Correio braziliense, n. 20755 , 17/03/2020. Saúde, p.14

 

Crianças também estão morrendo, alerta OMS

Soares Vilhena

17/03/2020

 

 

 Sem dar detalhes sobre a quantidade de vítimas, agência ressalta que não se pode considerar que a Covid-19 é leve entre os mais jovens. Entidade também ressalta que pessoas curadas da infecção seguem transmitindo o vírus por pelo menos 15 dias

Pela primeira vez, a Covid-19 provocou a morte de crianças. A informação foi divulgada ontem pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que não deu detalhes sobre as vítimas. O órgão também alertou que mesmo depois de curadas, as pessoas podem seguir transmitindo o vírus, o que exige um afastamento de indivíduos saudáveis por pelo menos 15 dias. As autoridades da OMS pediram ainda  que países com casos do novo coronavírus realizem testes em todas as pessoas que estejam com suspeitas da doença.

“Essa é uma doença séria. Embora a evidência que temos sugira que aqueles com mais de 60 anos correm maior risco, jovens, incluindo crianças, morreram”, declarou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, em uma coletiva de imprensa em Genebra, sede do órgão. “Sabemos que as crianças podem ser infectadas e que elas podem morrer por essa doença. Não podemos dizer universalmente que é (uma doença) leve em crianças”, completou Maria van Kerkhove, diretora da área de Doenças e Zoonoses Emergentes da OMS.

Segundo a especialista, ainda não foram revelados detalhes relacionados à contaminação de crianças pela Covid-19, mas ela ressaltou que cientistas têm se dedicado ao tema. “O que não sabemos ainda, já que não temos o resultado de enquetes sorológicas, é a extensão da infecção assintomática em crianças”, explicou Van Kerkhove.

Tedros Ghebreyesus também defendeu a necessidade de as pessoas saberem como foram infectadas. Segundo ele, essa informação ajuda nas estratégias de contenção do risco. “Você não pode combater um incêndio com os olhos vendados. E não podemos parar com essa pandemia se não soubermos quem está infectado. Temos uma mensagem simples para todos os países: teste, teste e teste. Teste todos os casos suspeitos”, ressaltou. A entidade enviou quase 1,5 milhão de testes para 120 países. “Estamos trabalhando com empresas para aumentar a disponibilidade de testes para os mais necessitados”, contou Tedros.

Controle da transmissão
O órgão internacional também recomenda que todos os casos confirmados, mesmo os leves, sejam isolados nas unidades de saúde, a fim de evitar a transmissão e fornecer cuidados adequados. “Mas reconhecemos que muitos países já excederam sua capacidade de atender casos leves em unidades de saúde dedicadas. Nessa situação, deve-se priorizar os pacientes mais velhos e aqueles com condições subjacentes”, orientou o diretor-geral. “Alguns países expandiram sua capacidade usando estádios e academias para cuidar de casos leves, com os graves e os críticos sendo atendidos em hospitais. Outra opção é que os pacientes com doença leve sejam isolados e tratados em casa.”

O diretor da OMS lembrou ainda que mesmo que a pessoa não esteja se sentindo mal, pode infectar alguém por até 14 dias. O mesmo acontece com quem se curou da infecção. “Por isso, é preciso respeitar o período de duas semanas após o fim dos sintomas. Visitas não são permitidas”, enfatizou. A doença causou ao menos 7.007 mortes no mundo desde dezembro. São mais de 175,5 mil casos de contágio registrados em 145 países ou territórios. Cientistas estimam que o período entre a infecção pelo vírus e a manifestação dos primeiros sintomas da Covid-19 pode durar até 14 dias.

Dificuldades
Giliane Trindade, pesquisadora do Laboratório de Vírus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acredita que o comunicado da OMS deveria conter informações mais completas sobre a infecção em crianças. “A declaração é muito genérica, não revelam local, números nem em que situação essas crianças morreram. Jogada assim acho que só insufla o medo que estamos sentindo. Eu gostaria de ver algum boletim mais detalhado ou artigo científico descrevendo isso”, criticou.

A médica brasileira também acredita que todos os casos suspeitos devem ser testados, mas a falta de materiais e especialistas para essa tarefa é um grande empecilho, segundo ela. “É um enorme obstáculo. Não temos laboratórios suficientes, insumos suficientes. Com certeza, seria o mundo ideal conseguirmos rastrear melhor os casos, mas não temos estrutura para isso. Outro problema é a demora para esses resultados serem divulgados. O tempo de espera aumenta devido à quantidade de pessoas que precisam passar pelas análises”, explicou.

"Essa é uma doença séria. Embora a evidência que temos sugira que aqueles com mais de 60 anos correm maior risco, jovens, incluindo crianças, morreram”
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde