte Alta Norte, no Gama, o Assentamento 26 de Setembro, em Taguatinga, o Núcleo Rural Alexandre Gusmão e o condomínio Sol Nascente, ambos em Ceilândia, são vigiados atentamente pelo governo por causa da ação dos grileiros.

Tanto a Dema quanto a Seops integram o Comitê de Combate ao Uso Irregular do Solo, criado em maio do ano passado para prevenir, controlar e erradicar ocupações irregulares no DF. Formado por representantes de 15 órgãos, o comitê se reúne mensalmente e troca informações para flagrar grileiros em ação no DF.

Apesar dos pontos críticos, o major Carlos Chagas de Alencar, porta-voz da Seops, afirma que a área rural de todas as regiões administrativas está em risco. “Há condomínios consolidados nessas áreas que serão regularizados. Mas não iremos tolerar novas ocupações”, garante. Segundo ele, os chacareiros, que têm apenas a posse dos terrenos, acabam cedendo à pressão imobiliária e parcelam as chácaras ou vendem as terras para grileiros fazerem os parcelamentos. De acordo com o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot), nenhuma área rural pode ser menor que dois hectares, ou 20 mil m², mesmo as particulares.

Esquema Certos do lucro, os corretores falsificam documentos em cartórios de Goiás, parcelam os terrenos e vendem os lotes como se fossem legais. Outros utilizam as concessões de uso que os chacareiros receberam do governo e comercializam os imóveis com a promessa de que a área será regularizada no futuro. Anunciam a venda em faixas, em sites e até em jornais.

A família da dona de casa Valéria de Cássia, 27 anos, foi uma das primeiras a se mudar para o Núcleo Rural Morro da Cruz, em São Sebastião, há cinco anos. Valéria e o marido moravam de aluguel na Quadra 306 e pagaram R$ 7 mil pelo lote, onde construíram uma casa para criarem os quatro filhos. Ela conta que comprou o terreno de um homem chamado Cláudio, que apresentou uma cessão de direito de uso como documento da terra. O núcleo rural ainda era todo formado por chácaras, mas ela não desconfiou que o negócio era ilegal. “Ele falou que era dele. A gente, com filho, precisando de um lugar para morar, acreditou”, afirma Valéria.

A dona de casa diz que fiscais já estiveram na área e ameaçaram derrubar os barracos. “A Terracap disse que a terra é dela. Agora, é de todo mundo”, comenta Valéria. Ela teme perder o imóvel, mas promete lutar até o fim por ele. “Tudo que eu tinha investi aqui. Agora é tudo ou nada”.

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