Correio braziliense, n. 20566, 13/09/2019. Política, p. 3

 

MP não serve as pessoas

Renato Souza

13/09/2019

 

 

Poder » Ministro do Supremo, Celso de Mello diz que "governantes ímprobos e cidadãos corruptos" temem a independência da instituição

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a atuação independente do Ministério Público Federal (MPF), sem “se curvar” para “autoridades” ou estar subordinado a partidos políticos. Ele frisou que a instituição não pode servir a interesses específicos.

Celso de Mello afirmou que “regimes autocráticos, governantes ímprobos, cidadãos corruptos e autoridades impregnadas de irresistível vocação tendente à própria desconstrução da ordem democrática temem um Ministério Público independente”.

Para o decano, é necessário que a instituição permaneça forte para proteger valores democráticos. “O Ministério Público não serve a pessoas, o Ministério Público não serve a grupos ideológicos, o Ministério Público não se subordina a partidos políticos”, destacou. “O Ministério Público não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, não importando a elevadíssima posição que tais autoridades possam ostentar na hierarquia da República.”

O ministro disse, ainda, que o MP não pode ser “representante servil da vontade unipessoal de quem quer que seja ou o instrumento de concretização de práticas ofensivas aos direitos básicos das minorias”.

As declarações de Celso de Mello foram dadas na sessão de ontem do STF, a última de Raquel Dodge como procuradora-geral da República, que encerrará seu mandato na terça-feira. O discurso dela foi em defesa da democracia e dos direitos fundamentais de todos os brasileiros. A PGR pediu que os magistrados “fiquem atentos” a sinais de “pressão sobre a democracia”.

Dodge afirmou que é papel do MP e do STF proteger os valores democráticos e garantir o funcionamento das leis no país, de forma a garantir que “ninguém esteja acima ou abaixo da legislação”. Ressaltou, ainda, a importância de proteger o meio ambiente e as minorias, como povos indígenas e ciganos. “Faço um alerta para que fiquem atentos a todos os sinais de pressão sobre a democracia liberal, uma vez que no Brasil e no mundo surgem vozes contrárias ao regime de leis, ao respeito aos direitos fundamentais e ao meio ambiente sadio também para as futuras gerações”, disse Dodge aos ministros.

Ela também se mostrou favorável à participação popular no sistema político. “Protejam a democracia brasileira, arduamente erguida em caminhos de avanços e retrocessos, mas sempre sobre norte de que a democracia é o maior modelo para construir uma sociedade de maior desenvolvimento humano”, ressaltou. A procuradora lembrou que o STF não age de ofício, ou seja, por conta própria e “precisa ser acionado para que possa decidir”.

“Apoio”

Ao fim da sessão, em uma rara conversa com jornalistas, Dodge ressaltou o trabalho da Operação Lava-Jato e disse que ofereceu todo o apoio possível para as investigações. Ela respondeu sobre as críticas de que reduziu o ritmo da força-tarefa ao longo de sua gestão. “A maior parte das peças que ajuizei aqui no STF estão sob segredo de Justiça, são sigilosas, e no tempo próprio elas expressarão o empenho com que eu trabalhei no enfrentamento da corrupção”, garantiu. “No tocante à atuação dos meus colegas membros do MP brasileiro, tenho certeza de que dei a eles toda a estrutura necessária para o enfrentamento da corrupção. Dotando não só toda a Procuradoria com a verba necessária para fortalecer essa atuação, como também apoiando todas as iniciativas que eles tiveram e que chegaram ao meu conhecimento na forma de requerimento.”

A professora Vera Chemim, especialista em direito constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirmou que as declarações de Celso de Mello são importantes, mas ela entende que a Corte deve fazer uma autocrítica sobre seu papel na Constituição. “O próprio Supremo invade a competência do Ministério Público, como é o caso do inquérito sobre fake news contra a Corte. O STF abriu o inquérito, de ofício, atuou como acusador, investigou e julgou. Fez o papel da Polícia Federal e do MPF”, criticou.

De acordo com Vera Chemim, os ministros ouviram esse recado ontem. “A própria Raquel Dodge, em seu discurso, falou sobre a importância de a competência do MPF não ser invadida, e foi uma avaliação muito acertada.”

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CNJ regula o auxílio-saúde

13/09/2019

 

 

Uma resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determina que tribunais de todo o país padronizem o pagamento de auxílio-saúde para juízes. De acordo com a norma, haverá três opções para que o serviço seja prestado. Um deles prevê pagamentos a título indenizatório correspondente a até 10% dos salários. A medida também vale para servidores do Judiciário e dependentes. Com a atual remuneração do setor, o benefício pode chegar a valores que variam de R$ 3,2 mil a R$ 3,9 mil, a depender da instância e do local de lotação do magistrado e do servidor. O valor não entra como desconto na quantia total e não está incluído no teto constitucional, já que é considerado indenizatório.

Além dessa opção, a resolução prevê que o auxílio-saúde pode ser oferecido por meio de convênio com planos de saúde, ou serviço prestado diretamente ao tribunal. A medida aprovada pelo CNJ foi uma sugestão do conselheiro Valtério de Oliveira. Ele destacou que, por falta de padronização, o controle sobre os gastos dos tribunais nos estados com esse tipo de benefício era mais difícil.

Cada tribunal deve decidir qual das três opções vai adotar. O Correio pediu ao CNJ dados sobre a previsão do impacto da medida no orçamento do Judiciário, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. (RS)

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Judicialização para garantir reajustes

Isabella Souto

13/09/2019

 

 

Diante da possibilidade de um congelamento nos salários dos servidores de Minas Gerais — incluindo todos os poderes e órgãos —, em razão do plano de ajuste fiscal negociado entre o Executivo e a equipe econômica do governo federal, pelo menos o Ministério Público já discute uma reação: recorrer à Justiça para assegurar um reajuste nos contracheques do órgão em 2020. A garantia foi dada pelo procurador-geral de Justiça de Minas, Antônio Sérgio Tonet, durante reunião da câmara de procuradores realizada em 12 de agosto — aquela mesma sessão em que o colega Leonardo Azeredo dos Santos reclamou de receber um “miserê” de R$ 24 mil.

O assunto veio à tona durante a apresentação da proposta orçamentária para 2020, que prevê um gasto bruto de R$ 1,979 bilhão com a folha de pagamentos. O projeto traz um reajuste de 5% no vencimento dos promotores e procuradores, que atualmente varia de R$ 30.404,42 a R$ 35.462,22, mas o próprio Antônio Tonet avisou que o índice é apenas uma “estratégia” para elevar o valor do orçamento e garantir uma margem para gastos dentro da rubrica de pessoal.

De qualquer forma, um aumento no contracheque depende de um reajuste no Supremo Tribunal Federal (STF): é que o salário dos ministros do órgão serve de parâmetro para o cálculo dos vencimentos do Judiciário, Legislativo e MP. Qualquer alteração em Brasília é aplicada automaticamente aos demais poderes na União, estados e municípios. Até então, não há uma proposta para reajuste na folha do Supremo no ano que vem, mas ainda que ela ocorra, em Minas Gerais corre-se o risco de ser barrado se for aprovado o ajuste fiscal pela Assembleia.

Ao ser questionado durante a reunião se existia a possibilidade de os membros do MP ficarem sem o reajuste, Tonet respondeu: “Se vier um reajuste no Supremo, e se Minas Gerais, ao tempo em que chegar esse aumento, esse percentual, já tiver aderido a uma lei estadual aprovada, referendando todos os termos (do ajuste), sim”, afirmou, conforme gravação da reunião. Questionado mais uma vez se não há nada a ser feito, emendou: “Claro que nós vamos lutar, entrar com medidas no Supremo, enfim, mas a regra é essa”, comentou.

Foi a partir desse ponto que o procurador Leonardo Azeredo dos Santos passou a reclamar do vencimento de R$ 24 mil líquidos e da necessidade de mudar o padrão de vida, que ia piorar ainda mais a partir do ano que vem, se não houvesse um aumento no contracheque. Durante a sessão, ele chega a pedir ao procurador que tome alguma medida “criativa” para gerar extras para a categoria. E diz que tem até uma sugestão, mas é advertido por Tonet: “Entendo e respeito, mas não gostaria de discutir essa questão aqui, é uma sessão pública, estamos gravando”.

O ajuste fiscal é um conjunto de propostas elaboradas pelo governo mineiro necessárias para que o estado possa aderir ao plano de recuperação da União. A estimativa do Executivo é de que os textos sejam encaminhados à Assembleia Legislativa até o fim deste mês, e prevê medidas impopulares, como venda de estatais, congelamento no salário dos servidores, redução de vagas e na carga horária de trabalho. Essas providências são apontadas pelo Executivo como a alternativa para sanar as finanças do estado, que tem um deficit previsto de R$ 11,3 bilhões para este ano.