Valor econômico, v.20, n.4956, 10/03/2020. Brasil, p. A5

 

Previsões para PIB brasileiro podem cair mais

Sergio Lamucci

Bruno Villas Bôas 

10/03/2020

 

 

Com a perspectiva de um impacto maior da epidemia de coronavírus sobre a economia global e o mergulho dos preços do petróleo, aumentou o risco de novas reduções das estimativas para o crescimento brasileiro em 2020. Nas últimas semanas, as projeções caíram para a casa de 1,5% a 2%, devido à piora do cenário externo por causa dos efeitos do vírus e da própria fraqueza da economia brasileira nos últimos meses. Na virada do ano, os mais otimistas viam como possível uma expansão superior a 2,5%.

Na semana passada, o diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, cortou a sua previsão de 2,2% para 1,5%. Com a percepção de que a crise do coronavírus terá efeito um pouco mais longo e mais profundo e o tombo das cotações do petróleo, "a probabilidade de um crescimento abaixo de 1% é crescente", diz ele.

Na visão de Ramos, os efeitos dos dois fenômenos sobre a economia brasileira ocorrem por vários canais: comércio, turismo, fluxos de capitais, piora dos termos de troca (a relação entre preços de exportação e de importação), devido a cotações menores de commodities, além de problemas nas cadeias de suprimentos de bens intermediários e de insumos. Isso afeta a capacidade de produção de setores como o de veículos, o farmacêutico e o de eletrodomésticos. Além disso, há uma piora das condições financeiras, diz Ramos, apontando ainda que eventuais medidas do governo para conter a disseminação do vírus tendem a impactar negativamente a atividade, especialmente no setor de serviços. É o caso de restrições de movimentação nos moldes das adotadas pela China e pela Itália, além de "decisões voluntárias para reduzir interação social".

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) colocou em perspectiva negativa sua projeção para PIB do país, atualmente em 2% para 2020, por causa da epidemia do novo coronavírus, mas considera "prematuro" cenários mais pessimistas para a atividade econômica.

Coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, Silvia Matos diz que os impactos do coronavírus podem ser esperados na indústria e nos investimentos, refletindo dificuldades de importação de insumos da China. Para ela, esses efeitos podem retirar de 0,2 a 0,3 ponto percentual de sua projeção para o PIB. Ela vai aguardar, porém, indicadores da indústria para avaliar a revisão.

"É possível que alguns ramos consigam substituir insumos por outros, desenvolver algum fornecedor, e isso limitar o impacto", disse a pesquisadora, após participar de seminário do Ibre/FGV realizado ontem, no Rio.

Para ela, esses impactos não seriam suficientes, a princípio, para reduzir as projeções de crescimento do PIB de 1,5% em 2020, como parte do mercado vem estimando. A economista lembra que essa taxa anual significa que o país cresceria, em média, apenas 0,25% por trimestre, na série com ajuste sazonal, desaceleração expressiva em relação ao ritmo médio registrado em 2019, de 0,4%.

Na visão de Silvia, os efeitos prolongados do coronavírus sobre a economia mundial e a economia doméstica podem levar o crescimento do Brasil para número próximo de 1%. Como o carregamento estatístico para 2020 é de 0,8%, o número seria um "desastre". Para esse cenário se materializar, porém, seria necessário impacto sobre o setor de serviços, que representa três quartos da economia brasileira.

"A indústria, se o choque passar nos próximos meses, recuperaria isso. Serviços, não. O que acontece hoje na Itália é perda de PIB e não tem o que fazer. Efeito sobre setor de serviços não são recuperáveis, como lazer, turismo. Não temos isso ainda no Brasil. Se acontecer, o crescimento será outro. O crescimento depende de famílias e serviços", diz ela.

Uma das preocupações é como a crise pode afetar a recuperação do mercado de trabalho. Ela lembra que a massa salarial cresceu no ano passado por meio do aumento do número de pessoas empregadas. Para ela, com a economia fraca, mais pessoas podem decidir procurar se ocupar por conta própria, mantendo a informalidade elevada. "Isso é ruim do ponto de vista da renda, da incerteza e do consumo de bens duráveis."

Para Silvia, o governo precisa estar pronto para dar fôlego para as empresas em um cenário mais intenso de crise. Ela diz que empresas vão sofrer e podem fechar as portas. "Flexibilidade de salários, linhas de crédito temporário", sugere a economista. "[A liberação do] FGTS proposta pelo governo é mais do mesmo, mas pode amenizar a situação das famílias".

Para a inflação, Silvia Matos diz que a desvalorização do real ainda não tem se refletido em preços do atacado, uma vez que tem sido compensada pela queda de preços externos.

Na semana passada, o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, baixou a sua projeção de crescimento para 2020 de 2% para 1,7%, e é possível que o número seja novamente reduzido. "Uma crise mais profunda nos próximos meses pode levar a uma revisão para baixo de 1,5%", diz Vale.

Com um efeito mais intenso e mais longo do coronavírus sobre a economia global e o tombo dos preços do petróleo, a economia brasileira é atingida pelos canais do comércio exterior e pelo da confiança, num quadro de maior aversão ao risco, segundo ele. "Isso afeta exportação e investimento", afirma Vale, avaliando que o consumo também é golpeado pelo "efeito confiança", porque "as pessoas ficam com medo de perder o emprego".

No boletim Focus do Banco Central (BC), o consenso de mercado das projeções de crescimento para 2020 caiu de 2,17% para 1,99%. Muitas das principais consultorias e bancos, porém, já estão com números próximos a 1,5% para a expansão do PIB neste ano. Para 2021, a mediana das estimativas dos analistas consultados pelo BC permaneceu em 2,5%.