Título: Proposta polêmica
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 23/11/2012, Economia, p. 16

O Correio ouviu alguns dos mais respeitados especialistas em tributação no País a respeito das discussões sobre as metodologias de cálculo da carga bruta e da líquida. Desses, dois analistas pediram anonimato como condição de serem ouvidos. Para eles, a troca de um conceito pelo outro, com a mudança na conta e no resultado, tem como objetivo pintar um quadro melhor para o gasto público do que o panorama atual. "Se você me perguntar qual é o interesse do governo em trocar os parâmetros, eu vou te dizer que a intenção, certamente, é mostar que a carga tributária é menor do que realmente é", dispara um dos especialistas ouvidos.

Um outro tributarista lembra que a nova metodologia pode ajudar a melhorar a imagem do governo em medições futuras, como a da carga tributária de 2012, que será divulgada apenas no ano que vem. "A arrecadação deste ano vem em tendência de queda (são quatro recuos consecutivos desde junho), então eu vejo essa mudança como uma forma de o governo justificar uma carga tributária mais alta mesmo com uma arrecadação em queda", ponderou.

Joio e trigo Para Everardo Maciel, que comandou a Receita Federal durante os oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso, apartar carga bruta e líquida apenas separa o joio do trigo, e permite ter uma visão mais correta do verdadeiro peso e atuação do Estado na economia. "Isso (a mudança) refina a informação, porque vai ajudar a dimensionar o grau de desconcentração fiscal do país", afirmou.

Maciel lembra que o parâmetro de carga bruta pouco contribui para esclarecer a qualidade do gasto público. Para ele, o maior detalhamento dos dados vai permitir saber o real estado dos programas de bem-estar social. "Os países que executam políticas sociais básicas ao cidadão, como saúde, previdência e educação, são os que geralmente têm carga tributária mais alta, como é o caso do Brasil e de outros países, como Noruega e Dinamarca."

Nos Estados Unidos e na China, que Maciel considera de orientação liberal, é o cidadão que deve garantir a sua proteção social. "No fundo, o que a carga tributária de um país indica é o modelo de estado, uma vertente ideológica", avaliou o ex-secretário da Receita.

Ex-diretor do Banco Central, o economista Carlos Eduardo Freitas avalia que os novos parâmetros em estudo aproximam o Brasil de outros países que já possuem um nível grande de detalhamento tributário, o que ajuda, inclusive, a população a ter uma melhor noção da real atuação dos governos. "O conceito de carga líquida é algo que deveria estar há muito tempo na rua", assinalou. Para o economista, o governo deveria até mesmo ir além e tirar o gasto com juros da dívida para o cálculo da carga líquida, algo que "vários autores defendem há muitos anos", como propõe o estudo do Ipea.