Correio braziliense, n.20759, 24/03/2020. Brasil, p.5

 

Heróis também têm medo

Maíra Nunes

24/03/2020

 

 

O mundo vive uma guerra com um inimigo comum e invisível. E os principais soldados contra o novo coronavírus (Covid-19) são os profissionais da área da saúde. “Nós somos o front dessa batalha”, afirma a presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal (SIDF), Heloisa Costa Ravagnani, se referindo a médicos, enfermeiros, técnicos, entre outros. Apesar de serem corajosos e heroicos, eles também são seres humanos e compartilham da enorme sensação de medo diante dessa pandemia.

“Particularmente, vivemos um momento de estresse tão grande que sabemos que temos de ser fortes lá fora, mas a carga de trabalho triplicou, a minha e a de todos os profissionais da saúde, e estamos completamente desgastados emocionalmente”, desabafa a médica. A previsão, segundo o Ministério da Saúde, é que ocorra uma "disparada" dos casos do novo coronavírus no Brasil em abril com queda somente em setembro.

Para agradecer quem ajuda a salvar vidas, a população brasileira aplaude os profissionais da saúde nas janelas de casas e apartamentos, por volta das 20h. A iniciativa foi motivada por campanha nas redes sociais embalada pela hashtag #AplausosNaJanela.
 “A nossa percepção era de que a população não reconhecia o nosso trabalho, achava que era obrigação. Vínhamos de uma relação ruidosa com a população por uma série de desgastes com o sistema de saúde público”, comenta Heloisa Ravagnani.
“É emocionante ver esse reconhecimento. Traz uma sensação de união, uma recompensa que nos incentiva a continuar nessa batalha”, completa a infectologista.
Vulnerabilidade
São poucas as informações sobre o novo coronavírus, apesar de haver pesquisas por todo o mundo em busca de respostas. Sabe-se que, de forma geral, as chances de desenvolver uma doença viral e com sintomas mais intensos são maiores quanto maior for a carga viral a qual se for exposto. A classe da saúde, portanto, está nesse grupo. “Somos muito mais expostos e tão vulneráveis quanto qualquer um. Nós também temos nossos medos, nossos pais idosos, filhos pequenos”, explica.
Hospitais em Brasília, Rio e São Paulo já registraram infecções da Covid-19 entre seus profissionais de saúde. Na Itália, foi criado um site em homenagem aos “mortos em combate”. O país havia perdido 17 médicos pela Covid-19 até a última sexta-feira e contabilizado 2.629 profissionais da saúde contaminados até terça passada.
Além do reconhecimento e das homenagens, a principal forma de colaborar  é manter o isolamento social. “O isolamento é fundamental para darmos conta da demanda. Na hora que virar um caos, os casos vão subir, inclusive, entre os profissionais de saúde”, alerta a infectologista. Com o intuito de fortalecer a recomendação, os profissionais de saúde de vários países compartilharam fotos com a frase “Nós estamos aqui por você, fique em casa por nós".
A pediatra Vanessa Corvino, que atende na emergência do Hospital Regional de Planaltina e do Hospital Daher, no DF, não esconde o receio maior  por também ser diabética. “A gente fica mais apreensiva até porque a nossa carga de informações ruins é maior do que do restante da população. Mesmo sabendo que os grupos de risco são pessoas mais idosas, há vários relatos de médicos jovens que ficaram doentes”, comenta a médica de 29 anos.

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Nove mortos em menos de 24 horas

Bruna Lima

24/03/2020

 


Em menos de um dia, o número de mortos pela Covid-19 no Brasil aumentou 36%, subindo de 25 para 34 casos. São 1.891 confirmações de infectados pelo vírus no país e estudiosos estimam que este número passará da casa dos 11 mil até o fim do mês. Em meio às medidas de isolamento social e interrupção de atividades, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, pondera: “Calma, planejemos. Vamos, gradativamente, medindo os impactos dessas ações”.

Todos os estados possuem registros, porém com diferentes níveis de transmissão. Enquanto o Norte tem 3,1% do total de casos do Brasil, o Sudeste representa o maior percentual, na ordem de 60%. É nessa região em que as mortes se concentram, sendo 30 em São Paulo e quatro no Rio.

Para facilitar a implementação das determinações para o combate ao novo coronavírus, o governo federal decretou estado de calamidade pública, com o aval do Congresso. Além disso, o Ministério da Saúde reconheceu a transmissão comunitária em todos os estados, possibilitando às autoridades locais adotarem planejamentos mais unificados.

Mandetta comentou a preparação do Sistema Único de Saúde no enfrentamento à Covid-19. “A ciência vai seguindo o seu ritmo e o SUS começa a alargar sua capacidade. Conseguimos falar em 300, 400 respiradores por semana, só de produção nossa, interna para o SUS, o que dá fôlego para a gente acompanhar com autossuficiência. As soluções vão aparecendo e nós vamos conseguindo medir melhor o comportamento, respeitando as medidas tomadas”. A declaração de ontem veio como uma resposta ao próprio pronunciamento da semana passada, quando o chefe da pasta previu um “colapso” do sistema de saúde em abril.

A fala condiz com a avaliação divulgada pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (Nois), uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), PUC do Rio de Janeiro e o Instituto D’or para monitorar a curva de crescimento da Covid-19, auxiliando o governo nas tomadas de decisões. Na terceira nota técnica, os números brasileiros variaram de 3.555 (cenário otimista) a 11.548 casos (cenário pessimista), até 30 de maio. Nesta mesma atualização, o estudo já compara as projeções anteriores à realidade, revelando que o Brasil, entre 16 a 20 de maio, conseguiu manter o crescimento bem próximo às projeções otimistas. No melhor cenário, a previsão era de 919 casos confirmados e, na prática, o montante ficou em 904.

Apesar da aparente boa notícia, os estudiosos alertam: “não acreditamos que este menor crescimento se deva às medidas de contenção que foram adotadas, uma vez que o período ainda seria curto para observar efeitos dessas medidas. Acreditamos que a subnotificação, um baixo volume de testagem e a demora nos resultados dos testes confirmatórios possam ter afetado os valores reportados pelo Ministério da Saúde e pelas Secretarias Estaduais, de forma a estarem abaixo do que eles são na realidade”. Para que os gráficos continuem abaixo do esperado, a recomendação do grupo é seguir com as medidas de isolamento social, que se revelaram positivas em outros países.

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Vítima mais jovem tem 25

Renato Souza

24/03/2020

 

 

Um motorista de aplicativo, de 25 anos, morreu em decorrência da Covid-19, em São Paulo. De acordo com a família, Renan Barbosa deu entrada no hospital com dificuldade para respirar. Inicialmente, foi medicado para pneumonia e enviado para recuperação em casa. No entanto, não resistiu à doença e morreu na manhã do último sábado. É o paciente mais jovem a morrer no país em razão da epidemia que atinge o mundo.

O Correio teve acesso à certidão de óbito do paciente, que indica quadro grave de insuficiência respiratória. O documento mostra resultado positivo para Covid-19. O geógrafo Luiz Júnior, 40, primo de Renan, conta que ele chegou a ir ao menos duas vezes ao hospital antes de a doença ser identificada. “Ele começou a sentir uma gripe muito forte. Foi ao hospital e o médico identificou pneumonia. Passou para ele sete dias de antibiótico. Mas ao final desse período, não houve melhora. Retornou e o médico indicou bronquite alérgica. Ele também não melhorou e, na última quinta-feira, fizeram o teste e identificaram Covid-19. Sábado de manhã, ele morreu. À noite, saiu a confirmação”.

Ainda de acordo com Luiz, não houve velório, para evitar contaminação entre os parentes. “Apenas a mãe ficou com ele antes do enterro e o corpo foi cremado. Minha mãe ficou sentida por não poder ter ido. A mãe dele está em observação”. De acordo com a família, Renan tinha um quadro de bronquite, condição que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), pode agravar a saúde de pacientes infectados por coronavírus. Em nota, o Ministério da Saúde informou que “não detalha casos”, mas confirmou que o óbito seria incluído no balanço de casos registrados no país.