Título: Mais protestos pela frente
Autor: Pedreira, Vinícius
Fonte: Correio Braziliense, 25/11/2012, Mundo, p. 25

Jovens e opositores de Morsy montaram tendas no Cairo e planejam outras manifestações contra decreto presidencial

Pelo segundo dia seguido, a Praça Tahrir, no centro do Cairo, foi tomada por manifestantes insatisfeitos com a decisão do presidente egípico, Mohamed Morsy, de ampliar seus poderes. Segundo a agência de notícias Reuters, um balanço das ações de sexta-feira indicou que mais de 300 pessoas ficaram feridas. Além disso, escritórios da Irmandade Muçulmana, o partido de Morsy, foram atacados em pelo menos três cidades diferentes. Ontem, foram montadas cerca de 30 tendas na praça, e representantes de 26 movimentos e pequenos partidos políticos anunciaram que farão o sit-in, protesto no qual os participantes ficam sentados e bloqueiam acessos públicos.

Em diversas outras regiões do país, houve confrontos entre jovens e policiais, que chegaram a utilizar gás lacrimogêneo para dispersar as aglomerações. Os manifestantes incendiaram também algumas instalações da Irmandade Muçulmana, após enfrentamentos com partidários do chefe de Estado. Em Sharm el Sheikh, na região do Mar Vermelho, foram dados gritos de “Não a uma revolução combinada com autoritarismo”.

As insatisfações no país também alcançaram a maior autoridade de Justiça, o Conselho Superior da Magistratura Judicial, que considerou as atitudes de Morsy um “ataque sem precedentes contra a independência do Poder Judiciário e de suas decisões”. O decreto afirma que o procurador-geral será nomeado pelo presidente e impede autoridades desse poder de dissolver a câmara alta do parlamento. De acordo com agência estatal Mena, o Conselho questionou o presidente, em comunicado, por ter “decretado tudo que viola a autoridade judicial”. Em repúdio, magistrados de Alexandria decidiram entrar em greve, mantendo os juizados e a promotoria fechados, até que as medidas sejam revogadas.

Partidos de oposição — esquerdistas, liberais e socialistas — convocaram um novo protesto para a próxima terça-feira, afirmando que será uma marcha para “derrubar o ato constitucional fascista e déspota”. Os manifestantes sairão de diversas regiões do Egito para se encontrarem na Praça Tahrir, símbolo dos protestos que derrubaram o ex-ditador Hosni Mubarak em fevereiro de 2011.

Justificativa

De acordo com o professor de ciências políticas da Universidade da Califórnia Steven Fish, as decisões do presidente Morsy não devem dar origem a sanções internacionais contra o Egito. “Ele é o presidente legitimamente eleito, foi escolhido livremente pelo povo egípcio, assim como o parlamento do país”, disse ao Correio. Para o especialista, os decretos do presidente podem ser justificáveis como uma forma de esforço de transferência do poder dos militares para os políticos civis eleitos. No entanto, Fish alerta que, assim como a opinião pública mundial, o ceticismo de opositores e ativistas são justificáveis. “A ação faz aumentar o espectro de imperiosidade presidencial. O problema não é Morsy simplesmente, ou seu desejo de redução do poder militar. A questão é que parece que ele mostra uma mudança na política egípcia longe de um sistema do qual o presidente, a legislatura e o judiciário exercem, cada um, um poder considerável”, afirma.

O estudioso também ressalta que buscar a concentração de poderes em detrimento da autoridade legislativa pode sinalizar um risco à democracia. “A experiência mundial das últimas décadas demonstra que os presidentes cujos poderes não eram limitados pela forte presença da legislatura podem ser grandes inimigos dos sistemas democráticos” analisa. Para Fish, se Morsy concordar sobre a elaboração de nova Constituição na qual a legislatura exerça seu direito exclusivo de redigir leis, isso significará que o Executivo não pretende se sustentar com decretos. Dessa forma, o presidente demonstraria que respeita as prerrogativas legislativas e que não está inclinado ao autoritarismo. “No momento, entretanto, não acredito haver motivos de preocupação de que o Egito possa estar caminhando na direção da criação de um sistema tal como existe na Rússia, onde o presidente essencialmente controla toda a vida política”, opina.

“Ele é o presidente legitimamente eleito, foi escolhido livremente pelo povo egípcio, assim como o parlamento do país”

Steven Fish, professor de ciências políticas da Universidade da Califórnia