Correio braziliense, n.20686, 11/01/2020. Economia, p.7

 

Rombo persistente nas contas

Rosana Hessel

11/01/2020

 

 

A real do Brasil » Apesar da promessa do ministro da Economia de zerar o deficit fiscal no primeiro ano, governo terá que conviver com saldo negativo até o fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Receitas extraordinárias ajudaram em 2019, mas o valor não devem se repetir neste ano

O ministro da Economia, Paulo Guedes, ao tomar posse, prometeu zerar o deficit primário das contas do governo federal em 2019, mas não conseguiu cumprir o prometido. E, até o fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro, Guedes vai ter que conviver com rombos consecutivos. Projeções de especialistas ouvidos pelo Correio indicam que o superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) só vai voltar entre 2023 e 2026, se tudo der certo, e as esperadas reformas estruturais complementares à reforma da Previdência, como a administrativa e a tributária, saírem do campo das intenções.

Ao longo do ano passado, o ministro teve um choque de realidade sobre o tamanho do estrago nas contas públicas, que estão no vermelho desde 2014, e mudou o objetivo para R$ 80 bilhões de deficit em 2019. Os dados fechados de 2019 ainda não foram divulgados, mas, se for confirmado, esse valor representará uma melhora, pois é inferior à meta fiscal prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que permite saldo negativo de até R$ 139 bilhões nas contas do governo central (que inclui Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência) e de R$ 132 bilhões para o setor público consolidado (computando estatais e governos regionais).

No entanto, o resultado só ficará abaixo das metas porque houve uma enxurrada de receitas extraordinárias, no ano passado. Concessões de aeroportos, leilões de campos de petróleo e venda de subsidiárias de estatais e de participações em companhias abertas ajudaram a melhorar o resultado primário do governo federal. Apenas a receita com dividendos de estatais saltou 182,3%, de janeiro a novembro, em comparação com o mesmo período de 2018, para R$ 20,1 bilhões.

Contudo, especialistas afirmam que isso não deve se repetir em 2020 e, portanto, o resultado primário deverá ser pior do que o de 2019. Pelas contas do economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco, as receitas não recorrentes devem ter somado R$ 88 bilhões no ano passado, cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse volume é praticamente o dobro da média histórica dos governos anteriores. "No Brasil, receita extraordinária tem todo ano, como Refis e leilões, mas esse volume de 2019 não deve se repetir em 2020, e a receita deverá ficar mais próxima da média histórica", prevê.

Para Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, o desafio do governo, para avançar no ajuste fiscal, será reforçar a agenda de ajustes estruturais complementares à reforma da Previdência. "Em 2020, vamos ter, de fato, o teste do governo Bolsonaro na relação com o Congresso em um ano de eleições, que tende a ser mais expansionista por natureza", destaca. Uma das prioridades para o controle de gastos, segundo ele, é a reforma administrativa. "Ela tem um papel importante, porque a despesa com pessoal é a que precisava ser atacada logo após a reforma da Previdência."

Pelas contas do diretor da IFI, as contas públicas devem ficar no vermelho até 2025, em um cenário básico, ou seja, com alguma reforma andando, sem um ajuste fiscal mais duro, e o Produto Interno Bruto (PIB) crescendo 2,2% neste ano. Ele calcula que o resultado primário do governo central tenha ficado em R$ 95,8 bilhões em 2019, e prevê que o rombo crescerá para R$ 124 bilhões, neste ano. Por isso, reforça a necessidade de controle das despesas obrigatórias.

Especialista em contas públicas, o assessor parlamentar Leonardo Cézar Ribeiro calcula que o governo voltará a apresentar resultado primário estrutural positivo apenas em 2026. Essa é a mesma previsão do economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, que está entre os mais otimistas em relação ao crescimento do PIB em 2020 — ele prevê alta de 2,8%, acima da mediana das estimativas do mercado, de 2,3%.

"Há dúvidas em 2020 sobre o volume de receita extraordinária. Não se sabe qual será o montante. A trajetória do deficit tende a ser decrescente, mas, pelas nossas projeções, o saldo só será zerado em 2023. Entretanto, tudo vai depender da velocidade das reformas. Se elas avançarem na direção de conter os gastos com o funcionalismo público, em um cenário mais otimista, o deficit zero viria em 2021."

Jensen, no entanto, admite que a janela de oportunidade do governo neste ano para fazer reformas é muito curta, de seis meses. "Esse governo não prima pela articulação, mas, se houver um maior protagonismo do Legislativo e do empenho de Rodrigo Maia, que vem escolhendo as pautas econômicas a serem tocadas, é provável que ocorra algum avanço", afirma.

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Desafio é conter dívida pública

11/01/2020

 

 

Reduzir o deficit e cumprir as metas fiscais são medidas que estão por trás do que é o grande desafio do governo em 2020 — mudar a trajetória da dívida pública que, conforme os dados do Banco Central, está em 77,7% do Produto Interno Bruto (PIB), patamar elevado para um país emergente. Pela média do Fundo Monetário Internacional (FMI), economias em desenvolvimento têm dívida pública bruta na casa de 50% do PIB. Por conta da taxa mais elevada, o Brasil ainda terá dificuldade em recuperar o grau de investimento antes das próximas eleições.

Em 2019, o ritmo de crescimento da dívida pública diminuiu graças à queda na taxa básica de juros, a Selic, que está no menor patamar da história. Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aumentou de R$ 26 bilhões para R$ 123 bilhões o volume de devoluções ao Tesouro Nacional dos aportes que recebeu em governos anteriores.

O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, avalia que a dívida bruta deve ter ficado abaixo de 78% do PIB em 2019. As projeções do mercado vão no sentido contrário. Elas apontam que o endividamento pode ter ultrapassado 80% do PIB, depois de encerrar 2018 em 76,5%. Uma medida do Banco Central, no entanto, ajudou a segurar a alta. Para conter a escalada do dólar, o BC vendeu parte das reservas internacionais, medida que tem o efeito de reduzir a dívida bruta. O volume de estoque de moeda estrangeira do BC caiu de US$ 374,7 bilhões, em 31 de dezembro de 2018, para US$ 356,5 bilhões, segundo os últimos dados disponíveis.

Contudo, a recente alta no preço do barril do petróleo e um dólar cada vez mais valorizado podem pressionar a inflação e antecipar o processo de aumento da Selic pelo Banco Central, que é esperado apenas para 2021 pela equipe econômica. Juros mais altos interromperiam o processo de redução do endividamento público. A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), encerrou 2019 em 4,31%, levemente acima do centro da meta oficial, de 4,25%.

De acordo com estimativas do Tesouro divulgadas no fim do ano passado, o aumento de um ponto percentual na Selic de 2020 a 2022 provocaria aumento de 1,6 ponto percentual na dívida bruta. E um cenário combinado de choques adversos nos juros, no PIB e no resultado primário das contas públicas podem ter impacto bem maior, de 9,23 pontos percentuais.

Não à toa, analistas demonstram cautela em relação à redução cíclica da dívida em 2019, pois ainda é cedo para ter sinais mais consolidados de recuperação da economia e das contas públicas. "Para que o endividamento pare de crescer estruturalmente, as contas do governo federal precisam alcançar um superavit primário de 1% do PIB. Pelas nossas previsões, isso só deverá ocorrer depois de 2023", explica Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco.

 Perspectiva

Especialistas são unânimes em admitir que a reforma da Previdência melhorou as tendências de longo prazo para as contas públicas, mas o sinal de alerta continua aceso. Ao anunciar a revisão da perspectiva da nota de crédito do Brasil de "estável" para "positiva", a agência de classificação de risco norte-americana Standard & Poor's (S&P), por exemplo, reforçou que pode haver melhora da avaliação do Brasil, "nos próximos dois anos", se houver resultados "acima do esperado" e uma mudança na trajetória de crescimento da dívida pública bruta. As previsões da S&P indicam que ela pode chegar a 85,3% PIB em 2022.

A agência foi primeira empresa que concedeu o grau de investimento do Brasil, em 2007, e, depois, também foi a primeira a retirar o selo de bom pagador do país, em 2015. O economista Gabriel Leal de Barros, do BTG Pactual, vai demorar para o país reconquistar o grau de investimento. "É preciso que as reformas estruturais e fiscais tenham continuidade, como a PEC Emergencial, que permite acionar gatilhos para conter o crescimento da dívida pública e, assim, ajudar o governo a ter uma nota de risco um pouco melhor", ressalta.

O Secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, contudo, frisa que recebeu de representantes da S&P a sinalização de que, "assim que o crescimento econômico voltar, o Brasil teria chances de ter uma nota de risco melhor". Nesse sentido, a taxa básica de juros no menor patamar da história, de 4,5% ao ano, ao longo de 2020 vai ajudar. "O crescimento é fundamental para a consolidação fiscal, que é uma das nossas prioridades. As projeções do Tesouro Nacional melhoraram em decorrência da queda da taxa de juros. Isso garante mais estabilidade em relação à evolução da taxa dívida-PIB", destaca. Sachsida aposta que o PIB deverá crescer entre 2,5% e 3% neste ano. Contudo, evita fazer uma projeção de quando o resultado primário das contas públicas será positivo. (RH)