Título: Israelense mata palestino
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 24/11/2012, Mundo, p. 21
Hamas considera o incidente, no sul da Faixa de Gaza, como violação do cessar-fogo. Tropas admitem disparos
0 palestino Anwar Abdelhadi Qdeih, de 22 anos, chegou já sem vida ao hospital de KhanYounis. A bala entrou pela boca, provocando um grave sangramento. "Ele era um agricultor e tinha se dirigido à sua terra, perto da fronteira com Israel. Infelizmente, enquanto trabalhava no local, foi baleado pelos soldados israelenses", afirmou ao Correio, por telefone, Youseef Abou Rich, um dos médicos que recebeu o corpo de Qdeih e atual diretor-geral dos 13 hospitais da Faixa de Gaza. "Ele foi atingido diretamente no rosto", acrescentou. Foi a segunda violação do cessar-fogo, em vigor desde as 17h de quarta- feira (hora de Brasília), e a primeira cometida por Israel — os militantes do movimento funda- mentalista islâmico Hamas já haviam disparado foguetes contra cidades israelenses, minutos depois do início da trégua. Além da morte de Qdeih, outros 20 palestinos ficaram feridos, no incidente ocorrido no vilarejo de Khuza"a, na região de Khan Yunis (sul da Faixa de Gaza).
As Forças de Defesa de Israel (IDF, pela sigla em inglês) reconheceram que seus militares dispararam contra um "grupo de palestinos que tentou violar a cerca fronteiriça". Por meio de um comunicado, as IDF afirmaram que os soldados atiraram inicialmente para o ar. No entanto, como o alerta foi ignorado, eles miraram suas armas em direção às pernas dos "suspeitos" e apertaram o gatilho, a partir do posto militar de Kisufim. "Fizemos esforços para dispersar os desordeiros e, quando eles se recusaram a sair, tiros de advertência foram dados. Em torno de 300 baderneiros danificaram a cerca e tentaram invadir o território de Israel", declararam as IDF.
Ahmed Qdeih, um parente de Anwar, disse à agência Reuters que ele "tentava colocar uma bandeira do Hamas na cerca, quando foi baleado. "O Exército disparou três vezes, para cima. Anwar gritou "Jaabari está atrás de vocês", e então eles o balearam na cabeça", contou, em referência a Ahmed Jaabari, líder do Hamas morto por Israel, em 14 de novembro.
Sami Abu Zuhri, um dos porta-vozes do Hamas, acusou Israel de desrespeitar o acordo firmado no Cairo. "Nós vamos contatar o mediador egípcio para discutir o incidente. (...) Os disparos do ocupante foram efetuados diretamente contra os agricultores que retornavam para suas terras na zona fronteiriça. É a primeira violação israelense à trégua", criticou Zuhri. Na tentativa de preservar o cessar-fogo, o grupo radical mobilizou policiais para remover os palestinos de uma área proibida, na fronteira.
Sem provocação
De acordo com o ativista palestino Khalil Abu Shamala, diretor do Centro Addameer para Direitos Humanos (na Cidade de Gaza), Qdeih e os demais jovens estavam a poucas centenas de metros do território israelense. "Eles estavam brincando, gritando e confronto. Não estavam numa missão de confrontação com as tropas nem fazendo qualquer provocação", comentou à reportagem, por telefone. "É claro que isso foi uma violação do cessar- fogo, e os egípcios são responsáveis por isso", emendou.
Questionado sobre o fato de os soldados terem atirado contra as pernas dos 300 manifestantes, Abu Shamala foi irônico. "Eles podem alegar o que quiserem, mas o fato é que uma pessoa foi morta."
Diretor do Comissariado Independente para os Direitos Humanos, Salah Abdel-Atti garantiu que Qdeih apenas pretendia retornar à sua terra. "Eu não creio que isso deflagrará uma onda de violência, pois Israel não seria estúpido de fazê-lo, por causa do acordo no Cairo", disse ao Correio. O deputado palestino Mus- tafá Barghuti denunciou "uma violação muito grave do cessar- fogo". "Se essas ações não pararem imediatamente, Israel corre grave risco de fazer com que a precária trégua desmorone." Ahmad Yousef—líder do Hamas — disse que a facção pretende se reunir com o Fatah depois de quinta-feira, quando o presidente, Mahmud Abbas, apresentará à ONU a demanda para a adesão da Autoridade Palestina, no status de membro observador.
Zona-tampão
"Um dos itens do acordo de cessar-fogo firmado no Egito entre Israel e o Hamas aborda a chamada zona- tampão—um
corredor de 300m de largura, ao longo da fronteira, que é proibido para a circulação de pessoas. No entanto, os agricultores de Khan Younis garantiram que o trânsito na área tinha sido liberado e, por isso, foram checar como estavam suas terras. Alguns jovens se aproximaram demais da fronteira e as forças de Israel dispararam. O problema é que o acordo determina que, com o fim da guerra, a zona-tampão é abolida, e as pessoas podem ir até suas terras."
» Khalil Abu Shamala,
diretor do Centro Addameer para Direitos Humanos (na Cidade de Gaza)