Correio braziliense, n. 20691 , 20/01/2020. Política, p. 4

 

Dias Toffoli adia juiz das garantias

Renato Souza

16/01/2020

 

 

O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, suspendeu por 180 dias a implantação do juiz das garantias. A medida faz parte do pacote anticrime, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. A decisão do magistrado foi tomada em atendimento a ações apresentadas à Corte contra itens da nova lei.

A determinação de Toffoli tem por objetivo permitir que a Justiça se organize para definir regras para a medida. Ele se manifestou sobre o caso após fazer uma consulta a magistrados de todo o país e de criar um grupo de trabalho para tratar do assunto. Em comunicado à imprensa, o ministro afirmou que a mudança não gera despesas extras e não exige a contratação de novos servidores, o que poderia representar um entrave legal para que a norma fosse colocada em prática.

O pacote anticrime foi enviado ao Congresso pelo Executivo, com texto editado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. Posteriormente, o parlamento anexou a tramitação projetos apresentados pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O trecho que prevê o instituto do juiz das garantias foi incluído por emenda do deputado Marcelo Freixo (PSol-RJ). Na prática, significa que um magistrado atuará durante o inquérito policial, determinando medidas cautelares, como busca e apreensão contra investigados. Quando o Ministério Público oferecer denúncia, ele deixa o caso e outro magistrado assume para o julgamento do processo.

Toffoli afirmou que o prazo de 180 dias vai permitir que o próprio Poder Judiciário se organize. “A implementação do juiz das garantias demanda organização que deve ser implementada de maneira consciente em todo o território nacional, respeitando-se a autonomia e as especificidades de cada tribunal”, destacou o ministro.

De acordo com o presidente do STF, o tempo de suspensão leva em consideração prazos previstos na lei aprovada no Congresso. “A partir da interpretação sistemática da própria lei, do juiz das garantias, decidi fixar esse prazo. A partir daí, o Poder Judiciário deve aplicar a lei”, completou. Além dessa decisão, ele entendeu que o juiz das garantias não deve ser adotado em casos específicos, como para processos julgados pelo Tribunal do Júri, que cuida de crimes dolosos contra a vida, como homicídio doloso. Crimes que se enquadram na Lei Maria da Penha, que pune agressões contra mulheres, também ficam fora da mudança.

O magistrado fixou também que ações em tramitação na Justiça Eleitoral não devem contar com o juiz das garantias, assim como processos originários dos tribunais superiores. Os processos penais em curso, ou seja, em que já ocorreu a fase de inquérito e em que a denúncia foi aceita pela Justiça não são afetados pela alteração. No entanto, em seis meses, as investigações que ainda estão em andamento, na fase inicial, serão afetadas. Os juízes que estiverem atuando na fase de inquérito serão substituídos assim que a denúncia for oferecida.

Aviso ao Congresso

De acordo com a lei, o juiz das garantias deveria ser implantado até o dia 23 deste mês. Questionado se mudar o prazo definido pelo Congresso não representaria violação à independência dos poderes, Toffoli disse que não. “Meu perfil é de respeitar o papel dos poderes. Hoje pela manhã (ontem), conversei com os presidentes da Câmara e do Senado (Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, respectivamente). Informei a decisão. Eles me perguntaram se o juiz das garantias estava mantido, e eu disse que sim”, respondeu o ministro.

O advogado Fernando Parente, professor de processo penal do Instituto de Direito Público (IDP), afirmou que, no exterior, a implantação do juiz das garantias também sofreu adiamentos antes de entrar em vigor. “Já era esperado que essa implantação fosse ser prorrogada, pois 30 dias é um prazo muito pequeno. O Chile e a Argentina também levaram um tempo para se adaptar. Isso é algo muito comum” declarou.

Contestações

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) entraram juntas com uma ação no Supremo para suspender a implantação da medida. Ambas sustentam que não há como dar execução à lei “sem provocar aumento de despesas”. Cidadania, Podemos e PSL também acionaram o tribunal. As ações foram sorteadas para ficar sob a relatoria do vice-presidente do STF, ministro Luiz Fux, mas devido à urgência do assunto e à proximidade da vigência da lei, Toffoli decidiu tomar a frente.