Correio braziliense, n.20706, 31/01/2020. Saúde, p.14

 

Emergência GLOBAL

31/01/2020

 

 

Saúde » A disseminação do novo coronavírus leva a OMS a decretar alerta internacional máximo, embora se opondo a restrições de viagens e de comércio com a China. Países vizinhos, porém, adotam medidas drásticas de prevenção, como o fechamento de fronteira

O ritmo acelerado de disseminação da nova cepa de coronavírus levou ontem a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar o surto como uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional (PHEIC, na sigla em inglês). Essa é a sexta vez que o alerta, o mais grave quanto a riscos de saúde pública, é decretado pela agência das Nações Unidas desde que foi estabelecido, em 2005. A definição anunciada ontem é um reconhecimento do risco que o vírus representa para todos os países além da China, local em que a epidemia teve início, e também enfatiza a necessidade de uma resposta internacional mais coordenada quanto ao surto.

“Esse é o momento da solidariedade, não do estigma”, ressaltou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante o anúncio, feito em uma coletiva de imprensa realizada, no fim da tarde, em Genebra, após uma reunião do Comitê de Emergência da agência. “Esse é o momento da ciência, não dos rumores”, acrescentou, num momento em que informações falsas aumentam o pânico em relação ao vírus.

O comitê da OMS enfatizou que a declaração deve ser vista no espírito de apoio e apreço à China, ao seu povo e às ações que os chineses adotaram na “linha de frente do surto”. Até o início da noite de ontem, o novo coronavírus havia provocado 212 mortes e 8.900 infecções — desse total, 98 fora do território chinês.

Apesar de ter emitido o alerta mais alto em relação aos riscos de propagação de uma enfermidade, a OMS não apresentou qualquer óbice em relação a viagens para a China ou outros destinos. “Nossa maior preocupação é a possibilidade de que o vírus se propague para países com sistemas de saúde mais frágeis. Não significa desconfiança com a China”, assegurou o diretor-geral da agência. “A OMS não recomenda e, de fato, se opõe a qualquer restrição a viagens e comércio (com Pequim)”, acrescentou Ghebreyesus.

Restrições

Antes mesmo desse posicionamento da agência da ONU, entretanto, uma série de países anunciou medidas restritivas drásticas para turistas chineses, com o objetivo de impedir a presença do vírus em seus territórios. A Rússia, por exemplo, informou que pretende fechar cerca de 4.250 quilômetros da fronteira com a China e também adotou procedimentos mais severos para a emissão de vistos para os chineses. O Japão relatou que pode impedir qualquer pessoa suspeita de estar infectada de entrar em seu território.

Também ontem, a companhia aérea israelense El Al informou que vai interromper os voos para Pequim, em consequência do novo coronavírus, somando-se a outras empresas aéreas que haviam decidido suspender ou reduzir suas atividades na China Continental devido à epidemia.

A OMS destacou que pretende continuar usando suas redes de especialistas técnicos para avaliar a melhor forma de contornar esse surto globalmente e que fornecerá apoio intensificado à preparação e resposta, especialmente em países e regiões vulneráveis. Devem ser implementadas medidas para garantir o rápido desenvolvimento e acesso a possíveis vacinas, diagnósticos, medicamentos antivirais e outras terapêuticas para países de baixa e média renda.

“A OMS deve continuar a fornecer todo o apoio técnico e operacional necessário para responder a esse surto, inclusive com suas extensas redes de parceiros e instituições colaboradoras”, detalhou a agência, em um comunicado.

Frase

“Nossa maior preocupação é a possibilidade de que o vírus se propague para países com sistemas de saúde mais frágeis (...) Não significa desconfiança com a China”

Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS

Boataria

Uma das maiores preocupações atuais das autoridades que buscam conter o coronavírus é a enxurrada de notícias falsas sobre a epidemia que circulam na internet — de vídeos de pessoas comendo morcegos, que seriam responsáveis pelo contágio, a balanços equivocados de vítimas e indicações de tratamento. “Vi uma informação que aconselhava o uso de secador para desinfectar o rosto e as mãos. Ou beber água quente a 60 graus para não ficar doente”, contou à agência France Presse (AFP) de notícias Phoebe, uma médica de 40 anos, que preferiu não revelar seu nome completo. Ela se disse consternada com as mensagens recebidas nos últimos dias em um grupo formado por sua família no WhatsApp.

Desde o início de janeiro, quando surgiram as primeiras referências ao novo coronavírus, na cidade chinesa de Wuhan, as fakenews tomaram conta das redes sociais. Cristina Tardáguila, do Instituto Poynter de Jornalismo, nos Estados Unidos, afirmou que mais de 50 organizações que fazem checagem em três países registraram três “ondas” de informações falsas. “Uma sobre as origens do vírus, outra sobre uma falsa patente de medicamentos e uma terceira sobre a forma de prevenir ou curar”, elencou Cristina Tardáguila à AFP.

Contágio

O diretor-geral da OMS convocou a reunião de ontem depois que países como Japão, Alemanha, Vietnã e Estados Unidos terem relatado algumas suspeitas de uma transmissão humano a humano, algo que poderia ser entendido como um sinal de alerta de aumento de força do vírus. O temor foi confirmado. Horas antes do anúncio de emergência global,  autoridades dos Estados Unidos confirmaram o primeiro caso norte-americano de transmissão de pessoa para pessoa do coronavírus.

“A segunda pessoa em Illinois que testou positivo para o novo coronavírus é um morador de Chicago e é o marido do primeiro caso, uma mulher que foi infectada na China”, relatou Robert Redfield, diretor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

Esse primeiro caso confirmado em Illinois foi o de uma sexagenária que havia viajado recentemente para Wuhan, cidade epicentro do novo coronavírus. O marido não viajou para o país asiático. “Sabemos que isso pode parecer preocupante”, declarou Redfield, ressaltando, porém, que o “risco imediato para os americanos é baixo”. “(O vírus) Não está se espalhando pela comunidade. Não consideramos que a população esteja em risco”, frisou Ngozi Ezike, diretora de saúde pública de Illinois.

A mulher, cuja identidade vem sendo preservada, continua hospitalizada e “está bem”. O marido foi internado recentemente. O quadro clínico dele é “estável”, segundo Jennifer Layden, diretora médica do estado de Illinois. No total, os Estados Unidos têm seis casos confirmados de pneumonia viral causada pelo novo coronavírus.