A disputa entre parlamentares para largar com vantagem rumo às eleições à presidência da Câmara e do Senado, dois dos cargos mais poderosos da República, começou um ano antes do pleito. Isso ocorre porque, nos próximos 12 meses, o Legislativo terá a agenda dividida por reformas econômicas e eleições municipais. Com isso, interessados em ganhar tempo, potenciais candidatos testam a própria capacidade e a de colegas, em busca das possibilidades para ascender aos postos mais importantes do Congresso. Cada cadeira tem um poder específico. A dos deputados ocupa o terceiro lugar na linha de sucessão presidencial. A dos senadores controla a pauta do Congresso.
Oficialmente, poucos declaram a intenção de concorrer. Para a maioria, as articulações devem ser intensificadas apenas a partir de outubro, após as eleições municipais. Nos bastidores, diz-se que o debate ganha vulto, pois o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), valorizou a Casa desde os primeiros meses de 2019, quando o governo federal tentou escantear os deputados e renegar as coligações. O empoderamento dos parlamentares acabou por tornar-se uma pedra no sapato de Bolsonaro, que sofreu várias derrotas no plenário em seu primeiro ano de governo. A discussão parece distante, mas o problema é atualíssimo. É notório o incômodo do Executivo com o protagonismo do Congresso, tachado por termos como “parlamentarismo branco”, por Paulo Guedes, ou chantagistas, pelo ministro Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional.
Entre nomes aventados para substituir Maia, estão o do presidente da comissão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da prisão em segunda instância, Marcelo Ramos (PL-AM); o ex-líder do DEM, Elmar Nascimento (BA); o líder do MDB, Baleia Rossi (SP); e o líder da Maioria, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Apesar de negativas de vários parlamentares, um líder de partido da Câmara assegura ao Correio que a campanha para presidente da Casa está em curso. “Já começam a surgir candidatos, ideias, propostas, articulações. Elas estão correndo a todo vapor. Até porque nós sabemos que isso é um processo de amadurecimento, de ter uma representação na Câmara à altura do Brasil. Não podemos ter um presidente radical contra o governo, nem um governista. Mas um independente, que converse com todos”, explica a fonte.
Em meio às conversas de bastidores, alguns acabam falando mais alto. Um dos vice-líderes do PL, Capitão Augusto (SP), surpreendeu colegas ao lançar sua candidatura à presidência da Casa nas últimas semanas. A iniciativa foi motivo de risos para parte dos parlamentares. Mesmo assim, o deputado percorreu as dependências do Congresso entregando panfletos com as suas propostas para o Poder Legislativo em caso de eleição. Ele busca tempo para ganhar voto. Por enquanto, o deputado não tem força para concorrer.
“Teremos 40 semanas úteis de trabalho este ano. A cada semana trarei uma proposta que considero ser importante para que nossa Casa funcione da melhor forma possível, para que consigamos elevar a credibilidade da Câmara perante a opinião pública, para que modernizemos nosso arcaico regimento interno, para valorizar o trabalho parlamentar e oferecer melhores condições e instalações para que os deputados possam bem exercer seu trabalho”, insiste Capitão Augusto.
Em busca de um rosto
Marcelo Ramos ganha força por ser um deputado de centro, que presidiu a comissão especial da reforma da Previdência com habilidade e, também, por ser parlamentar de primeiro mandato. Uma eventual vitória poderia passar a imagem de renovação. “Muitos colegas têm me procurado, têm feito apelo por eu ser um deputado de centro, mas de primeiro mandato. Isso acaba mesclando um pouco esse sentimento de dar um sinal de renovação, mas mantendo a estabilidade política que o centro tem dado”, explica.
No entanto, Ramos se coloca mais atrás “na fila” e destaca que é cedo para a conversa. “Primeiro, porque a liderança do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) é muito importante para a estabilidade do funcionamento da Casa. Segundo, que a unidade dos partidos de centro tem dado estabilidade para a pauta legislativa do país. Além disso, estamos distantes da eleição, e para tudo na vida tem uma fila. Eu acho que estou na fila, mas tem gente que chegou antes. Não podemos permitir, nem para mim nem para ninguém, que o desejo de presidir a Casa seja colocado acima da estabilidade desse núcleo de moderação de partidos de centro”, argumenta.
O líder do Novo, Paulo Ganime (RJ), conta que o partido não tem nome para o pleito. Tampouco há certeza de que Marcel Van Hattem (RS), adversário de Maia em 2019, voltará a brigar pela presidência. Ainda assim, dentro da legenda, existe um alinhamento na busca de características para o próximo presidente. “A gente quer apoiar uma candidatura que tenha os mesmos princípios que tivemos quando o Marcel foi candidato: uma revisão do regimento, com mais agilidade e menos poder para o presidente da Câmara, participação mais transparente dos partidos, tanto na pauta quanto na inclusão de assuntos, menos gastos... São coisas que o presidente Rodrigo Maia tem, mas que a gente gostaria que fosse implementado com bastante celeridade”, afirma.
DEM desconversa
A bancada do DEM, partido de Rodrigo Maia, prefere não iniciar qualquer discussão sobre qual será o candidato do partido à Câmara por agora. Ninguém quer antecipar o final do mandato do atual presidente e começar um atrito desnecessário com o principal agente político dentro do Congresso. “A agenda do parlamento em 2020 tem que ser a agenda do país. A agenda das reformas. Na hora que for para tratar desse assunto (eleições da Câmara), nós vamos tratar. Antes disso, é um desserviço que se faz ao país, até porque Rodrigo Maia vem conduzindo bem. Precisamos colocar todos os esforços para fazer o que precisa ser feito”, diz o deputado Elmar Nascimento, um dos cotados para a presidência.
Ele diz que o mesmo bloco que apoiou a reeleição de Maia em 2019 deve se reunir novamente para definir um novo candidato. O grupo, formado por DEM, PP, PSDB, PSD, PRB, PTB, MDB, Solidariedade e outras legendas, reúne mais de 200 deputados. Portanto, por mais que o DEM não lance candidatura própria, Elmar espera que Maia seja sucedido por um aliado. “Esse bloco é majoritário e é o que dita o ritmo do Congresso. E, com a forma democrática como o Maia conduz o parlamento, conversando com todos, desde o grupo que a gente integra até os partidos de esquerda, ele tem toda condição de coordenar o processo da sua própria sucessão. Então, no momento certo, aquele que conseguir agregar mais apoio de lideranças e partidos, será o candidato do bloco. O mais importante é que a gente saia com esse bloco unido”, desconversa o deputado.
Processos distintos nas casas
As votações para as presidências das duas casas do Congresso Nacional ocorrem em 1º de fevereiro do ano seguinte às eleições gerais, depois da cerimônia de posse dos cargos. O mandato dura dois anos.
Na Câmara — O quórum mínimo de votação é de 257 deputados, ou seja, maioria absoluta. Depois de atingir o número de presenças, cada parlamentar começa a escolher os candidatos de preferência. Na mesma sessão, são disputados os cargos de presidente, 1º e 2º vice, quatro secretários e quatro suplentes. A apuração dos votos começa pela presidência e, para ser eleito, o candidato precisa ter adquirido maioria absoluta de aprovação. Caso contrário, os dois mais votados disputam o segundo turno. Havendo empate na corrida presidencial, é determinado vencedor o parlamentar com mais idade.
No Senado — Apenas o presidente da Casa é escolhido na sessão. Qualquer senador pode se candidatar, formalizando intenção junto à Secretaria-Geral da Mesa. Em regra, o candidato à presidência é proibido de conduzir a sessão que elegerá quem vai ocupar a cadeira pelos próximos dois anos. A votação é secreta, segundo o Artigo 60 do Regimento Interno. Para ser eleito, o candidato precisa atingir maioria absoluta dos votos, ou seja, a aprovação de 41 senadores.
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Reeleição está vetada, mas tudo é possível
Luiz Calcagno
24/02/2020
Pelo menos entre senadores, trata-se de uma saída viável, embora, legalmente, haja proibição para reeleição em uma mesma legislatura
Alcolumbre chegou ao comando do Senado numa eleição tumultuada. É possível que concorra à reeleição por mudança no regimento ou por PEC
Na corrida para a presidência da Câmara e do Senado, não pode ser descartada a recondução de Rodrigo Maia (DEM-RJ) ou de Davi Alcolumbre (DEM-AP) ao cargo. Pelo menos entre senadores, trata-se de uma saída viável, embora, legalmente, haja proibição para reeleição em uma mesma legislatura. Aconteceu em 31 de janeiro de 1999, quando o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) se reelegeu com 70 votos favoráveis, apenas três contrários e sete abstenções. ACM dirigiu a Casa até 2001. Ele conseguiu a façanha após aprovar, na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça um parecer favorável à manobra, que levava a assinatura da advocacia da instituição.
Maia, que assumiu como presidente-tampão da Câmara em 14 de julho de 2016, após a crise gerada com a saída de Eduardo Cunha, conseguiu o direito de participar das eleições e se reeleger no segundo biênio da legislatura após uma decisão favorável do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, que decidiu não incluir mandatos-tampões nas regras de sucessão. Mas foi um caso à parte. No Senado, porém, Alcolumbre, mais afeito ao governo Bolsonaro que Maia, tem um grupo de apoiadores, que inclui até líderes do governo.
Cotado para a presidência entre os pares, o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), descarta uma possível candidatura e empurra o cargo para Alcolumbre. “Estou na função de líder do governo no Congresso e tenho que focar nisso”, diz. Para ele, bastaria uma alteração no regimento da Casa. De acordo com o emedebista, já existe uma discussão interna a respeito da possibilidade de realizar as mudanças necessárias para permitir a reeleição, em uma mesma legislatura, do presidente.
Uma mudança poderia beneficiar Davi Alcolumbre, embora Gomes tente desvincular o democrata da articulação. “Eu acho que é cedo. No caso do Senado, há uma discussão interna sobre a possibilidade de recondução do presidente, não especificamente do Davi, no mesmo mandato. É uma discussão que ainda está nos bastidores e que permitiria ao senador ou senadora na presidência uma reeleição. Isso porque o parlamentar pode se reeleger se a segunda candidatura ocorrer no mandato seguinte”, diz.
No caminho de Alcolumbre, porém, estão outros prováveis candidatos. Dentre eles, Antônio Anastasia (PSDB-MG), a presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS), possivelmente a principal adversária do atual presidente. Para se ter uma ideia do grau da desavença, Tebet tocou o Projeto de Lei (PLS) 166/2018, da prisão após julgamento em segunda instância, de autoria de Lasier Martins, no fim de 2019, a despeito da negociação do Democratas com Maia. Também corre nos bastidores que o MDB estaria interessado em recuperar a presidência, que perdeu em fevereiro do ano passado para Alcolumbre. Eduardo Gomes considera essa hipótese lógica, mas não confirma. “O MDB é a maior bancada. É natural”, analisa. Simone Tebet, que foi considerada para concorrer à cadeira de presidente em fevereiro de 2019 e não quis participar do pleito, poderia ser a candidata da legenda. Em entrevista ao Correio, a presidente da CCJ afirmou que a oportunidade de assumir a cadeira do pai, Ramez Tebet, presidente do Senado de 2001 a 2003, já havia passado.
Outros adversários
O líder do Podemos no Senado, Álvaro Dias (PR), é um que fala abertamente a respeito das articulações pela presidência da Casa. Ele destaca, porém, que tentar mudar o regimento não garantirá a reeleição de Alcolumbre. “É inevitável que o assunto seja ventilado. É legítima a pretensão de qualquer senador. Mas não podemos afrontar a Constituição. Não é preciso ser jurista para interpretar, e não há possibilidade de reeleição no mesmo período legislativo”, determina. O parlamentar faz referência a uma emenda Constitucional de 2006, e que só poderia ser modificada por outra emenda.
O líder também afirma que, ao menos por enquanto, o Podemos não lançará um candidato. “Decidimos não aventar nomes. Devemos fazer um trabalho, uma discussão sobre como deve ser o próximo mandato. Talvez no segundo semestre. Agora, é iniciar um debate sobre o perfil, qual deve ser a conduta. Nomes, são muitos. Anastasia, Simone, alguém do nosso pessoal, ainda não sabemos quem. A nossa bancada pensa assim. Devemos começar a conversar com senadores de vários partidos e buscar uma boa solução”, pondera.
O líder do PP, Espiridião Amin (SC), é contrário ao debate, seja na Câmara, seja no Senado. “Eu não acho que o tema seja oportuno. Primeiro, porque nós temos uma tarefa legislativa importante e temos que evitar divisões. A eleição mmunicipal em outubro é inevitável, e a composição partidária pode levar a conflitos em legendas e blocos. Agora, criar uma divisão pela eleição para presidente da Câmara ou do Senado é extemporânea, eu não acho prudente. Eu não gostaria de ser o detonador dessa espoleta. A prioridade é discutir a reforma tributária, que é um tema muito complexo. Eleição para presidentes das Casas é um assunto de terceira importância nesse momento”, opina.
A reportagem não conseguiu contato com o senador Anastasia. No momento, o parlamentar se prepara para migrar para o PSD, após sofrer uma série de desgastes no PSDB, que tiveram início durante as eleições de 2018 para o governo de Minas Gerais, quando ele perdeu a corrida para Romeu Zema (Novo).
Dois pleitos fora do normal
A Constituição proíbe a reeleição aos cargos de presidência da Câmara e do Senado na mesma legislatura. No entanto, o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) comanda a Casa por três mandatos consecutivos.
Na primeira disputa, ele assumiu a posição por seis meses, depois que o então presidente, Eduardo Cunha (MDB-RJ) foi cassado pelos colegas. Maia conseguiu liberação para concorrer ao cargo novamente, em 2017. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, como o candidato tinha assumido um mandato-tampão, a proibição de se reeleger não se aplicava. Já em 2019, Maia conseguiu se manter no cargo por se tratar de uma nova legislatura.
No Senado, há a discussão para se mudar a proibição e tentar a reeleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP). Defensores sugerem alteração por Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou por mudança no regimento interno. A eleição de Alcolumbre foi tumultuada, que começou com ele demitindo o secretário-geral da Mesa do Senado, o advogado Luiz Fernando Bandeira de Mello — que conhece em profundidade do processo eleitoral da Casa e fora indicado pelo concorrente Renan Calheiros para a função. O senador amapaense ainda conduziu a sessão — o que é proibido — e quis mudar o sistema de votação.
Teve revolta, bate-boca, mas, no final, Alcolumbre foi eleito com 42 votos dos 81 senadores.