Título: STF exige providências contra caos nas prisões
Autor: Mader, Helena; Almeida, Amanda
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2012, Política, p. 2

Magistrados responsabilizam o Ministério da Justiça pela situação dos presídios após titular da pasta dizer que "preferia morrer" a cumprir pena

A declaração do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de que “preferia morrer” a ficar preso no sistema penitenciário brasileiro foi alvo de críticas de magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF). Na sessão de ontem, integrantes da Corte questionaram a atuação do governo federal na área prisional e lembraram que muitos presos precisam enfrentar uma realidade desumana, especialmente por conta da superlotação das cadeias. Decano do Supremo, o ministro Celso de Mello lembrou que o Ministério da Justiça é justamente o responsável pelo cumprimento da Lei de Execuções Penais e pela administração das penitenciárias. “Cabe ao Ministério da Justiça exercer esse papel executivo de vital importância, sob pena de frustrar a finalidade para qual a pena, em última análise, foi concebida”, justificou o decano.

Em tom crítico, o ministro Gilmar Mendes disse que a preocupação com a situação das cadeias é pertinente, mas também lembrou que o problema é antigo e que cabe ao governo federal resolver o impasse. “Louvo as palavras do ministro da Justiça, mas lamento que ele tenha falado isso agora, porque esse é um problema desde sempre”, disse Mendes. “Temos um inferno nos presídios. Essa é uma questão realmente muito séria e temos uma grande responsabilidade nessa temática”, acrescentou.

Mendes lembrou que existem hoje cerca de 514 mil presos no sistema penitenciário brasileiro, metade deles em situação provisória. Também existem pelo menos 60 mil pessoas presas em delegacias, de forma ilegal. “Não dá mais para dizer que a Justiça não tem nada com isso. A toda hora discutimos o tema de excesso de prazos, porque a Justiça não consegue julgar no tempo adequado”, completou Gilmar Mendes. Ele comentou que, diante da falta de recursos para construir e adequar os presídios, há muitos detentos em locais inadequados. “Tivemos casos de presos no Pará que estavam passando fome. Recentemente, vimos detentos em situação de absoluta promiscuidade na Paraíba”, comentou.

Para Gilmar Mendes, o mensalão vai contribuir para o debate sobre a necessidade de investimento no sistema penitenciário. “Talvez esse julgamento, em virtude de sua repercussão, esteja contribuindo para essa discussão, mas é preciso que o governo federal participe desse debate sobre segurança pública, porque é ele que dispõe dos recursos e tem a função de coordenar a área. Isso nunca foi prioridade, e é por isso que temos esse estado de caos.”

Abandono Para o ministro Celso de Mello, é preciso melhorar a situação das cadeias brasileiras. “Existe um quadro de abandono das pessoas presas, muitas estão em locais inadequados ou passando privações materiais por incúria do poder público. E isso é muito grave”, justificou o decano. Ele acredita que é importante que o ministro da Justiça revele publicamente a preocupação com o estado das cadeias, mas lembrou que é atribuição da pasta melhorar esse quadro. “É grande a responsabilidade do Ministério da Justiça na implementação dos grandes princípios e nas magníficas diretrizes contempladas na própria legislação de execução penal. E o Departamento Penitenciário Nacional, subordinado ao ministério, é o órgão executivo da política penitenciária nacional”, explicou.

O artigo 88 da Lei de Execução Penal determina que o condenado seja alojado em cela individual com dormitório, aparelho sanitário e lavatório. “Mas a prática da Lei de Execução Penal tornou-se, entre nós, um exercício quase irresponsável de ficção jurídica, uma vez que o Estado se mantém absolutamente indiferente e desinteressado dessa fase, que é delicadíssima, que consiste na implementação executiva das sanções penais proclamadas pelo Poder Judiciário”, disse Celso de Mello.

Para o decano, muitos presos “têm sido menosprezados”. Ele contou que, quando integrava o Ministério Público, visitava mensalmente cadeias e, na época, o que via era “apenas um depósito de presos, pessoas abandonadas à própria sorte por absoluta irresponsabilidade do poder público”. “Acho importante que o senhor ministro da Justiça tenha feito essa observação de maneira muito cândida e honesta, de maneira franca. Mas agora é preciso que o poder público exerça seu papel executivo de vital importância”, finalizou Celso de Mello.

"Existe um quadro de abandono das pessoas presas, muitas estão em locais inadequados ou passando privações materiais por incúria do poder público. E isso é muito grave" Celso de Mello, decano do STF

"É preciso que o governo federal participe desse debate sobre segurança pública, porque é ele que dispõe dos recursos e tem a função de coordenar a área. Isso nunca foi prioridade, e é por isso que temos esse estado de caos" Gilmar Mendes, ministro do STF

Falência 514 mil pessoas estão presas no Brasil atualmente, em 1,3 mil estabelecimentos penais. O deficit de vagas no sistema prisional do país supera 200 mil.