Correio braziliense, n. 20723 , 16/02/2020. Brasil, p. 6

 

Congresso vai tocar mudanças no Fundeb

Bruna Lima

16/02/2020

 

 

Governo tem a intenção de enviar uma PEC própria para reformular o fundo, mas tema já está consolidado entre parlamentares, que pretendem acelerar a discussão para a partilha de recursos destinados para o ensino

A PEC em tramitação prevê mudança na distribuição do valor complementado pela União: nova regra levará em conta gasto por aluno ao ano(foto: Nicolas Braga/Esp. CB/D.A Press - 14/10/19 )
O anúncio do Ministério da Educação de que vai enviar ao Congresso um texto próprio definindo o futuro do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) não se mostrou suficiente para retirar de pauta a apresentação do relatório final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15 de 2015, programada para esta terça-feira. Para parlamentares à frente das articulações, a manobra governista é vista como sem fundamento e considerada um desperdício de forças.
 
Relatora da PEC na comissão especial formada para discutir o tema, a deputada Dorinha Seabra (DEM-TO) critica o posicionamento do MEC. “Falta realidade ante a uma questão extremamente importante e não temos tempo para isso. A proposta foi amplamente discutida em mais de 50 audiências públicas e costurada junto ao Senado. O governo, inclusive, foi ouvido e as sugestões, incorporadas ao texto”, afirma.

A expectativa, declarada publicamente pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é que o tema entre na pauta do plenário em março. Segundo Dorinha, o compromisso se mantém em ambas as Casas. “O Fundeb é um dos modelos mais acertados. O novo desenho tem uma preocupação maior com a redução da desigualdade e a indução da qualidade de ensino, respeitando o orçamento e todas as questões fiscais. Há um amplo consenso quanto à proposta e a urgência na tratativa”, completou a parlamentar.

O atual Fundeb tem vigência até o fim do ano, e corresponde a mais de 60% dos recursos para financiamento da educação básica pública no Brasil. A maior parte é custeada por estados e municípios a partir do repasse das arrecadações de aproximadamente 20 impostos. Os valores são divididos em 27 fundos e o governo federal entra com uma complementação às unidades da Federação que ficaram com os menores valores por aluno.

Mudanças
A distribuição deste complemento da União é alterada na PEC 15/15. A nova regra levará em conta o valor total gasto por aluno ao ano. A mudança visa reconhecer quais redes de ensino são mais vulneráveis, possibilitando que um determinado município pobre receba a verba complementar mesmo que pertença a um estado não incluído na partilha. Atualmente, o repasse é feito a nível estatal.

Outro objetivo é tornar o Fundeb permanente, com revisão a cada 10 anos. A primeira está prevista para 2026. O ponto mais sensível da minuta gira em torno da contribuição complementar da União, que atualmente é de 10%. O percentual do relatório final deve ficar em 20%, mas ainda há a tentativa de aumentar esse valor para 25%.

A discordância,  principalmente, em relação à complementação levou o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a reafirmar os esforços da pasta para trazer uma nova PEC própria. A declaração foi feita na última reunião da Comissão de Educação (CE) no Senado. “Tenho todo interesse em aumentar o Fundeb, sem aumentar imposto, sem ser pró-cíclico”, disse Weintraub. O Correio tentou entrevista com o ministro e pediu posicionamento à assessoria de imprensa, que se limitou a informar que não haveria nenhum comunicado e que a pasta trabalha na formulação da proposta.

Participação
A intenção da PEC de Weintraub foi definida como uma “falácia” pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AL), autor do requerimento para a participação do ministro na CE. “Ele sequer pautou o debate do Fundeb quando havia tempo hábil e agora vem com essa especulação de proposta que serve apenas para atrasar os trabalhos”, critica.

A posição do MEC também desagradou representantes e gestores educacionais que participaram da construção do novo modelo. Na visão de João Marcelo Borges, diretor de estratégia política do movimento Todos pela Educação, a tentativa é equivocada e acaba por descartar os esforços empenhados junto a acadêmicos, especialistas e outros órgãos de representação.
 
Mesmo com o impasse, Borges não enxerga a possibilidade de extinção do Fundeb por indefinição. “Isso significaria um colapso geral na educação básica brasileira. O fundo chega a ser 80% do pagamento dos professores e o valor líquido de repasse é da ordem de R$ 30 bilhões ao ano para os municípios. Temos confiança na maturidade do Congresso quanto ao tema.”

No entanto, ele acredita que a demora pode atrapalhar a migração para o novo sistema, forçando as escolas e gestores a postergar a adequação. “Mesmo após a aprovação da PEC, ainda é necessário discutir e aprovar a lei de regulamentação.” Para que a previsão orçamentária de 2021 seja votada com as mudanças, os parlamentares precisam correr contra o tempo e definir o futuro de mais de 40 milhões de estudantes ainda neste semestre.

Para saber mais

Fonte de recursos
Criado em 2008 para ajudar a financiar a educação pública no país, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) é composto por 27 fundos estaduais que distribuem parte dos recursos vinculados à Educação entre as redes de ensino (estadual e municipais), de acordo com o número de matrículas em cada uma delas.
Dados do movimento Todos pela Educação (TPE) revelam que, em pelo menos em 4.810 municípios brasileiros, o Fundeb corresponde a 50% de tudo o que se gasta por aluno a cada ano. Em 1.102 desses municípios, a participação do fundo chega a 80% do total. O financiamento também paga 60% do pagamento de magistrados, garantindo o piso salarial.
Em 2019, a União tem previsão de empenhar R$ 16,6 bilhões com a complementação, enquanto os fundos somam R$ 166 bilhões.