Título: Tratamento de câncer terá de iniciar em 60 dias
Autor: Lisbôa, Anna Beatriz
Fonte: Correio Braziliense, 24/11/2012, Brasil, p. 9

Nova Lei determina prazo máximo de dois meses para o SUS iniciar o atendimento, a partir do diagnóstico. Estados terão de apresentar pLano de instalação de serviços especializados em 180 dias. Só no Distrito Federal, 8.210 novos casos da doença foram registrados em 2012

O Sistema Único de Saúde (SUS) terá de oferecer tratamento para pacientes com câncer em, no máximo, 60 dias ou em prazos menores conforme a necessidade terapêutica. Assim determina aLein0.12.732, sancionada pela presidente Dilma Rousseff e publicada ontem no Diário Oficial da União. O período será contado a partir do diagnóstico e in­clui assistência por meio de cirurgia, radioterapia ou quimioterapia. A legislação só entrará em vigor em 180 dias.

De acordo com a publicação, os casos mais graves, em que os pacientes são acometidos por manifestações dolorosas, serão tratados com prioridade, principalmente, quanto ao acesso a medicamentos derivados do ópio, como a morfina. A proposta inicial foi feita pelo ex-senador Osmar Dias em 1997, abrangendo apenas o tratamento com analgésicos. O substitutivo, abordando as mudanças, foi aprovado no fim de outubro no Senado. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), estima-se que 520 mil novos casos da doença tenham sido registrados no Brasil em 2012. Ainda de acordo com o órgão, o câncer de pele, de próstata, de mama e de pulmão são os mais incidentes no país.

Para a aposentada Valmira Costa, 58 anos, a demora no tratamento resultou na retirada da mama esquerda, em 2004. Valmira conta que fez o tratamento no Hospital de Base de Brasília e enfrentou uma espera de nove meses entre o diagnóstico do tumor e a cirurgia — adiada por duas vezes. "Como a demanda era muito grande, não tive acompanhamento médico ou psicológico. Só me receitaram analgésicos para aliviar a dor." Ela acredita que se o tratamento tivesse sido iniciado antes, a retirada da mama poderia ter sido evitada. "Eu não precisava ter passado por tudo isso", lamenta Valmira, que fez a cirurgia de reconstituição da mama na rede pública em 2011.

A médica mastologista e presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), Maira Caleffi, destaca que os pacientes hoje esperam uma média de 180 dias para começar o tratamento no SUS. "Esse pode ser um dos fatores que explicam os constantes aumentos das curvas de morte em decorrência do câncer", acredita.

"Com um tratamento mais ágil, é possível impactar os índices de cura e diminuir a mortalidade e as sequelas da doença." Embora a proposta inicial da Femama fosse o prazo de 30 dias para o início do tratamento, a médica considera a medida um avanço. "Existe uma urgência para tratar o câncer, especialmente o de mama, em que o diagnóstico precoce aumenta as chances de cura." Maira salienta que a rede pública de saúde deverá se adaptar para atender à demanda de pacientes no período determinado. "Falta um sistema de triagem por gravidade de caso no SUS. Além disso, é preciso capacitar mais médicos para oferecer o atendimento adequado. Faltam radioterapeutas e físicos nucleares, responsáveis pela radioterapia, por exemplo."

Adaptação

O texto sancionado pela presidente determina que os estados apresentem os planos para a instalação de serviços especializados em oncologia. De acordo com estimativas do Inca, o Distrito Federal registrou 8.210 novos casos de câncer em 2012. Na avaliação de Julival Ribeiro, diretor-geral do Hospital de Base do Distrito Federal, os serviços deverão ser expandidos para atender à demanda imposta pela lei. "No caso do câncer, o mais importante é ter o diagnóstico precoce e aplicar o tratamento com a maior brevidade possível. O nosso sistema precisa ser ampliado com mais recursos humanos para o cumprimento dessa lei." Segundo Julival, a cidade carece de um centro de referência para o tratamento da doença. "O Distrito Federal merece um hospital do câncer. Hoje várias instituições da rede pública fazem cirurgia e tratamento onco- lógico, mas não há um hospital do câncer que apresente sistema integrado e humanizado."

Para o coordenador de oncologia da Secretaria de Saúde do DF, Márcio Almeida Paes, a situação da oncologia na rede pública da capital federal é delicada. De acordo com Paes, os pacientes chegam a esperar um mês para iniciar a quimioterapia e três meses por uma cirurgia. "Vemos que a demanda para o atendimento de pacientes com câncer está aumentando. A parte de cirurgia e quimioterapia está no limite."

Palavra de especialista

Prazo não é o ideal

Pensando em uma doença agressiva e com uma mortalidade tão alta como o câncer, quanto antes iniciar o tratamento, maiores as chances de que ele seja bem-sucedido. A lei é interessante, pois obriga o governo a tomar a iniciativa para melhorar o acesso ao tratamento para o paciente. Cerca de 60% dos casos de câncer são diagnosticados em estágios avançados no Brasil. Isso diminui muito a chance de cura e o tratamento é mais intensivo e tóxico.

Os 60 dias devem ser considerados como prazo máximo, não o ideal. É preciso procurar baixar esse tempo. No Reino Unido, 95% dos pacientes começam o tratamento em 30 dias. Temos que tentar nos aproximar disso. Uma vez dado o diagnóstico, vemos que a atenção à saúde oncológica está concentrada em grandes centros de referência, que estão sobrecarregados. É preciso descentralizar os serviços para ampliar o acesso. A informação também é muito importante. O paciente, às vezes, não sabe a quem recorrer quando tem o diagnóstico.

ANDERSONSILVESTRINI, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia (SBOC)