Título: Armas somente no trabalho
Autor: Paganini, Arthur
Fonte: Correio Braziliense, 23/11/2012, Cidades, p. 28

Ministério Público questiona lei que autoriza o uso de armamento de fogo por agentes penitenciários fora do expediente

Ficará a cargo do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) o julgamento da constitucionalidade da Lei nº 4.963/2012, que estabelece procedimentos para o porte de arma de fogo fora do ambiente de trabalho por agentes penitenciários do DF. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ajuizou ontem ação para questionar a norma e também encaminhou representação à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o órgão faça o mesmo no Supremo Tribunal Federal (STF). A sanção da lei pelo governador Agnelo Queiroz foi publicada no Diário Oficial do DF na última quarta-feira.

Em 23 de outubro, 17 dos 24 distritais aprovaram a norma. De autoria conjunta de oito parlamentares, entre aliados do governo e da oposição, o tema foi debatido na Câmara com a presença de diversos agentes policiais e penitenciários, que ocuparam as galerias da Casa para pressionar os deputados pela aprovação do projeto. Mas o porte de armas, defende o assessor de Controle de Constitucionalidade da Procuradoria-Geral de Justiça do DF, Antonio Suxberger, é um tema referente ao direito penal e, portanto, qualquer lei que trate do tema é de competência exclusiva da União. (Leia Entenda o caso) "Não discutimos a relevância do tema, mas apontamos o vício de iniciativa da lei, que foi proposta pelo Legislativo para criar direitos, deveres e novas atribuições para servidores distritais, enquanto isso é apenas da alçada do Executivo. Também é clara a competência privativa da União para autorizar e fiscalizar a produção, o comércio e as normas gerais de material bélico", explica. Na ação direta de inconstitucionalidade (Adin), o MP requer julgamento liminar, ou seja, para suspender os efeitos da lei até que ela seja julgada pelos desembargadores do TJDFT. "A questão jurídica é simples, mas o espanto decorre da repetição de temas inconstitucionais aprovados pelo Legislativo e sancionados pelo Executivo. Isso enfraquece as instituições de poder e dificulta ainda mais a atuação preventiva no combate à criminalidade", aponta Suxberger.

Ameaças

Na opinião do sociólogo Antônio Flávio Testa, o porte de armas fora do expediente por agentes penitenciários é necessário. "O crime controla, de dentro das cadeias, a violência aqui fora e muitas ações de bandidos são evitadas a partir das informações obtidas pelos agentes dentro do presídios. É natural que esses profissionais sofram ameaças constantes e fiquem em pânico ao voltarem para casa sem poderem se proteger contra retaliações", afirma. De acordo com a lei sancionada, o servidor de atividade penitenciária deverá comprovar capacidade técnica, atestada em curso mínimo de 20 horas, e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, por meio de atestado fornecido por profissional competente.

Para o presidente do Sindicato dos Agentes de Atividade Penitenciária do DF (Sindpen-DF), Leandro Vieira, a sanção representa uma grande vitória. "A arma fortalecerá a figura do Estado diante da criminalidade. Nós trabalhamos combatendo a violência dentro do sistema penitenciário, ou seja, os atos ilícitos praticados por alguns internos. Precisamos nos resguardar", explica.

Vieira acredita que o trabalho dos agentes sempre foi de risco, mas relaciona o aumento da violência ao crescimento da população no Distrito Federal. De acordo com o presidente do Sindpen-DF, nos últimos anos, os servidores sofreram diversas ameaças. "Em 2010, um agente foi morto e, há dois meses, houve a tentativa de homicídio de quatro outros quando eles deixavam o trabalho. Agora, poderemos cuidar da nossa integridade física ", conclui.

Entenda o caso

Medo de retaliações

Até 2003, ano em que o Estatuto do Desarmamento foi aprovado, os agentes penitenciários de todo país podiam portar armas fora do horário de serviço. Mas, com a aprovação da lei, essa prerrogativa foi restringida aos integrantes das Forças Armadas, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Ferroviária Federal, da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. Servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República e das polícias do Senado Federal e da Câmara dos Deputados também têm esse direito.

Sob o argumento da necessidade de proteção contra eventuais retaliações de criminosos, os agentes penitenciários do DF continuaram usando as armas fora do expediente graças a duas portarias expedidas em 2009 pela Secretaria de Segurança Pública do DF. As normas, na prática, regulamentavam o porte em horário integral pelos agentes, mas foi derrubada por uma recomendação do MPDFT, expedida no ano passado, esclarecendo que a portaria não poderia se sobrepor à lei federal. O secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar, só cumpriu a determinação no início de outubro, o que fez a categoria pressionar os distritais a aprovarem a lei-tampão.

Por conta disso, em outubro deste ano, os servidores chegaram a entrar em greve por três dias. O movimento, coordenado pelo Sindicato dos Agentes de Atividade Penitenciária do DF (Sindpen-DF), teve início depois da revogação das Portarias nº 25 e nº 26, de 2009 pela Portaria nº 102, de 2012. A norma proibiu o uso de armamentos fora do ambiente de trabalho. O Ministério Público ajuizou ação questionando a greve e a 3ª Vara da Fazenda Pública julgou a paralisação ilegal e determinou o retorno imediato dos serviços prestados pela categoria, principalmente as escoltas e visitas de parentes aos detentos.