Valor econômico, v.20, n.4956, 10/03/2020. Especial, p. A14

 

"Vamos transformar a crise em reformas", afirma Paulo Guedes

Claudia Safatle

10/03/2020

 

 

Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, aprovar as reformas é a melhor resposta que o país pode dar à desaceleração da economia mundial, que tornou-se mais aguda com a disseminação do coronavírus. "Minha resposta a esse cenário é de absoluta tranquilidade", disse o ministro a jornalistas. "Vamos transformar a crise em reformas, crescimento e geração de empregos", completou ele a interlocutores logo depois.

Ontem foi um dia de extrema tensão nos mercados. A bolsa teve queda de 12,17%, a ação da Petrobras despencou quase 30% e a taxa de câmbio, que chegou a R$ 4,79 encerrou o dia com o dólar cotado a R$ 4,7282, após leilões de dólares à vista pelo Banco Central.

O ministro descarta qualquer possibilidade de alguma ação oficial de cunho keynesiano como acionar o BNDES para financiar projetos de investimentos. Ele não acredita na eficácia dessas intervenções.

Guedes também rechaça, segundo interlocutores, uma revisão da Lei do Teto de Gasto, por ora. Mas essa pode até vir a ser uma mercadoria de troca: se o Parlamento aprovar as reformas que o ministro propõe, ele até poderia flexibilizar o teto de gasto, dividindo com os deputados e senadores um pedaço do que for economizado daqui por diante com a queda da taxa básica de juros.

A área econômica do governo estima que com a Selic na casa dos 4% ao ano o país poderá economizar cerca de R$ 1 trilhão com o pagamento de juros nos próximos dez anos, montante equivalente ao da reforma da Previdência.

Guedes está confortável com o que ele chama de "4 x 4 com tração nas 4 rodas": Juros básicos (taxa Selic) a 4% e câmbio na casa dos R$ 4,00 por dólar. Esse é um mundo novo que convida para a expansão do consumo e dos investimentos e representa um tremendo incentivo às exportações.

Assim como o Brasil não surfou nos anos dourados da globalização, agora, também não será arrastado para a desaceleração/recessão da economia mundial, acredita o ministro. Por ser um país continental e fortemente fechado, o Brasil tem sua própria dinâmica que não necessariamente coincide com as oscilações das economias mais desenvolvidas.

Ele ainda está convencido de que a economia brasileira poderá crescer 2% este ano se forem aprovadas as reformas estruturais cujas propostas o governo já enviou ou ainda enviará nos próximos dias ao Congresso. Estas vão do projeto de independência do Banco Central ao marco regulatório da área de saneamento, passando pelas PECs do Pacto Federativo e Emergencial. As propostas de reforma administrativa e tributária serão encaminhadas entre esta e a próxima semana. A tributária tratará, primeiramente, da criação do IVA dual como resultado da unificação do PIS e da Cofins e a possibilidade de os Estados, com o ICMS, se juntarem a esse imposto.

Se elas forem aprovadas pelo Congresso, o país poderá se diferenciar dos demais emergentes e atrair investidores estrangeiros para os projetos, sobretudo, de infraestrutura e logística.

Guedes disse, durante a transição de governo, que se a taxa de câmbio chegasse a R$ 5,00 seria a hora de vender uma parcela considerável das reservas internacionais, realizar um bom lucro e resgatar um parte relevante da dívida. O dólar cotado a R$ 4,72, como no encerramento dos negócios ontem, é um atrativo importante para o BC vender reservas.

Antes, porém, de se sentir capaz de enfrentar um eventual ataque especulativo contra o real o governo tratou de melhorar os fundamentos. Um dos objetivos foi conter o aumento exponencial das três grandes despesas públicas: previdência, juros e salários.

Ao contrário do tom pessimista do noticiário sobre a performance da economia no ano passado, o ministro avalia que a atividade está em plena recuperação. Como prova disto ele cita o crescimento de 1,7% do PIB no último trimestre de 2019 contra igual período do ano anterior.

Mais usual, contudo, é confrontar trimestre contra o trimestre imediatamente anterior com ajuste sazonal e, nessa medição, a variação do produto interno foi de apenas 0,5%, com uma ligeira desaceleração sobre a expansão de 0,6% no período anterior.

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Cenário reforça contingenciamento

Fabio Graner 

Daniel Rittner

Lu Aiko Otta

10/03/2020

 

 

O derretimento nos preços do petróleo reforça o cenário de contingenciamento de despesas do governo federal, a ser anunciado até o próximo dia 22. O preço do petróleo é variável importante na estimativa de receita, tanto por via direta, como por indireta, em um quadro no qual a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, pelo menos por enquanto, rejeita a ideia de mudar a política fiscal.

O impacto da queda no preço da commodity energética se dá diretamente na arrecadação de royalties e participações, as chamadas "demais receitas" na estatística da União. Esse efeito também tende a ser sentido nos demais entes federativos, em especial em Estados produtores de petróleo, como o já quebrado Rio de Janeiro.

O tombo nos preços internacionais do petróleo deve resultar em perda de R$ 20 bilhões para os cofres públicos (das três esferas de governo) neste ano, segundo projeções do economista e consultor Adriano Pires, presidente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e especialista na área energética.

Ele estimativa uma arrecadação total com royalties e participações especiais de R$ 57,8 bilhões em 2020. Essa previsão estava baseada em um barril de petróleo a US$ 61,25 no mercado internacional. Agora, com preço médio de US$ 40 no ano, as receitas cairiam para R$ 37,7 bilhões - contando União, Estados e municípios. O barril do Brent e do WTI a menos de US$ 35 é algo que dificilmente vai se sustentar, segundo Pires, porque "só tem perdedor com esse preço".

O impacto indireto da queda no petróleo, por sua vez, está relacionado ao efeito sobre a atividade econômica. Por causa dos resultados decepcionantes do fim do ano passado e do coronavírus, o governo já iria reduzir sua projeção de expansão do PIB para algo ao redor de 2%, dos 2,4% atualmente previstos oficialmente. Um choque dessa magnitude nos preços da commodity pode ter um efeito negativo importante na economia brasileira, ao prejudicar a Petrobras, além dos impactos sobre ativos como dólar e bolsa de valores, que também podem acabar colocando freio na economia real.

A dimensão do corte de despesas que tende a ocorrer ainda não era conhecida pela equipe econômica. Espera-se, por exemplo, a grade de parâmetros macroeconômicos, prometida para depois de amanhã. A possibilidade de bloqueio de gastos já estava contemplada devido a fatores como a retirada da Eletrobras da conta de receitas e a menor expectativa de crescimento do PIB ante o previsto na peça orçamentária.

O eventual bloqueio de despesas ocorre em um momento no qual se elevam as pressões por mais investimentos públicos como forma de enfrentar a crise. Além disso, há um problema de ordem política. O Orçamento já está apertado e cortar gastos pode tornar a situação ainda mais turbulenta.

Fontes da área econômica, contudo, dizem que por enquanto a política fiscal não será alterada, prevalecendo o teto de gastos e a meta de resultado primário. A palavra de ordem na pasta comandada por Paulo Guedes é "calma", enquanto os efeitos da conjuntura adversa sobre a frágil recuperação da economia brasileira são monitorados.

"Temos que ver novamente os efeitos nas projeções. O que piorou o cenário foi essa forte queda no petróleo. O mundo amanheceu muito ruim, mas estamos relativamente melhor que vários outros emergentes", disse um interlocutor do governo. "Vamos com calma. Problema maior de curtíssimo prazo é de liquidez em alguns países. Não é o caso do Brasil. Todo mundo está monitorando e em contato com o resto do mundo", completou a fonte.

Outra fonte governamental acha mínima a chance de que a política fiscal seja acionada e, se isso acontecer, a tendência seria de ser algo "bem na margem, só para não dizerem que não fizeram nada".

O secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, disse ao Valor que o governo não cogita alterar a regra do teto de gastos como forma de lidar com o agravamento da crise internacional. "É fundamental avançar com as reformas e respeitar o teto de gastos."

A adoção de estímulos monetários e fiscais avança no mundo, à medida que crescem os impactos negativos à economia trazidos pelo coronavírus e, agora, pela instabilidade no mercado de petróleo.

Aqui no Brasil, a adoção de estímulos fiscais está fora do cardápio da equipe econômica para lidar com os efeitos da crise. O secretário tem avaliado que o recurso a esse tipo de medida pode agravar o problema do baixo crescimento, em vez de ajudar, dado o quadro fiscal.

Outras fontes governamentais também destacaram nos bastidores a importância de se avançar nas reformas. E enxergam nessa crise uma oportunidade de se facilitar a produção de consensos para o avanço dessas medidas no Congresso Nacional, mesmo diante da instabilidade na relação do Legislativo com o Planalto.

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Nos EUA, Bolsonaro reafirma 'lealdade' a chefe da economia

Paola de Orte

10/03/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro reafirmou sua lealdade ao ministro da Economia, Paulo Guedes, no mesmo dia em que as bolsas brasileira e nos EUA suspenderam as operações de compra e venda devido a uma queda abrupta nos índices.

"Na questão econômica, como disse, confiança acima de tudo. Honrar compromissos buscar retaguardas jurídicas e garantias. Temos na pessoa do Ministro da Economia um homem conhecido dentro e fora do Brasil, o senhor Paulo Guedes. E às suas políticas econômicas somos leais e buscamos implementá-las de todas as formas. Estamos mostrando que estamos no caminho certo. Aqui nos Estados Unidos estamos mostrando isso", disse.

Para ele, a apreensão econômica com o coronavírus está sendo superdimensionada. "O poder destruidor desse vírus talvez esteja sendo potencializado até por questão econômica."

A opinião de Bolsonaro sobre o coronavírus foi proferida durante um evento para empresários brasileiros em Miami - o presidente está nos EUA desde sábado, quando se encontrou com o americano Donald Trump. A declaração sobre a epidemia foi dada no momento em que o mandatário brasileiro argumentava que a economia do país estava indo bem. "Os números vêm demonstrando que o Brasil começou a arrumar sua economia."

Bolsonaro também disse que conversou ontem o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), segundo o qual a "casa fará sua parte".

"Vencemos o primeiro ano com muito sacrifício. Tivemos apoio do Parlamento na reforma previdenciária, a mãe de todas as reformas. Outras duas se apresentam pela frente. Conversei ontem rapidamente com o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e ele falou que, apesar de alguns atritos comuns, o que é muito normal na política, a Câmara fará sua parte, buscando a melhor reforma administrativa e tributária."

Sobre a relação de sua administração com as Forças Armadas, Bolsonaro argumentou que é diferente da que ocorre na Venezuela, onde o regime de Nicolás Maduro governa cercado por generais que o apoiam e o sustentam no poder. O governo brasileiro vem incorporando ao alto escalão um número cada vez maior de membros das Forças Armadas.

"O Brasil teve sucesso também porque teve nas suas Forças Armadas uma grande aliada como pilares da democracia e da liberdade no nosso país. As nossas Forças Armadas não foram cooptadas pelas políticas partidárias, como foram as Forças Armadas da Venezuela."

Bolsonaro também disse que combateu "duramente" a esquerda e que não pode "dar trégua ou oportunidade para eles". "Caso contrário, eles voltam, como voltaram em um importante país para o mundo ao sul da nossa querida América do Sul."

O presidente disse que houve desconfiança por parte dos governos brasileiros "de esquerda" ao longo das últimas décadas com relação aos EUA, mas que isso mudou. Bolsonaro argumentou que família, lealdade ao povo pelo governo, Forças Armadas e Deus são "antídotos contra a esquerda" que quer "escravizar sua população".

"Temos um país agora cujo governo respeita a família. Um governo que deve lealdade ao seu povo. Um governo que valoriza as suas Forças Armadas e um governo que acredita em Deus. Esse é o grande antídoto contra a esquerda, que busca a todo momento apenas a luta pelo poder escravizar sua população. O Brasil está se preparando cada vez mais para enfrentar esses desafios."

Bolsonaro afirmou também que o Brasil é importante para os Estados Unidos, "assim como os Estados Unidos são muito importantes para o Brasil", e que o governo quer restabelecer um eixo Norte-Sul entre os dois países.

Sobre o jantar com o presidente americano, o Bolsonaro afirmou que ele e Trump conversaram sobre muitas coisas, algumas de forma reservada, como a questão da Venezuela.

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Para ministro, vírus foi 'gota d'água' da desaceleração

Mariana Ribeiro

10/03/2020

 

 

Em dia de forte estresse nos mercados internacionais, o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que o mundo já vinha de uma situação de desaceleração sincronizada e o coronavírus foi a "gota d'água" que acentuou essa queda. Apesar disso, pontuou, o Brasil vai na direção contrária, com a economia começando a reacelerar. Ele tornou a dizer que o país tem uma dinâmica própria de crescimento em relação ao restante do mundo.

"Estamos absolutamente tranquilos e confiantes de que a democracia brasileira vai reagir, transformando essa crise em avanço das reformas, mais crescimento e mais emprego. Enquanto o mundo desce, o Brasil vai começar a reaceleração do crescimento", disse em dia de queda nos preços do petróleo e nas bolsas internacionais frente a um temor de maior desaceleração global.

De acordo com Guedes, a melhor resposta do país à instabilidade global é o avanço das reformas, como a administrativa e a tributária, que, segundo ele, serão encaminhadas em breve ao Congresso.

Destacando o peso das reformas, citou propostas ainda não apresentadas pelo governo. Ele afirmou que a administrativa deve ser encaminhada ainda nesta semana, assim que o presidente Jair Bolsonaro retornar ao país, o que está previsto para depois de amanhã. Ele afirmou que a equipe do presidente se debruçou sobre o tema, deu sugestões e Bolsonaro deu aval ao texto. "Agora é questão de oportunidade."

Em relação à tributária, disse que a contribuição inicial do Executivo será encaminhada nesta ou na próxima semana. Guedes destacou também o avanço das propostas de emenda à Constituição (PECs) do Pacto Federativo ao Congresso. Ele defendeu que cada Poder faça a sua parte e fez um apelo pela aprovação das reformas e de projetos como de autonomia do Banco Central e do novo marco do saneamento.

Questionado sobre as dificuldades de articulação política com o Legislativo, o ministro preferiu não comentar. Ele defendeu que os congressistas "descarimbem" o Orçamento se quiserem mais recursos, fazendo referência à ampliação do Orçamento impositivo. "Não é possível querer os benefícios dos recursos sem ter custo político de aprovar as reformas."

Já sobre a alta do dólar, Guedes voltou a dizer que o novo modelo do país é de juros mais baixos e câmbio mais alto. Ele afirmou que, se não houver avanço nas reformas, a volatilidade deverá continuar. Em um cenário de consolidação fiscal, no entanto, a situação pode "se acalmar".

Em relação à venda de reservas pelo Banco Central, disse tratar-se de decisão da autoridade monetária, mas também fez menção à agenda legislativa. "Se as reformas avançam e as pessoas estão tentando comprar dólar, acredito que o BC vá vender [reservas]. Mas, se as reformas não avançam e aí não tem fundamentos a favor, a incerteza continua."

O ministro não deu detalhes sobre sua posição em relação à queda da cotação do barril de petróleo. "Quando o preço do petróleo subiu, todo mundo disse 'greve dos caminhoneiros, terrível, inflação vai voltar'. Aí o preço do petróleo cai e todo mundo vai falar o quê agora?", questionou.