Correio braziliense, n. 20688 , 13/01/2020. Brasil, p. 5

 

STF avalia preconceito em norma da Anvisa

Jorge Vasconcellos

13/01/2020

 

 

SOCIEDADE » Regra da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que restringe doação de sangue por homossexuais masculinos é contestada por entidades de defesa do público LGBT. Ação movida pelo PSB diz que medida é inconstitucional. Ministério contradiz

O Ministério da Saúde defendeu, em nota enviada ao Correio, a manutenção da norma que impõe  restrições à doação de sangue por homossexuais masculinos. O dispositivo voltará a ser discutido, em março, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na retomada de um julgamento iniciado em 2017. O relator da ação, ministro Edson Fachin, votou contra a medida, que considerou discriminatória e uma “ofensa à dignidade humana”.

O assunto é discutido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 5543, apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) contra normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que regulamentam o assunto. Elas consideram inapto a doar sangue o homem que fez sexo com outro nos 12 meses anteriores à ida ao hemocentro. O PSB considera que está configurado preconceito contra os homossexuais, argumentando que é o comportamento de risco, e não a orientação sexual, o que deve determinar as chances de infecção por doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).

Em outubro de 2017, o ministro Edson Fachin afirmou, ao apresentar o voto favorável à ação, que o estabelecimento de um grupo de risco com base na orientação sexual não é justificável. Para ele, trata-se de uma restrição desmedida com o pretexto de garantir a segurança dos bancos de sangue.

O resultado, segundo o relator, é um tratamento desigual e desrespeitoso em relação aos homossexuais, baseado no preconceito e não no verdadeiro conhecimento sobre os fatores de risco a que o doador foi exposto. “Entendo que não se pode negar, a quem deseja ser como é, o direito de também ser solidário, e também participar de sua comunidade”, afirmou Fachin. “Essas normativas, ainda que não intencionalmente, resultam por ofender a dignidade da pessoa humana na sua dimensão de autonomia e reconhecimento, porque impede que as pessoas por ela abrangidas sejam como são”, acrescentou.

Até o momento, além do relator, votaram pela procedência da Adin os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber. Já o ministro Alexandre de Moraes abriu uma divergência parcial. Ele propôs que os homossexuais possam doar sangue, desde que o material coletado seja armazenado pelo laboratório, à espera da janela imunológica, para a realização dos exames de triagem. Só depois disso, a doação poderia ser efetivada.

O julgamento no STF foi interrompido em outubro de 2017, porque o ministro Gilmar Mendes pediu vista (mais tempo para análise do caso) do processo. Em outubro de 2019, ele liberou a Adin para o prosseguimento da discussão em plenário. O caso voltará à pauta em 11 de março. Para que a ação seja considerada procedente, são necessários, no mínimo, seis votos favoráveis entre os 11 ministros do tribunal.

O Ministério da Saúde informou, na nota, que os critérios de seleção adotados estão baseados “na proteção dos doadores e dos receptores, visando a reduzir, ao máximo, dentro das estratégias e técnicas disponíveis, o risco de transmissão de doenças por via transfusional”.

A pasta esclarece que vários motivos podem levar uma pessoa a ser considerada inapta a doar sangue, temporária e definitivamente. O órgão diz que a Portaria nº 5/2017, que trata do assunto, “estabelece critérios de aptidão para a doação de sangue baseados, sempre, nos perfis epidemiológicos mais atuais dos diferentes grupos populacionais e no risco da exposição em diferentes situações que constatam, atualmente, aumento da chance de infecção em determinadas circunstâncias”.

Outros países

Segundo, ainda, o ministério, “homens que fazem sexo com homens são considerados inaptos para a doação de sangue por 12 meses após a última exposição, e não de forma definitiva. Essa regra é a mesma aplicada em países europeus e de outras nacionalidades com perfis epidemiológicos semelhantes ao do Brasil”.

Ao afirmar que não só os homossexuais masculinos enfrentam restrições, o ministério enumerou uma série de hipóteses em que a doação é vedada. Elas incluem a realização recente de cirurgias e de exames invasivos, ingestão de determinados medicamentos e realização de tatuagens.

“A medida atende à recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (ABHH) e está fundamentada em dados epidemiológicos atualizados, presentes na literatura médica e científica nacional e internacional, não cabendo relação com preconceito quanto à orientação sexual do candidato à doação”, argumentou a pasta.