Correio braziliense, n.20705, 30/01/2020. Brasil, p.5

 

País em total mobilização

Maria Eduarda Cardim

30/01/2020

 

 

Coronavírus » Ministério da Saúde anunciou que há nove suspeitas e que passará a atualizar diariamente o andamento dos casos. Autoridades se antecipam para manter o controle da situação

O Ministério da Saúde anunciou ontem que há nove suspeitas de coronavírus. Os casos estão localizados em Minas Gerais, Paraná, Ceará, Rio de Janeiro (um cada), Santa Catarina (dois)e São Paulo (três). Todos são relacionados a pessoas que estiveram na China, mas nenhum foi confirmado. O mais perto de uma confirmação ou descarte do diagnóstico é o caso da estudante de Belo Horizonte, que está internada no Hospital Eduardo de Menezes, em BH. Diante do aumento do número de possibilidades de contaminação, o governo se mobiliza mais fortemente para manter o controle da situação e, a partir de hoje, o Ministério da Saúde informa diariamente sobre as medidas contra o novo agente infeccioso.

Ainda de acordo com o ministério, 20 casos foram notificados pelas secretarias de saúde de alguns estados, mas não se enquadram na definição de suspeito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, por isso, foram excluídos. Mais quatro foram descartados porque exames diagnosticaram outras doenças, como a gripe H1N1. “Não há confirmação de nenhum caso de coronavírus no Brasil. Este é o cenário atual”, disse o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira.

O secretário afirmou que uma das medidas motivadas pelo surgimento do vírus, que ainda não foi completamente determinado, será a recriação do Grupo Executivo Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional. O dispositivo será definido por meio de um decreto, que deve ser publicado hoje no Diário Oficial da União (DOU). O Palácio do Planalto confirmou a recriação do grupo.

De acordo com o secretário, o grupo foi criado em 2005 para preparação para uma pandemia de influenza. Uma de suas funções era “solicitar e acompanhar a alocação dos recursos orçamentário-financeiros para atender e manter as medidas requeridas em caso de emergências em saúde pública”.

O ministério se disse preparado para enfrentar o vírus caso seja confirmado um caso no Brasil. O secretário executivo da pasta, João Gabbardo, destacou que há hospitais de referência que seguirão protocolos. “Temos hospitais de referência, com ampla capacidade de atendimento, que seguem protocolos do plano de contingência alinhado às realidades de cada estado”, disse.

A confirmação de um caso leva o Brasil a declarar emergência de saúde pública. O nível do Centro de Operações de Emergência (COE), instalado na última quinta-feira, já subiu para o nível 2, de perigo iminente, em uma escala de 1 a 3. O secretário explicou que uma mudança na classificação da situação global feita pela OMS não mudará nada nas ações do ministério.

“Nossas ações estão alinhadas, inclusive prevendo esse escalonamento da emergência internacional. Possivelmente, países que não se mobilizaram, que não é o caso do Brasil, com a declaração de uma emergência internacional, vão se mobilizar”, ressaltou Wanderson. Hoje, um comitê especial da OMS se reúne para definir se declara emergência sanitária global diante do novo coronavírus.

Confirmação

De terça para quarta-feira, o número de suspeitas passou de três para nove, mas isso era esperado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já que definição de caso suspeito mudou no mesmo dia. De acordo com a OMS, todas as pessoas vindas da China nos últimos 14 dias, que apresentem febre e sintomas respiratórios, podem estar contaminadas. Anteriormente, apenas pessoas que apresentem febre e sintomas respiratórios, e estiveram na cidade de Wuhan, epicentro da doença, nos últimos 14 dias, seriam suspeitas.

O Ministério da Saúde divulgou ontem uma lista de unidades hospitalares (veja ao lado) capacitadas para atender pacientes que estejam contaminados pelo coronavírus. Exceto por Roraima, todas as demais unidades da Federação estão prontas para atuar em casos de infecção pelo agente.

Hospitais de referência para tratamento

UF          Hospital

AC          Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco

AL           Hospital Escola Dr. Hélvio Auto

AM        Fundação de Medicina Tropical

AP          Centro de Doenças Transmissíveis/CDT

BA          Instituto Couto Maia/Icon

CE           Hospital São José

DF          HRAN

ES           Hospital Estadual São José do Calçado

                Santa Casa de Guaçuí

                Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim

                Hospital Dório Silva

                Hospital Estadual Dr. Jayme dos Santos Neves

                Hospital Estadual Antonio Bezerra de Farias

                Santa Casa de Misericórdia de Vitória

                Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória

                Hospital Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves

                Hospital Estadual Alceu Melgaço Filho

                Hospital Roberto Arnizaut Silvares

                Hospital Maternidade Silvio Ávidos

                Hospital Geral de Linhares

                Hospital São Camilo (Aracruz)

GO         Hospital Estadual de Doenças Tropicais/HDT

                Hospital Estadual Materno Infantil

MA        Hospital Presidente Vargas

MG        Eduardo de Menezes

MT         Hospital Universitário Julio Muller

MS         Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrosian

PA          Hospital Universitário João Barros de Barreto

PB          Hospital Clementino Fraga

                Hospital Universitário Lauro Wanderley

PE           Correia Picanço

                Oswaldo Cruz

PI            Instituto de Doenças Tropicais Natan Portela/IDTNP

PR          Complexo Hospitalar do Trabalhador

RJ           INI e CIEVS

RN          Hospital Giselda Trigueiro (Natal)

                Hospital Rafael Fernandes (Mossoró)

RO          Centro de Medicina Tropical/Cemetron

RR          Ainda não definido

RS           Hospital Nossa Senhora da Conceição

                Hospital Universitário de Canoas

SC           Hospital Nereu Ramos (adultos)

                Hospital Infantil Joana Gusmão (crianças até 15 anos)

SE           Hospital Governador João Alves Filho (Hospital de Urgências de Sergipe)

SP           Emílio Ribas (Guarulhos)

TO          Hospital Geral de Palmas/HGP

 

Lista fornecida pelo Ministério da Saúde

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Maior capacidade de contágio

Augusto Fernandes

30/01/2020

 

 

Em um século marcado por epidemias causadas por diferentes tipos de coronavírus, a proliferação de mais um agente da família viral reacendeu o alerta sobre a possibilidade de um surto a nível global, especialmente porque o 2019-nCov, agente infeccioso mais recente, tem demonstrado uma maior capacidade de contágio. Apenas na China continental, epicentro dos episódios de contaminação, os casos de infecção pelo novo coronavírus superaram, por exemplo, os da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars): já são mais de 6 mil pessoas com o vírus 2019-nCov no país, número superior ao total registrado durante a crise da Sars, entre 2002 e 2003, que foi de 5.327 chineses infectados.

Mas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de mortalidade do novo coronavírus é inferior à da Sars. Enquanto a epidemia de quase 20 anos atrás matou 10% dos infectados, as mortes pelo 2019-nCov atingiram 2% dos afetados.

Para a comunidade científica e de saúde sanitária, o que mais preocupa é a falta de informações detalhadas sobre a nova mutação. Apesar de ser 85% semelhante ao genoma do vírus que provocou a Sars, não se sabe qual é o hospedeiro intermediário do 2019-nCov nem se ele é transmissível por pessoas que ainda não demonstraram os sintomas provocados pela ação do novo coronavírus, que são similares aos de uma pneumonia viral ou de um resfriado, como tosse, febre e dor no corpo.

“Temos que basear nossas ações em evidências imperfeitas para criar uma estratégia de bloqueio da doença com um impacto mínimo na sociedade e economia. O mundo inteiro precisa estar alerta, precisa agir e estar pronto para qualquer caso que apareça”, disse ontem o diretor executivo do programa de emergências da Organização Mundial da Saúde, Michael Ryan, em entrevista coletiva na Suíça. “O contínuo aumento dos casos é uma fonte de preocupação”, reforçou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom.

O especialista em virologia pela Universidade de São Paulo (USP) Paulo Eduardo Brandão alertou que essa forma de transmissão sem a manifestação de sintomas não foi constatada no surto da Sars. Tampouco em 2012, durante a proliferação da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), outra doença provocada por um coronavírus. “Se as autoridades sanitárias comprovarem isso no vírus 2019-nCov, certamente a nova epidemia será mais difícil de ser controlada. Ficará difícil, por exemplo, a elaboração de um diagnóstico rápido e eficiente dos possíveis casos de infecção, o que, muitas vezes, é crucial para evitar a proliferação do vírus”, analisou.

Segundo Brandão, as incertezas sobre o alcance da propagação do novo vírus também preocupam. “O vírus da Sars, por exemplo, afetava o trato respiratório superior e era mais fácil de ser expelido pelo pulmão. Por outro lado, o da Mers era presente na parte mais profunda do pulmão, o que tornava o seu expelimento mais difícil. Por enquanto, ainda há uma incógnita quanto a este novo coronavírus. Não se sabe se todo o pulmão está inflamado ou se apenas partes dele”, explicou.

Frase

“O vírus da Sars (...) era mais fácil de ser expelido pelo pulmão. O da Mers era (...) mais difícil. Por enquanto, ainda há uma incógnita quanto a este novo coronavírus. Não se sabe se todo o pulmão está inflamado ou se apenas partes dele”

Paulo Eduardo Brandão, especialista em virologia pela USP