Título: A despedida mágica e definitiva de Britto
Autor: Mader, Helena; Almeida, Amanda
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2012, Política, p. 6
Ao completar 70 anos, o presidente do STF se aposenta antes de o julgamento da Ação Penal 470 ser concluída
Para o ministro Carlos Ayres Britto, a última década passou “em um piscar de olhos”. Integrante do Supremo Tribunal Federal (STF) desde junho de 2003, o magistrado presidiu ontem sua última sessão na Corte em meio a homenagens de colegas, parentes e representantes da advocacia. Britto, que completa 70 anos no domingo e que, por isso, terá de deixar o STF, se emocionou com os discursos de reverência e disse que se sente honrado e alegre por ter tido a oportunidade de integrar a mais alta Corte do país. “O tempo só passa rápido para quem é feliz. Para quem não é feliz o tempo é penoso, um fardo”, justificou.
Responsável pela acusação do mensalão no STF, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, citou o processo durante a homenagem que fez a Britto. “Destaco a condução magnífica de vossa excelência no complexo julgamento da Ação Penal 470”, disse. Para ele, a “efêmera” passagem de Britto pela presidência da Corte teve a “densidade do eterno”. Gurgel afirmou ainda que o ministro “concretiza de maneira perfeita o que seja a República”.
Já o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, que compareceu ao plenário do STF apenas para a homenagem, citou conversas que teve com Britto sobre literatura e direito, elogiando a veia “humanística e filosófica” do ministro. Adams destacou ainda a coerência dos votos de Britto. “O último exemplo de lealdade é ser leal a si mesmo”, comentou o advogado-geral, acrescentando que a saída de Britto do STF “não é o fim, todo fim tem um primeiro passo”.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, levou ao plenário algumas frases da trajetória de Ayres Britto no STF. “Mais que impor respeito, o Judiciário deve se impor o respeito”, leu, em referência à declaração recorrente do presidente do STF. Para ele, as marcas de Britto à frente da Corte foram seu espírito conciliador e a defesa da transparência. Conhecidos como capinhas, os assistentes de plenário pediram para tirar foto com o ministro em seu último dia.
As homenagens a Ayres Britto abriram a sessão de ontem, antes da retomada do julgamento do mensalão. Em discurso, ele agradeceu à mulher, Rita de Cássia, e aos filhos, que participaram da sessão de ontem. Fez uma deferência especial ao advogado Márcio Thomaz Bastos, que era ministro da Justiça na época de sua indicação para o Supremo. Lembrou que teve a oportunidade de trabalhar com Bastos e também com o advogado Marcelo Leonardo, que representa Marcos Valério, quando era conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil. Ambos estavam no plenário no momento das homenagens.
O presidente do Supremo disse que estava feliz por chegar ao fim de seu mandato com “saúde, ânimo e alegria”. “Quando cheguei, o então presidente Maurício Corrêa me disse que o tempo passaria muito rápido. E, de fato, passou em um estalar de dedos”, contou.
Ayres Britto lembrou que o Supremo tem um papel cada dia mais importante na sociedade. “O STF interfere mais e mais no curso da vida. O Supremo está mudando a cultura do país a partir da Constituição”, explicou o presidente.
O presidente também brincou com o fato de ser conhecido por causa de seu jeito tranquilo e sereno. “Dizem que sou pessoa calma e que isso é uma virtude. Não vou fazer aqui autolisonja, mas, se tenho coeficiente emocional razoavelmente administrado, é por conta de algumas convicções.” Para ele, a sociedade tem o direito de se tranquilizar “sabendo que a sua causa está com um juiz sereno e equilibrado”. “Procuro viver em estado amoroso e transmitir esse estado às coisas que faço. Essa é uma tarde mágica e definitiva para mim”, finalizou Britto.
Ayres Britto não adiantou seu voto sobre as penas dos 15 réus cuja dosimetria ainda não foi feita. Ele disse que estava com o voto pronto mas, como não houve tempo para leitura em plenário, sua posição não será levada em conta.
"Os grandes juízes nunca desaparecem, eles permanecem presentes na memória e no respeito dos seus jurisdicionados para sempre" Celso de Mello, ministro do STF
"Vossa excelência cumpriu o prometido, vossa excelência soube dar ao efêmero a densidade do eterno" Roberto Gurgel, procurador-geral da República
"Vossa excelência é um homem de frases de efeito que ficarão marcadas neste Tribunal. O senhor nos deixa esse legado de como podemos ser humanos, mesmo julgando" Ophir Cavalcante, presidente da OAB
Pedido de aumento para o Judiciário Antes da sessão de despedida no plenário do Supremo, o presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, participou pela manhã de uma reunião com líderes partidários. Durante o encontro, que também teve a presença de presidentes de tribunais superiores e associações que representam juízes, ele pediu aos políticos que dediquem atenção especial à valorização da magistratura e lembrou que a categoria está sem aumento salarial há quatro anos. O futuro presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, também participou da reunião. Logo depois, Britto foi a uma cerimônia no Tribunal de Contas da União, onde recebeu a comenda chamada de grande colar do mérito. Ontem, o presidente anunciou que a sessão do STF prevista para a próxima segunda-feira foi cancelada.