Título: De volta às ruas
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 24/11/2012, Mundo, p. 20

Manifestantes enfrentaram a polícia do Cairo e de Alexandria para protestar contra decreto que dá amplos poderes ao presidente Morsy

A praça Tahrir, no centro do Cairo, ícone da revolução egípcia que derrubou o ex-ditador Hosni Mubarak, voltou a ser ocupada por milhares de ativistas indignados com a decisão do presidente Mo- hamed Morsy de aumentar os próprios poderes. A pressão dentro e fora do Egito levou o mandatário a se pronunciar sobre o decreto anunciado na quinta-feira, que garante a ele liberdade para governar sem sofrer questionamentos legais. Diversos países ocidentais se manifestaram pedindo mais atenção ao processo democrático (leia ao lado). Em um longo discurso, Morsy disse aos seus colegas de partido, reunidos no Palácio Presidencial, que a decisão foi tomada para garantir a liberdade e a democracia e se autoproclamou um defensor da estabilidade política, econômica e social. "Eu sempre estive, ainda estou e sempre estarei, se Deus quiser, com o povo, é o que o povo quer, com uma clara legitimidade", declarou.

Protestos contra Morsy e contra a Irmandade Muçulmana, organização fundamentalista da qual o presidente faz parte, foram registrados em diversas cidades do país. Grupos se manifestaram em frente à sede do Partido da Liberdade e da Justiça (PLJ), legenda do presidente, e incendiaram três delas, nas cidades de Suez, Ismailiya e Port Said, conforme informou a imprensa local. Ao mesmo tempo, centenas de manifestantes apoiadores de Morsy também saíram às ruas, o que, em cidades como Alexandria, causou conflitos entre os grupos contrários. No Cairo, as manifestações contra e a favor do governo foram realizadas em locais separados. Segundo movimentos ativistas, nenhuma morte foi registrada, mas dezenas de pessoas ficaram feridas.

Nas ruas das maiores cidades do Egito, a população lutava contra o que foi considerado por muitos um ato antidemocrático e uma tentativa de usurpar o poder conquistado pelo povo. "O Egito ainda está muito maculado pelo que aconteceu na Primavera Árabe, o que torna as pessoas mais suscetíveis a qualquer tipo de mudança política brusca", explica Guilherme Casarões, especialista em Oriente Médio da Fundação Getulio Vargas (FGV)

Relato

A resposta ao decreto de Morsy foi grande e imediata, mas não registrou o alto nível de violência vivido no país em 2011, quando Mubarak foi deposto após 30 anos no poder. "Está tudo muito mais calmo do que nos protestos anteriores. A polícia responde a ataques, principalmente de pedras, com bombas de gás lacrimogêneo, mas eu diria que não está perigoso", conta, pelo telefone, o ativista de 22 anos, que se identifica apenas como Abdu-khalim. Cerca de 30 grupos políticos que já se encontravam na cidade para o protesto "Olhos da Liberdade", que cobra demandas do governo, fizeram coro aos protestos na Praça Tahrir. Olhos da liberdade faz referência ao grande número de manifestantes que perderam os olhos durante os confrontos da Primavera Árabe.

Morsy busca mais liberdade para governar e justifica o decreto presidencial afirmando que parte do Congresso estava bloqueando a implantação das reformas democráticas, que se fazem necessárias depois de muitos anos sob regimes autoritários.

Para Casarões, ainda não é possível ter certeza das intenções do presidente, mas dificilmente ele tentaria frear a busca pela democracia de forma tão explícita. "É importante que o presidente tenha o mínimo de garantias de que aquilo que ele quer ver aprovado não será bloqueado por um parlamento contrário às suas vontades. O que ele quer evitar é a paralisia decisória, comum a várias democracias que surgem", pontua.

Os ministros da Defesa e do Interior convocaram para hoje

uma reunião de emergência para tentar amenizar a crise que toma conta do país e divide apo- pulação. Motivado pelo decreto de Morsy, o assessor presidencial Samir Morcos, um cristão Copta, deve pedir hoje sua demissão. A ação deve complicar ainda mais as consequências políticas do decreto. Segundo a imprensa egípcia, ele foi consultado antes de Morsy anunciar o aumento do controle do país na figura do presidente.