Correio braziliense, n. 20756 , 18/03/2020. Economia, p.9

 

Bem-vindas, mas limitadas

Alessandra Azevedo

18/03/2020

 

 

Especialistas estimam que as medidas anunciadas por Paulo Guedes, na última segunda-feira, não dão fôlego à economia. Reclamação é de que não contemplam setores vulneráveis, necessitados de que a ajuda chegue imediatamente

As medidas apresentadas na última segunda-feira pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para conter os prejuízos com a disseminação do coronavírus são bem-vindas, mas estão longe de dar o fôlego necessário para que a economia consiga reagir, avaliam especialistas ouvidos pelo Correio. Grupos mais vulneráveis e setores que precisam de intervenções com urgência, reclamam que não foram contemplados. Alguns, como o setor de bares e restaurantes, alertam que estão à beira de um colapso.

O governo não anunciou nenhuma medida específica, por exemplo, para socorrer os trabalhadores informais. Pelos dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 38,8 milhões de brasileiros que correm o risco de ficar sem serviço e sem dinheiro. A principal fonte de rendimento desse grupo depende de demanda, restrita em tempos de crise e quarentena. E, sem carteira assinada, esses trabalhadores não têm nenhum tipo de garantia ou auxílio, caso fiquem doentes ou precisem se afastar.

Para diminuir os prejuízos dos mais necessitados, o economista Mauro Rochlin, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que o governo precisa adotar medidas que vão além da regularização do Bolsa Família e das outras providências anunciadas, que, na visão dele, “são gotas para apagar um incêndio”. Pode ser necessário, por exemplo, distribuir alimentos para a população de baixa renda e para trabalhadores informais que ficarem desassistidos.

O economista Ricardo Balistiero, especialista em economia do setor público, sugere políticas ainda mais “caras”, como colocar, literalmente, dinheiro na mão das pessoas, a exemplo do que será feito nos Estados Unidos. “Não sei se, no Brasil vamos fazer isso, mas talvez tenha que se pensar em algo parecido. No momento, temos que tomar medidas urgentes, o que não foge de políticas assistencialistas. É um choque de realidade para o ministro (Paulo Guedes), que agora entende para que serve o Estado”, disse.

O mesmo vale para as mudanças no Bolsa Família. O governo anunciou que vai zerar a fila e colocar mais 1 milhão de famílias no programa de transferência de renda. Mas, para o economista Frederico Gomes, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), falta garantir um aumento temporário nos repasses. Hoje, o governo paga, em média, R$ 191 por mês às famílias cadastradas.

O Ministério da Economia estuda ampliar o valor, mas ainda não anunciou nenhuma medida concreta nesse sentido. “Acho prudente, porque essas famílias são extremamente vulneráveis”, ressalta Gomes. Ele lembra que muitos governos estaduais e municipais estão fechando escolas, o que prejudica crianças carentes. “Muitas delas dependem da merenda. Isso faz toda a diferença no orçamento dessas famílias, que agora estão gastando mais com alimentação”, ressalta.

Colapso
Trabalhadores que têm carteira assinada também podem enfrentar problemas, mesmo com as medidas anunciadas pelo governo, como adiantamento de abono salarial e resgates do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Uma das maiores preocupações é a possibilidade de que empresas precisem fechar as portas e demitir os funcionários. Situação que, segundo o presidente executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, não está longe de acontecer.

“A velocidade em que mudou o quadro é tão alarmante que o setor já está em colapso”, alertou. Ele levou o recado ao presidente Jair Bolsonaro e a Guedes, na última segunda-feira, e afirmou, na ocasião, que o único jeito de evitar desemprego em massa é colocar dinheiro direto no caixa das empresas. Pelos cálculos da Abrasel, é preciso que o governo libere algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão. “Vamos ter que abrir mão da política liberal agora e entender que o momento é de emergência, tem que ser enfrentado por medidas de exceção”, afirmou.

"Temos que tomar medidas urgentes, o que não foge de políticas assistencialistas. É um choque de realidade para o ministro (Paulo Guedes), que agora entende para que serve o Estado"
Ricardo Balistiero, economista estudioso do setor público

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Comsefaz considera liberação insuficiente

Marina Barbosa

18/03/2020

 

 

Os estados brasileiros receberão R$ 432 milhões do Ministério da Saúde para ampliar as ações de enfrentamento ao coronavírus, quantia que creem insuficiente no atual momento de crise sanitária e econômica. Por isso, o Comitê Nacional dos Secretários da Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) propôs sete novas medidas de “saneamento da crise” nas finanças estaduais. Entre elas, a liberação de mais recursos e de novas linhas de crédito, além da suspensão do pagamento de juros das dívidas com a União.

Presidente do Comsefaz, o secretário da Fazenda do Piauí, Rafael Fonteles, explicou que o repasse anunciado pelo governo federal no início desta semana é “importante, mas insuficiente”. Isso porque os R$ 432 milhões serão distribuídos de acordo com o número de habitantes de cada unidade da Federação –– média de R$ 2 por pessoa. Mas há secretários dizendo que, inicialmente, seriam necessários pelo menos R$ 4,50 por cidadão. Afinal, a Covid-19 segue se espalhando e as economias estaduais também serão afetadas pela doença.

“As primeiras projeções demonstram quedas substanciais da arrecadação, perdas de receita acima de 15%”, observou Fonteles, lembrando que essa redução na receita pode afetar o atendimento à população e também as medidas de controle do coronavírus. “Isso afeta os serviços públicos em geral. Por isso, a situação é tão relevante”, frisou.

Ainda de acordo com Fonteles, os secretários estaduais da Fazenda estão calculando o impacto exato da perda de receita. Por causa disso, divulgaram uma carta, assinada pelos 27 responsáveis pelas finanças dos estados e do DF, com sete pedidos ao governo federal.

De várias medidas, o Comsefaz pede a liberação emergencial de mais recursos para as secretarias estaduais de Saúde e para “reforçar a capacidade financeira dos estados”. Afinal, como lembrou Fonteles, os estados, ao contrário da União, não podem emitir títulos para se financiar e compensar a perda de receita provocada pela doença –– ou se financiam por meio de operações de crédito ou por transferências da União.

Para tentar garantir um pouco mais de caixa, os secretários ainda pedem um alívio no pagamento de suas dívidas com a União, tal como a oferecida às empresas. Para isso, sugerem a “suspensão dos pagamentos de amortização e juros de dívidas com União e bancos públicos, assim como das operações de crédito com aval da União, por 12 meses, postergando os prazos de amortização das operações de crédito enquadradas por igual período”.

Também foi solicitada a liberação de mais crédito para os estados, seja através da criação de “linhas de crédito do BNDES, com aplicação em custeio da saúde e investimentos em obras” ou da “liberação de limites e condições para contratação de novas operações de crédito, (...) permitindo, inclusive, a securitização das operações de créditos para os estados”. O Comsefaz ainda cobrou a aprovação do Plano Mansueto, que pode melhorar a avaliação de crédito dos estados.

Os secretários propuseram, ainda, o “rebaixamento da meta de superavit primário do governo federal, para que não haja ameaça de contingenciamento no momento em que o Sistema Único de Saúde mais precisa e precisará de recursos que impactam diretamente nas prestações estaduais do gênero”.

Essa proposta foi, inclusive, comentada pelo secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida –– disse que, se for preciso, o governo federal garantirá mais dinheiro para o enfrentamento do coronavírus, mesmo que para isso precise mudar a meta primária de 2020, que prevê um deficit primário de R$ 124,1 bilhões do governo central. “Tudo isso deveria ser feito em conjunto, porque não adianta permitir a securitização e não melhorar a avaliação dos estados, por exemplo”, salientou Fonteles.

R$ 4,50
é quando deveria ser o gasto per capita, em vez dos R$ 2 que sairão dos R$ 432 milhões a serem distribuídos de acordo com o número de habitantes de cada unidade da Federação