Correio braziliense, n. 20757, 22/03/2020. Política, p. 2

 

Contra-ataque do Planalto às ações de governadores

Jorge Vasconcellos

22/03/2020

 

 

Em mais um capítulo da disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores, entrou em vigor ontem o decreto presidencial que define quais serviços públicos e atividades essenciais devem ser mantidos para assegurar a “sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” diante da pandemia do coronavírus. Na sexta-feira, já havia entrado em vigor a medida provisória que concentra, no governo federal, o poder para restringir a circulação de pessoas. Essas normas foram editadas depois que Bolsonaro criticou o decreto de Witzel que prevê o isolamento da capital do Rio de Janeiro para os transportes de passageiros, por vias terrestre e aérea.

O Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, foi publicado ontem no Diário Oficial da União (DOU). Ele regulamenta a lei que trata das medidas para o enfrentamento do surto de coronavírus, publicada em fevereiro. Ao todo, a norma elenca 35 serviços públicos e atividades que não devem ser interrompidos, por serem “indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.
Na direção contrária às restrições impostas, por exemplo, pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, o decreto de Bolsonaro determina a manutenção de serviços como o transporte intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros e o transporte de passageiros por táxi ou aplicativo. No mesmo rol, entre outros, estão assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares; a assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade; atividades de segurança pública e privada, entre as quais a vigilância, a guarda e a custódia de presos; atividades de defesa nacional e de defesa civil.
Já a MP 926 altera a mesma lei que dispõe de medidas contra o coronavírus. A medida provisória define que apenas o governo federal pode adotar restrições ao transporte de bens, a movimentação de pessoas e a manutenção de serviços durante a atual crise de saúde.
Segundo a norma, passa a ser exigida recomendação “técnica e fundamentada” da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é ligada ao Ministério da Saúde, para a adoção de qualquer restrição à locomoção interestadual e intermunicipal por rodovias, portos e aeroportos.
MP estabelece ainda que ações de combate ao Coronavírus, inclusive restrições no transporte, deverão, se adotadas, “resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais.”
Cloroquina
Bolsonaro tem travado uma disputa com alguns governadores, principalmente o de São Paulo, João Doria, e Witzel, seu antigo aliado e com o qual já havia rompido antes mesmo do início da pandemia do coronavírus. O presidente da República criticou duramente o decreto do governador fluminense, que suspendeu voos nacionais para o estado vindos de locais onde foram registrados casos de Covid-19, além de todos os internacionais. “Eu vi ontem um decreto do governador do Rio que, confesso, fiquei preocupado. Parece que o Rio de Janeiro é um outro país. Não é outro país. Você tem uma Federação”, disse o presidente, que classificou como “exagerada” a decisão do adversário.
Apesar do decreto presidencial e da MP, o Correio apurou que o Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRV) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro fazia ontem o bloqueio de rodovias, em cumprimento ao decreto de Witzel. “Pontos de bloqueio visando ações de isolamento sanitário estão ocorrendo no estado do Rio de Janeiro. Cidadão, atenda a orientação dos órgãos públicos, fique em casa. Evite sair nas ruas e aglomerações. Nós não podemos, mas você pode! Continuamos nas rodovias, por vocês! Se precisar, conte com a Polícia Militar, conte com o BPRv”, publicou, ontem, o batalhão em seu perfil no Instagram.
Em vídeo publicado ontem nas redes sociais, Bolsonaro disse ter sido informado por profissionais do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, que a unidade de saúde iniciou um protocolo de pesquisa para avaliar a eficácia da cloroquina no tratamento da Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus. Essa substância é usada contra o vírus da malária, no combate ao lúpus e à artrite reumatoide.
Embora a Anvisa ainda não tenha comprovado a eficácia da cloroquina contra a Covid-19, Bolsonaro disse que determinou, em conversa com o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército amplie a produção do medicamento.
Aniversário no Alvorada
O presidente Jair Bolsonaro comemorou ontem o aniversário de 65 anos ao lado da família, no Palácio da Alvorada. Fotos postadas por parentes nas redes sociais mostraram o presidente sorridente ao lado da filha caçula Laura, e das netas, filhas de Flávio, diante de uma mesa com bolo e doces. Os três filhos do presidente — Bolsonaro Eduardo, Carlos e Flávio — também estavam presentes. Mais cedo, eles gravaram o vídeo no qual o presidente revelou que o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEx) vai aumentar a produção de cloroquina, medicamento que está sendo administrado em pacientes que apresentam quadro grave de coronavírus ainda em caráter experimental (leia ao lado).

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Quarentena em São Paulo

22/03/2020

 

 

O governador de São Paulo, João Doria, anunciou ontem que assinará decreto determinando uma quarentena, pelo período de 15 dias, a partir da próxima terça-feira e até 7 de abril, para os 645 municípios do estado. O objetivo é conter o avanço do novo coronavírus.

A medida obrigará o fechamento do comércio e manterá em funcionamento apenas os serviços essenciais, como nas áreas de saúde e segurança. Até ontem, o estado de São Paulo registrava 15 mortes de pessoas infectadas pelo coronavírus, todas na capital paulista. Além disso, 34 pacientes estavam internados em UTIs sob tratamento. Os casos suspeitos, até então, eram 9 mil.
A secretaria estadual da Saúde e o Ministério da Saúde informaram, ontem, que o novo coronavírus já havia infectado 459 pessoas no estado de São Paulo. “A partir da próxima terça-feira, nós decretamos quarentena aos 645 municípios. “Esta medida poderá ser renovada, estendida ou suprimida se houver necessidade, mas ela faz parte das informações que nós temos, embasadas da Secretaria de Saúde e do Centro de Contingência da Covid-19”, disse o governador.
Poderão continuar funcionando na quarentena: hospitais, clínicas, farmácias e clínicas odontológicas; transporte público; transportadoras e armazéns; empresas de telemarketing; petshops; deliverys; supermercados, mercados e padarias; limpeza pública; postos de combustível.
Por sua vez, terão que fechar as portas os bares, restaurantes e cafés. Na sexta-feira, Doria decretou estado de calamidade pública em todo o estado. A medida passou a vigorar ontem. (JV)