Valor econômico, v.20, n.4959, 13/03/2020. Brasil, p. A3

 

Governo tem de oferecer liquidez às empresas, afirmam analistas

Anäis Fernandes

13/03/2020

 

 

Assim como diversos países anunciaram nos últimos dias, o Brasil também precisa ter um plano de suporte emergencial para prover liquidez às empresas, sobretudo as de menor porte, que devem ter as receitas mais atingidas pela crise do coronavírus, segundo economistas.

O diagnóstico é que essas empresas vão precisar de capital de giro adicional, mas são "invisíveis" para o sistema bancário privado ou têm risco de crédito muito difícil de mensurar. Nesse sentido, segundo eles, não seria um erro o governo adotar temporariamente um "recuo estratégico" na política de enxugamento dos bancos públicos, ampliando seu papel na economia sem que isso signifique, necessariamente, mais taxas subsidiadas.

"Temos que considerar o esforço do governo para reduzir a participação dos bancos públicos na economia, em meio à questão de insuficiência de caixa federal. Seria certo que o financiamento fosse privado, continuando nessa linha, mas estamos vivendo uma situação inédita e imprevisível, com muita volatilidade, não há referência e âncora para preços. Bancos públicos podem ser abertos para empréstimos de emergência, com coerência e critério", diz Nicola Tingas, economista-chefe da associação das instituições de crédito, financiamento e investimento (Acrefi).

Com choques de oferta de um lado, a partir da dificuldade de importar insumos, e de demanda do outro, se as pessoas reduzirem circulação, o problema na receita das empresas vai aparecer no dia a dia, diz Carlos Rocca, coordenador do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec-Fipe). "Supondo que não haja corte de empregos, as empresas vão continuar pagando salário, aluguel, juros da dívida, impostos, fornecedores. Elas vão se defrontar com dificuldade de caixa, fica claro que vai acontecer", afirma.

Diante disso, Rocca diz que bancos públicos "podem e devem" participar de iniciativas que facilitem o acesso das empresas em necessidade a crédito. "É medida excepcional que não trata só de preservar o lucro. Perder a condição de pagar salário acentuaria a crise, porque provoca queda no consumo", afirma. Ontem, a Caixa, disse que o banco colocará R$ 50 bilhões a mais de capital de giro para seus clientes.

Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda e professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV), defende "linhas de capital de giro com juros baixos, via BNDES ou bancos públicos com equalização pelo Tesouro", afirma, reconhecendo que isso exigiria aprovação do Congresso.

Além disso, diz Barbosa, o BNDES tem recursos parados que poderiam ser utilizados. Reportagem do Valor mostrou que o banco teria cerca de R$ 100 bilhões, entre caixa livre e reservas, para apoiar o setor privado. Recentemente, o presidente do banco, Gustavo Montezano, afirmou que a instituição não fará política anticíclica, mas outra reportagem do Valor apurou que o BNDES poderá prover capital de giro para companhias aéreas.

Sérgio Lazzarini, professor do Insper, avalia que "definições setoriais" são bem complicadas. "Por que o setor aéreo, e não o hoteleiro, por exemplo? Isso gera discussão", afirma. Para ele, o debate deveria se concentrar nos problemas de forma mais ampla e pode incluir os bancos públicos, mas sem comprometer a situação fiscal.

"Quando veio a crise de 2008, há certa evidência de que o apoio do crédito público ajudou. Mas não faria no modelo adotado no passado. Dá para usar os mecanismos existentes", diz ele, citando como exemplo as linhas disponíveis do BNDES.

"É questão de direcionar - 'olha, essa vai para companhias de menor porte, com dificuldade' -, facilitando processos burocráticos, talvez flexibilizando um pouco as garantias e também com programa de orientação para essas empresas", afirma.

Com as intensas oscilações no mercado financeiro, a crise de confiança e expectativas atingiu tal magnitude que contamina a propensão das famílias a consumirem e das empresas a investirem, dizem os economistas. "A empresa perde completamente as referências sobre a sua produção corrente e, o que é pior, sobre os investimentos. Estratégias de produção e investimentos precisarão ser revistas", diz José Francisco Gonçalves, economista-chefe do banco Fator.

Para os bancos privados, a avaliação é que o Banco Central está atuando para oferecer condições ao mercado. Além disso, poderiam ocorrer reduções adicionais do compulsório. "O BC vem reduzindo compulsório e isso poderia ou pode ser condicionado à expansão do capital de giro para o setor não financeiro. Em situação mais extrema, o que não é o nosso caso, BC pode dar liquidez via operações compromissadas ou redesconto de empréstimos de bancos ao setor não financeiro", afirma Barbosa.

Para Tingas, novas reduções de compulsório teriam efeito limitado. Cortes na Selic seriam importantes para as expectativas, ele diz, mas reconhece que o espaço para essas previsões ficou um pouco menor nos últimos dias. Seria mais estimulativo para o setor privado, segundo ele, que Banco Central, ministérios, Executivo e Legislativo agissem com "coesão de vontades e atitudes para uma agenda de meses mostrando como atuarão para tirar a economia do risco".

"Se tem uma atitude concreta e multifacetada, que permita retomar âncora, como a fiscal, já a partir de agora, o sistema tem maior crença na queda dos riscos e aumenta a possibilidade de o setor privado financiar", afirma.

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Informal e conta própria têm renda em xeque

Thaís Carrança

13/03/2020

 

 

Trabalhadores informais e por conta própria podem ser os mais afetados em seus rendimentos por um eventual agravamento da crise de coronavírus, avaliam especialistas. A doença chega ao Brasil num momento em que o número de trabalhadores que não estão protegidos pela legislação trabalhista está em nível historicamente alto, ainda como resultado da recessão e da lenta retomada da economia.

Profissionais autônomos ouvidos pelo Valor temem ficar doentes ou de quarentena, pois seus rendimentos - já mais baixos do que dos trabalhadores formais - dependem diretamente de suas vendas e prestação de serviços. Temem também uma redução de demanda, caso a circulação de pessoas seja limitada.

A situação emergencial fortalece debate sobre a necessidade de o país criar mecanismos de proteção social para o contingente de trabalhadores à margem da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que tende a aumentar, devido à mudança estrutural do mercado de trabalho em nível global.

Motorista de aplicativo há quatro anos, Danilo Teixeira de Lima, de 39 anos, já sente os primeiros efeitos da pandemia de coronavírus no seu cotidiano de trabalho. "Diminuíram bastante as corridas para o terminal 3 do aeroporto de Guarulhos, para viagens internacionais", relata.

Lima conta que, em situação normal, consegue ganhar R$ 6 mil brutos dirigindo entre dez a 12 horas por dia, que se tornam R$ 3 mil líquidos após pagar o aluguel do carro e o combustível. "Se tiver que ficar sem trabalhar, seria péssimo, porque minha única fonte de renda é isso aqui, eu não posso ficar doente", afirma.

Antes de se tornar motorista, Lima foi ferramenteiro na fábrica da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo. Ele conta que, no tempo de empregado, tinha mais segurança em caso de problemas de saúde. "Tive um problema na vista e fiquei afastado por três meses, recebi proporcionalmente pelo INSS e depois voltei", lembra. "Agora tenho uma hérnia, tenho que operar, mas não posso parar."

A realidade do motorista é a de muitos brasileiros, num momento em que os trabalhadores por conta própria somam 24,6 milhões, ou 3,4 milhões a mais do que em 2014, início da recessão recente. Esses trabalhadores já representam 26% da população ocupada brasileira, contra 23% antes da crise. No mesmo intervalo, a participação dos empregados com carteira entre os ocupados diminuiu de 39% para 36%.

Dos conta própria, 79% não têm CNPJ, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, trabalhando na informalidade. A renda média dos autônomos era de R$ 1.743 em janeiro, comparado a renda de R$ 2.213 dos empregados com carteira. Já os conta própria sem CNPJ ganhavam em média R$ 1.355. Em janeiro, a taxa de informalidade do mercado de trabalho brasileiro estava em 40,7%, contra 38,6% em igual mês de 2016, dado mais antigo comparável na série histórica.

"Houve um crescimento muito grande dos trabalhadores por conta própria, que estão principalmente no setor de serviços, onde a interação com pessoas é muito importante", observa Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). "Certamente hoje, estamos numa situação mais fragilizada do mercado de trabalho para a chegada do coronavírus do que há cinco anos", afirma.

Duque destaca que, numa situação de grande choque na atividade econômica, os empregados com carteira não sofrem variação significativa da renda. "Já para os conta própria, cuja renda depende diretamente da atividade que fazem, o choque pode ser muito maior e eles também não têm acesso a mecanismos compensatórios do governo, como INSS ou FGTS", afirma.

A ambulante Maria Luiza de Oliveira, de 52 anos, vive há 23 anos essa realidade, tempo que trabalha vendendo brinquedos nas ruas do centro de São Paulo, depois de ter deixado a roça no interior do Paraná. Ela conta que, no passado, o trabalho ambulante dava um bom dinheiro, com o qual ela conseguiu ter sua casa própria. Mas hoje, o ganho "livre" não chega a R$ 1 mil por mês.

Com o orçamento apertado, ela diz acompanhar com medo as notícias sobre o coronavírus. "Tenho muito medo, porque a gente não tem outra renda. Se eu ficar doente, como vou trabalhar? Como vou sobreviver? Eu dependo daqui", diz Maria Luiza. "Estou preocupada, tenho meu álcool gel, trago água para lavar as mãos, mas, mesmo assim, estou lidando com o público."

A emergência do coronavírus assim alimenta o debate sobre mecanismos protetivos públicos para os trabalhadores que não estão sob o guarda-chuva da legislação trabalhista. "Isso será uma necessidade, o próximo candidato a presidente que queira representar os trabalhadores, se não tiver uma proposta para isso, não vai falar com ninguém", diz Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul pelo PT e atualmente advogado trabalhista.

Essa também é a avaliação de Clemente Ganz Lúcio, técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Para o sociólogo, além dessa agenda de mais longo prazo, o governo deveria adotar medidas emergenciais para garantir a renda da parcela mais vulnerável da população, como uma suplementação do Bolsa Família, oferta de crédito e isenção da contribuição para Microempreendedores Individuais (MEI).

Os especialistas são unânimes, no entanto, quanto à dificuldade de pautar essa questão na conjuntura atual. "Nas próximas semanas, podemos ver um choque de renda muito negativo nessas camadas da população que não têm um amparo social", diz Duque. "Esse seria o momento perfeito para pensar nessa nova estrutura, mas isso não está na cabeça dos atuais governantes."

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Caixa amplia linha de capital de giro em R$ 50 bilhões

Fabio Graner

13/03/2020

 

 

O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, disse ontem que colocará à disposição de seus clientes R$ 50 bilhões a mais em linhas de capital de giro. Segundo ele, o movimento é preventivo. "Estamos preparados para ampliar em dezenas de bilhões de reais as nossas linhas de capital de giro. R$ 50 bilhões com tranquilidade", afirmou. "São R$ 50 bilhões extras, já tínhamos expectativa de R$ 100 bilhões [para o ano], então aumentou 50%. Mas isso não é nem por demanda. É preventivo", completou. Ele acrescentou que o volume pode ir além disso, caso necessário.

No início da semana, a Caixa e o Banco do Brasil já deixaram claro que estavam prontos para colocar recursos para seus clientes, caso houvesse necessidade por parte deles. Na ocasião, porém, não foram falados de valores que seriam ofertados.

O movimento dos bancos, agora mais claramente detalhado na Caixa, é a primeira ação de política econômica para enfrentamento dos impactos do agravamento da crise do coronavírus sobre a economia brasileira.

O governo tem sido cobrado, em especial pelo Congresso Nacional, para que tenha uma reação mais firme para enfrentar a crise econômica que se desenha. Anteontem, o governo já rebaixou sua expectativa oficial de crescimento para 2,1%, e a equipe econômica tem buscado encontrar medidas de curto prazo que não mexam com o teto de gastos.

Diante da piora na situação da epidemia mundial, Guimarães disse que na semana que vem a Caixa deve colocar sistema de "home office" (trabalho em casa) na sede e nas filiais do banco no país. A medida não atinge as agências de início. A ideia por enquanto, nesses casos é reforçar ações preventivas e de higiene, sem prejudicar o atendimento.

Para ele, a crise atual é muito grave, mas por enquanto é financeira, de pânico e confiança, e não estrutural, da economia real. "Acho que a crise vai ser mais forte que em 2008, porque é crise de confiança, de pânico. É uma crise de expectativa financeira", disse em evento de assinatura de contrato de parceria com a Visa na área de cartões.

"Não é a pior crise do ponto de vista de mexer com a economia real. O impacto dela no nosso balanço é zero. Em 2008, a crise foi maior na economia real. A Caixa teve perdas de bilhões no balanço naquela ocasião. Agora, zero", afirmou Guimarães.

O executivo explicou que os impactos na economia real dependerão de quanto tempo a crise financeira vai durar. "A grande questão é: ela vai continuar ou não? A cada momento que ela continue, vai gerar mais desaceleração. Mas ela está gerando algum tipo de penalização do balanço? Zero", comentou o presidente do banco estatal. "Se tiver algo que dure de seis meses a um ano, tem um problema maior. O Brasil é uma economia mais fechada."

Guimarães disse que tem um excesso de caixa da ordem de R$ 300 bilhões, o que permite colocar à disposição os recursos de capital de giro. "A Caixa é o banco com maior liquidez e solidez pelos índices de do Banco Central", afirmou o executivo.

O presidente do banco salientou que a ideia é não emprestar para clientes que não estejam no foco da Caixa, atualmente em habitação, infraestrutura, micro e pequenas empresas e pessoas físicas, como crédito consignado.

"Não vamos emprestar para quem não é o foco. Para micro, pequenas e médias empresas, emprestaremos para qualquer empresa. Para grande empresa, não. Aí nosso foco é imobiliário e saneamento. Se tem grande empresa que precisa de capital de giro e não tem nada a ver com a Caixa, a gente não vai fazer."

Segundo ele, não está neste momento em discussão a redução de taxa de juros, e sim a provisão de liquidez em um momento no qual instituições financeiras tendem a reduzir suas linhas de crédito. "Uma vantagem da Caixa é que temos poucos segmentos e conhecemos bem as empresas onde atuamos", disse Guimarães.