Título: Carga menor, só por artimanha contábil
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 23/11/2012, Economia, p. 16

Peso dos impostos e contribuições sociais sobre o Produto Interno Bruto deve ser maior neste ano do que em 2011. Mas o governo prepara novo cálculo, que passará a levar em conta resultado líquido. Ao descontar transferências, número será bem menor do que o atual

O governo vai mudar a forma de cálculo da carga tributária nacional, passando a incluir parâmetros como transferências de renda e carga líquida. Espera-se mostrar, assim, que a parcela efetivamente destinada ao Estado — em todos os níveis — é inferior ao arrecadado, ou seja, aos valores brutos que constam na metodologia usada atualmente.

Para alguns especialistas, a proposta é uma artimanha contábil (leia texto ao lado). Para outros, é uma maneira de dar mais transparência às contas públicas. De qualquer modo, não é a primeira vez que o governo busca uma nova metodologia que resulta em números mais favoráveis. Fez isso com o superavit primário (receitas menos despesas, excluídos juros). A partir de 2009, podem ser descontadas da fórmula as verbas destinadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A partir deste ano, optou-se por uma nova exclusão: os recursos destinados ao programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.

Devido à discussão sobre esses novos elementos no cálculo da carga tributária, aliás, a Receita Federal ainda não divulgou o balanço de 2011. Normalmente, o anúncio é feito até meados de outubro de cada ano. Mas, em 2012, a tendência é que a divulgação seja postergada para a última semana de novembro ou primeira quinzena de dezembro.

Ao Correio, o secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, confirmou que a alteração está em curso. "Vamos ter parâmetros mais amplos para medir o real tamanho da carga tributária brasileira", disse. No documento, deve constar a destinação dada pelos governos aos tributos arrecadados, como pagamentos de aposentadorias e pensões, transferências de renda via programas como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, além de subsídios ao setor privado, como desonerações da folha salarial.

Incluindo esses gastos no cálculo da carga tributária, o percentual de impostos e contribuições em relação ao Produto Interno Bruto (PIB, a soma do que é produzido pelo país em um ano) vai cair drasticamente, podendo chegar a 20% do PIB, um pouco menos de dois terços da carga bruta, que, em 2010, foi de 33,56% do PIB. Caso sejam excluídas as despesas financeiras, com juros e amortizações de dívidas, a queda é ainda maior, para um terço da carga atual. Foi essa a constatação de um estudo publicado em julho de 2009 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Tendo como base a carga bruta de 2005, o Ipea, um órgão vinculado à Presidência da República, ponderou que, descontadas todas as obrigações dos governos, a reserva de dinheiro restante seria de 12% do PIB, em vez dos 33,3% divulgados pela Receita.

Apresentado em reuniões internas do governo pelo então presidente do Ipea à época, o economista Marcio Pochmann, que deixou o cargo concorrer a prefeito de Campinas pelo PT, o assunto sempre contou com a admiração de técnicos da equipe econômica. Um dos motivos é que a segregação de receitas e despesas ajudaria a acabar com a ideia de que o governo controla mal o gasto público.

Diz o trecho do estudo: "Em virtude da elevação da carga tributária bruta durante as duas últimas décadas, torna-se importante considerar a destinação que é dada pelo governo a esses tributos", escrevem os técnicos do Ipea. Para eles, "cabe enfatizar que parcela significativa dos recursos arrecadados pelo governo em cada ano termina sendo prontamente devolvida para a sociedade na forma de transferências públicas (pensões e aposentadorias e outros benefícios previdenciários e assistenciais para idosos e/ou muito pobres e/ou portadores de deficiências) e subsídios ao setor privado".

Além desses tópicos, é provável que o estudo que está sendo preparado pela Receita também mencione o baixo crescimento econômico do país em 2011, o que obrigou o governo a lançar mão de instrumentos de política fiscal como desonerações e transferências de recursos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), medidas que contribuem para reduzir a carga líquida.

Já a chamada carga bruta, que considera apenas impostos sobre PIB, pode não ter alteração ou até mesmo subir em 2011. Isso ocorre porque um dos fatores que mais contribuem para a alta da arrecadação e, consequentemente, o tamanho da carga tributária, é a expansão da demanda interna. Em 2011, mesmo com o país crescendo minguados 2,7%, o consumo das famílias brasileiras disparou 4,1%, totalizando R$ 648,8 bilhões.

É sobre esses recursos que incidem boa parte dos impostos arrecadados pelo governo, conforme explica o secretário da Receita. "Como tivemos uma atividade produtiva mais baixa no ano passado, a carga incidirá mais sobre o consumo", afirmou. Dessa forma, é natural que a carga bruta continue elevada. "Com o crescimento menor (da atividade produtiva), diminui a base (de arrecadação), mas não necessariamente a carga tributária", conclui o secretário da Receita, Carlos Barreto.

Sem juros Para o Ipea, a exclusão de despesas com programas sociais e transferências de renda como aposentadorias e pensões sobre a carga tributária não é, ainda, um bom método para medir o real peso do estado sobre a economia. "Há que considerar também as despesas com o pagamento de juros que decorrem do endividamento público", cita trecho do estudo preparado por técnicos do órgão. Apenas em 2013, o governo brasileiro irá destinar R$ 900 bilhões, conforme prevê Orçamento Federal, para pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Esse contingente corresponde a 46,6% da proposta orçamentária aprovada pelo Congresso e que servirá de parâmetro para os gastos do governo em 2013.