Correio braziliense, n.20759, 24/03/2020. Economia, p.7

 

Pacote pode liberar R$ 1,2 tri a bancos

Rosana Hessel

Marina Barbosa

24/02/2020

 

 

O Banco Central (BC) anunciou, ontem, um pacote de medidas para injetar dinheiro no mercado em uma tentativa de mitigar o ambiente de incerteza provocado pela pandemia do novo coronavírus. Segundo o presidente do BC, Roberto Campos Neto, o pacote soma R$ 1,216 trilhão, ou 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB), incluindo ações que ainda estão em estudo. Comparado aos R$ 117 bilhões aplicados no socorro aos bancos durante a crise financeira global de 2008 e 2009, que corresponderam a 3,5% do PIB, o montante é quase 10 vezes maior.
“O BC está absolutamente tranquilo em relação ao que estamos atravessando”, afirmou Campos Neto. Ele reforçou que o “arsenal é grande”, inclusive, para lidar com a desvalorização do real, e descartou o risco de quebra de bancos, como ocorreu no passado. “Em 2008, a incerteza era se o banco ia quebrar ou não. Agora, não falamos disso”, garantiu.
Apesar do volume expressivo das medidas, a confiança no país piorou, lembrou o economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB). A curva de risco subiu novamente para os títulos públicos com vencimento a partir de 2023, variando 1,5% até 5,9%. “Parece que não funcionou”, disse.
Uma das ações anunciadas, ontem, foi a redução temporária, de 25% para 17%, da parcela dos depósitos compulsórios de longo prazo dos bancos, recursos que ficam parados no BC. A medida vale até dezembro e a expectativa é injetar R$ 68 bilhões no mercado de crédito. Em janeiro, o compulsório havia caído de 31% para 25%, o que propiciou a liberação de R$ 135 bilhões. Somadas, as duas decisões podem representar expansão de R$ 203 bilhões em empréstimos. Contudo, esse montante não significa dinheiro na veia da economia, porque é preciso haver demanda pelos recursos.
“No momento, esse tipo de medida é ineficaz para a atividade econômica, e só vai fazer sentido quando a pandemia for controlada”, avaliou o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez. Ele lembrou que um dos termômetros do risco de calote do governo, o Credit Default Swap (CDS) para os títulos públicos de cinco anos, voltou a subir, passando de 335 pontos, na sexta-feira, para 361 pontos, ontem.
Outra medida foi a liberação de empréstimos com lastro em debêntures de empresas, com potencial de R$ 91 bilhões. Na avaliação do ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, Carlos Thadeu de Freitas Gomes, é uma ação perigosa, pois o contribuinte pagará a conta se a empresa quebrar no meio da crise. “O BC está aceitando dívida privada como garantia. Isso é muito arriscado”, alertou. Para Sanchez, o BC tenta criar fluxo para um problema que já existe, de R$ 20 bilhões de debêntures encalhadas. “Ele está buscando fazer o mercado girar”, disse.
Foi criado, ainda, o Depósito a Prazo com Garantias Especiais (DPGE) que, pelas estimativas do BC, permitirá uma expansão da concessão de crédito em R$ 200 bilhões.
Campos Neto também citou a flexibilização das regras das Letras de Crédito Agrícola (LCA), que pode ter impacto de R$ 2 bilhões na liquidez dos bancos. Entre as medidas em estudo, está a concessão de empréstimos com garantia em Letras Financeiras, que poderia liberar R$ 670 bilhões. “Uma nova redução do compulsório e o direcionamento de créditos para pequenas e médias empresas também estão em análise”, disse.
O presidente do BC disse esperar que as medidas ajudem a reduzir os juros para o consumidor. Contudo, o diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel Oliveira, não acredita que isso ocorra. “As medidas amenizam os impactos da crise e dão mais dinheiro aos bancos. Mas não vão ser suficientes para baixar o spread, porque os juros estão subindo e o risco de crédito é maior nesse cenário de incerteza. Com a recessão, o desemprego vai se agravar elevando a inadimplência, que é um dos itens que compõem o custo do dinheiro” explicou.
O economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, elogiou o pacote do BC. “São medidas úteis e importantes, que devem fornecer alguma ajuda — mas o principal ponto não é amparar o sistema em si, e, sim, como levar liquidez às pequenas e médias empresas” afirmou. O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, avaliou que as medidas estão no caminho certo. “Temos que ter uma reserva de liquidez para conseguir suportar possíveis aumentos da inadimplência”, disse.
Clientes podem adiar pagamentos
Clientes dos cinco maiores bancos do país — Banco do Brasil, Caixa, Itaú, Bradesco e Santander — podem suspender por até 60 dias o pagamento das parcelas de financiamentos de imóveis e de veículos, entre outros. A medida, em resposta à crise provocada pelo novo coronavírus, foi determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A Caixa permite que financiamentos com até duas parcelas em atraso sejam congelados. Já para os outros bancos, os cidadãos devem estar com todas as prestações pagas até o momento. Para solicitar o adiamento, os clientes podem acionar os canais de relacionamento remoto das instituições, sem precisar comparecer às agências.

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Mercado e BC veem PIB encolher

24/03/2020

 

 

As projeções de crescimento da economia brasileira continuam se deteriorando — e a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem, reforçou essa percepção. O documento, que explica a decisão de reduzir a Selic de 4,25% para 3,75% ao ano, na semana passada, admite que o corte pode não ter sido suficiente para compensar os “expressivos” efeitos que a pandemia terá na economia brasileira. Além de sinalizar um novo corte na taxa, a ata indicou que o avanço da Covid-19 deve determinar o rumo da Selic em 2020.
O relatório afirma que “as informações disponíveis já são suficientes para evidenciar que a pandemia terá efeito contracionista extremamente significativo sobre a atividade global”. “Nesse contexto, apesar da provisão adicional de estímulo monetário pelas principais economias, o ambiente para as economias emergentes tornou-se desafiador”, diz o Copom.
O mercado financeiro continua ajustando as projeções econômicas à nova realidade recessiva causada pela pandemia. No Boletim Focus divulgado ontem pelo BC, os analistas das maiores instituições financeiras reduziram a perspectiva de alta do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil de 1,68% para 1,48% em 2020. O número, porém, ainda é otimista. Muitos agentes do mercado já falam em PIB zero ou até negativo devida aos impactos econômicos do coronavírus. O Ministério da Economia prevê elevação de 0,02%
De acordo com a ata do Copom, o impacto da Covid 19 na economia brasileira se dará de três formas: “Primeiro, um choque de oferta, derivado da interrupção das cadeias produtivas. Segundo, um choque nos custos de produção, mensurado pela variação de preços das commodities e de importantes ativos financeiros. Terceiro, uma retração de demanda, proveniente do aumento da incerteza e das restrições impostas pela pandemia.” Esse terceiro choque, na opinião do comitê, “tende a ser bastante significativo no horizonte relevante para a política monetária porque os efeitos da pandemia sobre a atividade podem ser expressivos”.
“De acordo com simulações apresentadas na reunião do Copom, para compensar este terceiro efeito, seria necessária uma redução da taxa básica de juros superior a 0,50 ponto percentual”, acrescenta a ata.
“As coisas estão mudando muito rápido”, explicou o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio Souza Leal, que reduziu a perspectiva do PIB para 0%. É o mesmo número apontado pelo Credit Suisse. Já o Itaú, o Goldman Sachs, o JP Morgan e o Banco VC foram mais agressivos nas revisões e colocaram o PIB brasileiro no campo negativo. As projeções variam entre -0,7% e -1,5%.
As incertezas sobre o impacto econômico do coronavírus são grandes. Ao anunciar, ontem, o pacote para injetar liquidez na economia, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu que é difícil calcular o tamanho do baque. “Estamos atravessando um período de grande incerteza. É difícil calcular como se dará a descontinuidade dos serviços", afirmou Campos Neto. Ele observou que a pandemia tem afetado, sobretudo, o setor de serviços, que é responsável por 63% do PIB do Brasil, devido a medidas como o fechamento do comércio e dos restaurantes e ao cancelamento de voos. (MB)
Projeções para o PIB
Focus 1,48%
Ministério da Economia 0,02%
Credit Suisse 0%
Banco ABC Brasil 0%
Itaú Unibanco -0,7%
Goldman Sachs -0,9%
JP Morgan -1%
Banco VC -1,5%