Correio braziliense, n. 20761 , 26/03/2020. Política, p.2/3

 

Estados desafiam presidente e mantêm restrições

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

Sarah Teófilo

Bruna Lima

26/03/2020

 

 

Num momento em que o país precisa de união para combater a pandemia do coronavírus — responsável por 57 mortes e mais de dois mil infectados até agora no país —, os governos federal e estaduais estão com relações abaladas. Com uma postura de minimizar a Covid-19 e criticar medidas tomadas por estados e municípios para evitar a disseminação da doença, o presidente Jair Bolsonaro entrou em conflito com quase todos os chefes de Executivos dos entes federativos.
 
Depois de criticar — em pronunciamento em rede nacional, na terça-feira — os governantes que fecharam comércio e escolas, Bolsonaro voltou à carga ontem. Chamou a atitude de chefes de Executivos de “demagogia barata” em cima da crise. Os alvos principais dele foram Wilson Witzel (PSC), do Rio de Janeiro, e João Doria (PSDB), de São Paulo. “Para esconder outros problemas, se colocam junto à mídia como os salvadores da pátria, como messias que vão salvar os seus estados e o Brasil do caos. Fazem política o tempo todo”, disparou, à porta do Alvorada, ontem. “O que estão fazendo no Brasil, alguns poucos governadores e alguns poucos prefeitos, é um crime. Eles estão arrebentando com o Brasil, estão destruindo empregos. E falam: ‘Ai, a economia é menos importante do que a vida’. Cara-pálida, não desassocia uma coisa da outra. Sem dinheiro, sem produção, o povo do campo também vai deixar de produzir. Nós vamos viver do quê?”
 
Os ânimos se acirraram de vez durante a videoconferência de Bolsonaro com os governadores do Sudeste. Isso porque Doria e Witzel, possíveis candidatos às eleições de 2022, vêm trocando farpas com o presidente desde o passado. A reunião foi marcada por um bate-boca entre Bolsonaro e Doria. O governador iniciou sua fala lamentando o pronunciamento do chefe do Planalto, na terça-feira. “O senhor, como presidente da República, tem de dar o exemplo. Tem de ser mandatário para comandar, para dirigir, liderar o país, e não para dividir”, disparou.
 
O presidente, por sua vez, disse que, em 2022, ano de eleições para a Presidência, Doria poderá “destilar todo o ódio e demagogia”. “Vossa excelência não é exemplo para ninguém. Não aceito, em hipótese alguma, essas palavras levianas”, rebateu.
 
Já Witzel, após a videoconferência, evitou críticas a Bolsonaro. Ainda assim, em entrevista coletiva, reiterou pedido para que a população fique em casa até o próximo dia 4, quando será reavaliada a situação do Rio de Janeiro, com possibilidade de ajuste nas atividades produtivas.
 
“Não queremos acabar com as empresas, exterminar empregos. Queremos preservar vidas. Ressuscitar a economia, a gente consegue. Ressuscitar quem morreu é impossível”, argumentou. “A determinação é clara: fique em casa. Peço encarecidamente àqueles que ouviram o pronunciamento ontem (terça-feira), que aguardem. Pronunciamento não tem validade jurídica, pronunciamento é opinião política”, acrescentou.
 
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), afirmou, por sua vez, que manterá as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e que sua “prioridade é salvar vidas”. Ele reconheceu a preocupação com a questão econômica. “É importantíssimo nós termos algumas medidas nesse sentido com uma certa urgência. Minas Gerais é um estado que está sendo seriamente impactado. Vamos ter, caso essa situação perdure, uma queda na arrecadação de ICMS na ordem de R$ 7,5 bilhões. Isso seria catastrófico para o nosso estado”, alertou.
 
Reunião nacional
Ontem à tarde, governadores de 26 unidades da Federação — à exceção de Ibaneis Rocha (MDB), do DF — reuniram-se, também por videoconferência. Foi Doria quem articulou o encontro. Ao fim da conversa, eles escreveram uma carta a Bolsonaro, na qual desejam que ele “tenha serenidade e some forças com os governadores na luta contra a crise do coronavírus e seus impactos humanitários e econômicos”.
 
Eles concordaram em manter medidas para controlar a circulação de pessoas e fizeram pedidos, como a suspensão, por 12 meses, do pagamento das dívidas dos estados com União, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para aplicação em serviços de saúde e investimento em obras, redução da meta de superavit primário do governo federal e aplicação da Lei 10.835/2004, que institui a renda básica de cidadania, a fim de propiciar recursos destinados a amparar a população economicamente vulnerável.
 
Participou do encontro o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele ouviu outro apelo dos governadores: o de que a Casa agilize a aprovação do Plano Mansueto, proposta de socorro a estados e municípios. “Essa foi uma pauta urgente dos governadores, e nós vamos trabalhar para que ela seja aprovada no início da semana (que vem)”, disse o deputado.
 
Até então aliado de Bolsonaro, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), criticou o pronunciamento de terça-feira do presidente e sinalizou rompimento com ele. “Fui aliado durante todo o tempo, mas não posso admitir que vem agora um presidente da República lavar as mãos e responsabilizar outras pessoas por um colapso econômico, uma falência de empregos que venha a acontecer”, reprovou. “Não faz parte da postura de um governante. Um estadista tem de ter a coragem de assumir as dificuldades.” Caiado afirmou que, assim como o presidente, agora só se entrará em contato com ele por meio de comunicados oficiais.
 
Ibaneis
Primeiro governador a decretar medidas de restrição no combate ao coronavírus, como suspensão de aulas e fechamento do comércio, Ibaneis Rocha foi diplomático ao comentar o pronunciamento de Bolsonaro. Para ele, o chefe do Executivo federal tem razão em parte ao defender que o país não pode parar: “Não é hora de politizar ou polemizar. Bolsonaro tem parte da razão. Afinal, muitos municípios pequenos, sem qualquer caso de coronavírus, estão fechando”. Ibaneis ressaltou, porém, que essa não é a realidade em todas as localidades. “De outra parte, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília têm situações diferenciadas. Eu vou manter o meu foco em cuidar das pessoas. Acredito e preciso do apoio do Ministério da Saúde e da Economia.” (Colaborou Ana Maria Campos)
 
OMS ressalta perigo
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, foi questionado ontem sobre as declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro de que a doença seria similar a um resfriado. Ele comentou que em várias nações há muita necessidade agora de atendimentos de urgência, por causa da doença. “Em muitos países, o coronavírus é uma doença muito séria”, frisou. “A responsabilidade é de todos, especialmente a liderança política. O governo inteiro deve estar envolvido.”
   
“Não é hora de politizar ou polemizar. Bolsonaro tem parte da razão.  Afinal, muitos municípios pequenos, sem qualquer caso de coronavírus, estão fechando (…). De outra parte, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília têm situações diferenciadas”
  
Ibaneis Rocha, governador do DF
  
“O senhor, como presidente da República, tem de dar o exemplo. Tem de ser mandatário para comandar, para dirigir, liderar o país, e não para dividir”
  
João Doria, governador de SP
  
“Não queremos acabar com as empresas, exterminar empregos. Queremos preservar vidas. Ressuscitar a economia, a gente consegue. Ressuscitar quem morreu é impossível”
  
Wilson Witzel, governador do RJ
  
“Dizer que isso é um resfriadinho, uma gripezinha. Ninguém definiu melhor do que 
o (Barack) Obama: ‘Na política e na vida, a ignorância não é 
uma virtude’”
  
Ronaldo Caiado, governador de GO
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Presidente fala em caos, e Maia dá alfinetada

Ingrid Soares

Luiz Calcagno

26/03/2020

 

 

Apesar da repercussão negativo do pronunciamento feito na terça-feira à noite, o presidente Jair Bolsonaro voltou a dizer, ontem, que o Brasil não pode parar e defendeu a reabertura do comércio. “Trinta e oito milhões de autônomos já foram atingidos. Se as empresas não produzirem, não pagarão salários. Se a economia colapsar, os servidores também não receberão”, escreveu no Twitter. “Devemos abrir o comércio e tudo fazer para preservar a saúde dos idosos e portadores de comorbidades.”
 
A postagem acompanha um vídeo que fala sobre as próximas medidas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e que o norte-americano promete reabrir o país. Em uma outra publicação, Bolsonaro compartilhou também um vídeo de um homem no Japão, na qual ele mostra que não há confinamento e que as lojas funcionam mesmo diante da pandemia da Covid-19. O presidente aproveitou e escreveu a seguinte legenda: “O vírus no Japão. Se a política de isolamento continuar, teremos o caos e o vírus juntos”.
 
Antes de deixar o Alvorada, também ontem de manhã, o chefe do Executivo disse que se a economia colapsar não haverá verba para pagar o servidor público. “O caos está aí, na nossa cara. O caos está aí. Detalhe: se tivermos problemas, que poderemos ter, os mais variados no Brasil, como saques a supermercados, entre outras coisas, o vírus continuará entre nós também”, ressaltou. “O que precisa ser feito? Botar esse povo para trabalhar. Preservar os idosos, preservar aqueles que têm problema de saúde. Mais nada além disso, caso contrário.”
 
Bolsonaro citou Trump e disse que estão alinhados. “Ontem (terça), ouvi um relato das palavras do presidente dos Estados Unidos, está numa linha semelhante à minha. (…) Pelo que tudo indica, ele vai abrir a partir de hoje os postos de trabalho”, destacou. “Se nós colocarmos no nosso colo o problema do vírus, que este vírus, inclusive, eu queria que não matasse ninguém, mas outros vírus mataram muito mais do que este. Não teve essa comoção toda. Se ele não fizer isso lá e nós não fizermos aqui, será o caos. Será o fim dos Estados Unidos e do Brasil.” Na verdade, o plano do líder americano é fazer a reabertura na Páscoa, dia 12 de abril.
 
Pressão
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), creditou a postura de Bolsonaro, de pregar o fim do isolamento, ao interesse de investidores da Bolsa de Valores. “Nas últimas semanas, tivemos uma pressão muito grande de investidores que colocaram recursos na Bolsa de Valores esperando prosperidade. A Bolsa caiu, como caiu no mundo todo, pois é uma crise mundial. Não é só do Brasil. E um jornal do campo econômico começou a falar sobre a necessidade de não ter isolamento”, destacou. “Mas a gente não pode ouvir os investidores que estão perdendo dinheiro por risco. Risco, é assim, você ganha e você perde. A gente não pode colocar a vida de brasileiros em risco por uma pressão de parte de brasileiros que investiram e estão perdendo dinheiro.”
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Mourão defende distanciamento soacial

Alessandra Azevedo

26/03/2020

 

 

Na contramão do que prega Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu o isolamento. Ele afirmou que o chefe do Executivo “pode ter se expressado de uma forma que não foi a melhor” ao tentar “colocar a preocupação que todos nós temos com a segunda onda”, que foca nos prejuízos econômicos da pandemia no Brasil. A primeira onda, segundo ele, seria o impacto na saúde da população.

O vice-presidente disse que a “posição do governo, por enquanto, é uma só”: de defender o distanciamento social. O ideal, segundo ele, é o isolamento horizontal — ou seja, que se afastem das atividades não apenas pessoas que fazem parte do grupo mais vulnerável, como idosos e pessoas com doenças pré-diagnosticadas, mas todos os que puderem ficar em casa.

“A minha visão, por enquanto, é que temos de terminar este período que estamos em isolamento para que haja calibragem da forma como está avançando a epidemia no país”, defendeu. Depois dessa avaliação, será possível “gradativamente, ir liberando as pessoas dentro de atividades essenciais para que a vida do país prossiga”.

O presidente, “por enquanto”, respeita as recomendações do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, acrescentou o vice. Mourão entende que “existe uma discussão no mundo entre o isolamento horizontal e o isolamento vertical”. O segundo prevê o afastamento apenas das pessoas do grupo de risco e as que convivem com elas, como defendeu Bolsonaro.

Mourão minimizou a indisposição do presidente com governadores que defendem o isolamento, ao dizer que isso “faz parte da política”. “Ela, muitas vezes, nos coloca em polos opostos. Existe um ambiente de cooperação entre governos estaduais e federal, porque temos de estar unidos para vencer esta epidemia com menor dano possível à população”, enfatizou.

Heleno volta ao trabalho

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, retornou aos trabalhos no Planalto. Após passar por exames no último dia 17, ele testou positivo para o coronavírus. Ontem de manhã, o ministro participou de uma videoconferência com o presidente Jair Bolsonaro e com governadores do Sudeste. Segundo o próprio Heleno, desde o dia 18 estava assintomático e ficou uma semana cumprindo isolamento. De acordo com a assessoria do GSI, o general retornou com autorização médica. Ele fez parte da comitiva que acompanhou Bolsonaro em viagem aos Estados Unidos. Até o momento, 23 integrantes da delegação testaram positivo.