Correio braziliense, n. 20728 , 22/02/2020. Política, p. 3

 

51 homicídios em dois dias

Jorge Vasconcellos

22/02/2020

 

 

Várias cidades do Ceará decidiram cancelar os festejos de carnaval em razão da insegurança gerada pelo motim de policiais militares. Segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), houve no estado 51 homicídios na quarta e na quinta-feiras, o equivalente a mais de um por hora — em janeiro, a média desse tipo de crime foi de um registro a cada três horas. Diante do avanço da crise, os ministros da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, viajarão ao Ceará, na segunda-feira, para acompanhar a situação.
 
A greve dos PMs, deflagrada na terça-feira para reivindicar aumento salarial, trouxe insegurança para as ruas. O problema levou prefeituras a cancelaram o carnaval nos municípios de Canindé, Forquilha, Milagres, Paracuru, Paraipaba, Santana do Cariri, São Luís do Curu, General Sampaio e Horizonte. Já Aracati, que tem um dos principais carnavais do estado, contratou segurança privada e garante a realização da festa.
 
“Nós contávamos com efetivo de aproximadamente 200 homens para fazer a segurança, mas, infelizmente, sem o apoio da Polícia Militar, fica muito difícil fazer um evento de grande porte”, justificou o prefeito de Paracuru, Eliabe Albuquerque. “Esperamos até a manhã de hoje (nesta sexta-feira - 21/2), mas eu não seria tão irresponsável para fazer um evento de grande porte aqui.”
 
As tropas do Exército, cujo emprego em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foi autorizado na quinta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, passaram a ocupar, nesta sexta-feira (21/2), as ruas de Fortaleza e da região metropolitana. O primeiro efetivo acionado foi o dos quartéis instalados no estado.
 
A partir deste sábado (22/2), está previsto o início da operação de soldados e oficiais do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e da Paraíba. Por questão estratégica, os quantitativos não estão sendo informados à imprensa. A presença do Exército e da Força Nacional de Segurança Pública atende a pedido do governador Camilo Santana (PT). A paralisação dos PMs entra neste sábado (22/2) no quinto dia.

Reunião

As primeiras decisões estratégicas da operação de GLO foram definidas em reunião na manhã desta sexta-feira (21/2), no quartel da 10ª Região Militar, no centro de Fortaleza. O comandante da unidade, general Fernando Cunha Mattos, passou a ter o controle operacional de toda a segurança do estado.
 
O encontro reuniu a SSPDS, representantes de órgãos de segurança federais (Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Capitania dos Portos, Base Aérea), do estado (Polícia Militar, Polícia Civil, bombeiros) e de Fortaleza (Guarda Municipal). As discussões serviram para a definição das atribuições de cada órgão.
 
“Todos esses órgãos estarão debaixo do chapéu da GLO, ficam diretamente ligados ao general Cunha Mattos, que se reportará diariamente ao Ministério da Defesa, em Brasília”, informou o coronel Luiz Silveira Benício, assessor parlamentar do Exército. Pelo que foi desenhado, a SSPDS também responderá às demandas da operação.
 
No ofício enviado pelo governador Camilo Santana à Presidência da República, na quarta-feira, o pedido era para que o Exército atendesse às demandas de segurança na capital, na região metropolitana e em Sobral. Porém, segundo o coronel Benício, está acertado que o efetivo poderá ser deslocado para qualquer ponto do estado, a partir da estratégia operacional que seria definida em uma nova reunião nesta sexta-feira (21/2). “Por demanda, poderão ir para Cariri, Sobral, outro lugar”, informou o oficial.

Entenda o caso

Tensão elevada
 
A tensão envolvendo o governo cearense e PMs e bombeiros começou por uma demanda de reajuste salarial em dezembro. Batalhões da PM foram atacados, desde terça-feira, segundo o governador do Estado, Camilo Santana (PT), aliado político de Cid. No momento, há 10 ocupados. 
 
As ações foram executadas por encapuzados. O governo suspeita que os responsáveis sejam policiais. Por isso, Santana solicitou o apoio de tropas federais para reforçar a segurança. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, autorizou, na quarta, o envio da Força Nacional de Segurança Pública para o Ceará. Além disso, o presidente Jair Bolsonaro autorizou o emprego das Forças Armadas no estado.
 
O governo propõe aumentar o salário de um soldado da PM de R$ 3,2 mil para R$ 4,5 mil, em reajustes progressivos até 2022, mas os manifestantes querem os R$ 4,5 mil já para este ano.  

Outro batalhão é invadido em Sobral

Homens encapuzados — que faziam piquete no batalhão onde o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE) foi baleado na quarta-feira — passaram a ocupar, nesta sexta-feira (21/2), um outro quartel, também em Sobral. As duas ocupações foram “tranquilas”, segundo o vereador do município Sargento Ailton, expulso do partido Solidariedade, nesta semana, por envolvimento com o motim. Ao menos 10 dos 43 batalhões da PM no Ceará estavam ocupados nesta sexta-feira (21/2).
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Juízes recorrem a PGR contra Cid Gomes

22/02/2020

 
 

A União Nacional dos Juízes Federais do Brasil (Unajuf) pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que denuncie o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE), de 56 anos, por tentativa de homicídio qualificado “com emprego de meio resultante em perigo comum” e de “impossibilidade de defesa das vítimas”.

O pedido tem relação com o episódio em que o senador foi atingido por dois tiros de pistola ao tentar derrubar, a bordo de uma retroescavadeira, o portão de um quartel da Polícia Militar ocupado por soldados grevistas e seus familiares em Sobral, no interior do Ceará, na quarta-feira.

A representação protocolada na quinta-feira, na Procuradoria-Geral da República, alega que, “com intenção dolosa, previamente orquestrada e amplamente anunciada”, Cid “arremessou” a retroescavadeira contra as pessoas que se colocavam em frente ao portão do quartel da PM em Sobral.

No mesmo dia, os deputados federais Capitão Wagner (Pros-CE), Major Fabiana (PSL-RJ) e Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM) registraram boletim de ocorrência contra Cid sob a justificativa de que o senador licenciado atentou contra a vida dos policiais militares em Sobral.

O texto da Unajuf transcreve fala do senador licenciado que, em frente ao quartel, pediu que os manifestantes deixassem o prédio, usando um megafone. “Esse movimento é ilegal. Vocês têm cinco minutos para pegarem seus parentes e saírem daqui em paz. Cinco minutos.” Houve confusão. Enquanto Cid e seus apoiadores estavam de um lado do portão, homens encapuzados ficavam do outro lado.

Risco

Segundo a Unajuf, o meio utilizado por Cid “indica um real e potencial risco do evento morte daqueles que ali estavam”. A entidade argumentou ainda que os dois tiros de pistola calibre 40 que atingiram a região do tórax de Cid se trataram de “legítima defesa”. “Pela rápida ação dos que ali estavam, houve a legítima defesa de uma ou mais vítimas, que fizeram cessar a carnificina eminente (sic), realizando disparos de projéteis de arma de fogo rumo ao autor do fato, que por sorte ou perícia dos que realizaram se logrou êxito contra o agente criminoso, tanto que só assim cessou a conduta hedionda”, pontua a representação. O comando da PM do Ceará trata dos disparos como tentativa de homicídio.

Ao fim da representação, a Unajuf pede, caso a PGR não entenda que é o caso de promover ação penal, que seja instaurado inquérito do Ministério Público para colher elementos sobre o episódio.

Senador do PDT teve lesão pulmonar 

Boletim médico divulgado pelo Hospital Monte Klinikum, de Fortaleza, nesta sexta-feira (21/2), afirma que o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE) teve lesão pulmonar, perfuração do hemotórax esquerdo e pneumotórax hipertensivo. De acordo com o boletim, ele “encontra-se em reabilitação, realizando fisioterapia respiratória e uso de antibióticos para restabelecimento da função pulmonar”. Ainda segundo o relatório, “não há, portanto, previsão de alta hospitalar, tendo em vista a repercussão das lesões pulmonares”.

Cid segue internado “devido a trauma torácico por arma de fogo, que ocasionou a perfuração do hemotórax esquerdo (quando há derrame de sangue na cavidade pleural), lesão pulmonar e pneumotórax hipertensivo”, diz o boletim, assinado pelo médico Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho.

Na quarta-feira, o senador licenciado foi atingido por disparos de arma de fogo ao avançar com uma retroescavadeira contra um grupo de policias militares amotinados que realizavam bloqueio a um quartel em Sobral (CE).

"Equívoco gravíssimo"

Paulo Hartung foi um dos primeiros governadores do país a ter de lidar com uma greve de policiais. Em 2017, quando estava à frente do Executivo do Espírito Santo, enfrentou uma paralisação de mais de 20 dias das forças de segurança pública. Em entrevista à Rádio Eldorado, nesta sexta-feira (21/2), ele disse que o movimento é provocado por acúmulo de erros, mas que anistiar os envolvidos é “equívoco gravíssimo”.

Dois projetos de lei — um no Senado e outro na Câmara — anistiam policiais militares que se envolveram em motins pelo país. Eles querem complementar lei de 2011, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, que anistiou PMs de 13 estados e do Distrito Federal que se rebelaram entre 1997 e 2011. Entre os que podem ser beneficiados estão os PMs que fizeram greve em 1988 em São Paulo.

O ex-governador também destacou a ilegalidade de movimentos grevistas por funcionários públicos que utilizam armas. “Uma greve de um setor desses. Aliás, não é nem greve, é um motim, é uma chantagem contra a sociedade”, afirmou.

No caso da greve do Espírito Santo em 2017, Hartung enfatizou que a punição dos responsáveis foi um passo importante para impedir novos amotinamentos, mas que algumas outras medidas colaboraram para que as forças de segurança voltassem a operar. “Modernizamos a política de promoção dos policiais. Reduzimos a promoção automática, que é por tempo de serviço, e ampliamos a avaliação de desempenho dos policiais”, contou. Durante a greve, um dos resultados foi o aumento no número de mortes, principalmente em áreas periféricas das cidades, segundo o ex-governador.

Hartung também afirmou que a cena protagonizada pelo senador licenciado Cid Gomes, que dirigiu uma retroescavadeira para tentar debelar um protesto em Sobral, no Ceará, teve um “papel relevante” para levar o tema aos holofotes, contudo, condenou o ato. “Eu acho que o gesto de Cid Gomes teve um papel relevante: chamou a atenção do Brasil. Eu não acho um gesto correto, acho absolutamente incorreto, mas chamou a atenção para o tamanho do problema”, declarou.