Título: Cachoeira deixa a prisão após 265 dias
Autor: Campos, Ana Maria; Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 21/11/2012, Política, p. 2

Juíza condena o bicheiro a cinco anos de cadeia por tentar se infiltrar no contrato de bilhetagem eletrônica do transporte público do DF, mas contraventor ganha o direito de recorrer em liberdade

Depois de quase nove meses atrás das grades, o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, foi colocado em liberdade. Ele deixou a Penitenciária da Papuda à 0h05 de hoje e, segundo a mulher, Andressa Mendonça, seguiria para Goiânia, onde se encontraria com os três filhos, de 9, 11 e 12 anos, que não via desde a prisão, em 29 de fevereiro. Em frente ao presídio, antes de encontrar Cachoeira, Andressa comemorou a libertação e disse que só queria dizer pessoalmente “o quanto o amava”.

Com a conclusão da instrução do processo da Operação Saint-Michel referente a um esquema montado no Distrito Federal para abocanhar o milionário contrato de bilhetagem eletrônica no transporte público, a juíza Ana Cláudia Barreto, da 5ª Vara Criminal de Brasília, considerou que o bicheiro não tem mais como influenciar testemunhas e atrapalhar a coleta de provas.

“A Justiça começou a ser feita. A defesa está convicta que ele não cometeu os crimes que lhe foram imputados. Vamos recorrer e, como ele já cumpriu mais de seis meses de prisão, não ficaria nem no regime semiaberto, mas no aberto”, disse o advogado de Cachoeira, Nabor Bulhões, momentos antes de o cliente deixar a Papuda.

O alvará de soltura foi expedido no dia em que a magistrada condenou o bicheiro a cinco anos de prisão em regime semiaberto, além do pagamento de multa correspondente a R$ 155,5 mil pelos crimes de formação de quadrilha e tráfico de influência. É a primeira sentença contra Cachoeira desde que vieram à tona, em fevereiro, com a Operação Monte Carlo, as denúncias de que o contraventor liderava uma máfia em Goiás e no Entorno, com ramificações no poder público, o que motivou a abertura de CPI no Congresso.

Na sentença, a juíza acatou os fundamentos e os elementos de prova compartilhados pelo Ministério Público Federal com os promotores de Justiça do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) do Ministério Público do DF. Escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal (PF) revelaram um intenso movimento de Cachoeira para conseguir o contrato do DFTrans que prevê a tercerização da exploração da operação do transporte público por meio de um sistema sofisticado de informática. Cachoeira queria entregar o negócio de cerca de R$ 60 milhões por mês para a Delta Construções, empresa que havia conseguido entrar no DF por meio de contrato de limpeza pública, hoje considerado ilegal e extinto. Dois ex-diretores da Delta, Cláudio Abreu, responsável pelo Centro-Oeste, e Heraldo Puccini Neto, gerente em São Paulo, também foram condenados a cinco anos de prisão por quadrilha e tráfico de influência.

A sentença abrange ainda o ex-servidor da Secretaria de Planejamento Valdir Reis, o contato da quadrilha com o Governo do Distrito Federal. A quebra do sigilo bancário mostrou que Reis recebeu pelo menos R$ 80 mil como pagamento pela intermediação de encontros entre o grupo de Cachoeira e integrantes do Executivo local, entre os quais, o secretário de Transportes, José Valter Wasquez, testemunha no processo.

Segundo a Justiça, Reis recebeu pagamentos por meio de empresas laranjas do esquema, como a Adecio & Rafael, abastecida com recursos da Delta nacional. No computador dele, promotores de Justiça do DF encontraram, durante busca e apreensão da Operação Saint-Michel, o projeto do sistema de bilhetagem que teria sido elaborado pelo grupo de Cachoeira. O ex-servidor mantinha um trânsito tão fácil no anexo do Palácio do Buriti que ostentava um crachá de servidor do GDF.

Foragido Outras quatro pessoas, entre as quais o vereador Wesley Clayton da Silva, de Anápolis (GO), terra de Cachoeira, também foram condenados. A lista dos considerados culpados dos crimes inclui um dos principais assessores de Cachoeira, Gleyb Ferreira da Cruz, e o contador do bicheiro, Geovani Pereira da Silva, que está foragido há quase nove meses, desde que a primeira decretação da prisão preventiva, em 29 de fevereiro.

Num dos diálogos interceptados pela Polícia Federal, Cachoeira demonstra abertamente o interesse no negócio. A intenção dele era que a Delta subcontratasse uma empresa coreana, com expertise na área de bilhetagem, uma vez que a construtora com quem mantinha relação próxima não possuía know how no setor. O grupo chegou a participar de reuniões com um diretor do DFTrans e com o secretário de Transportes para apresentar uma proposta.

“A gente faz o negócio do DFTrans, rapaz, é um negócio de sessenta pau por mês e dá pra aumentar 30%. Quer dizer, se a gente pegar um percentual do aumento na licitação é bom demais. Então é bom sentar com o cara e falar em nome da Delta, porque aí pesa mais”, disse Cachoeira a Cláudio Abreu, então diretor da Delta no Centro-Oeste, em telefonema interceptado pela PF em 15 de junho de 2011.

Linha do tempo Confira como o bicheiro Carlinhos Cachoeira se tornou conhecido no cenário nacional e relembre os principais fatos desde que voltou ao noticiário

2004 Carlinhos Cachoeira ganha destaque na mídia após a divulgação de um vídeo (foto), gravado por ele, no qual Waldomiro Diniz, na época assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, negocia propina. O dinheiro seria destinado à campanha eleitoral do PT e do PSB no Rio de Janeiro. Diniz prometia ajudar Cachoeira em uma licitação.

29 de fevereiro de 2012 Oito anos após o escândalo, Cachoeira voltou ao noticiário nacional ao ser preso pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo, acusado de chefiar uma quadrilha que explorava o jogo ilegal em Goiás e no Entorno.

30 de fevereiro O bicheiro é levado para o presídio federal de Mossoró (RN).

4 de março Reportagens divulgam as ligações entre o então senador Demóstenes Torres e Cachoeira. O contraventor presenteou o parlamentar e a mulher com um fogão e uma geladeira. O Correio revela que Demóstenes e Cachoeira conversaram 298 vezes por telefone entre fevereiro e agosto de 2011.

6 de março Em discurso no Senado, Demóstenes (foto) nega as relações com Cachoeira.

3 de abril Demóstenes pede afastamento do DEM.

18 de abril Cachoeira é transferido para a Papuda.

19 de abril Criada CPI para investigar a relação de Cachoeira com políticos e empresas.

11 de maio O Ministério Público do Distrito Federal denuncia à Justiça Cachoeira e mais sete acusados de formação de quadrilha e tráfico de influência.

22 de maio Cachoeira fica em silêncio e se recusa a depor na CPI.

4 de julho Descobre-se que a casa em que Cachoeira foi preso tinha sido comprada de Marconi Perillo.

10 de julho O plenário do Senado cassa o mandato de Demóstenes Torres.

20 de novembro Cachoeira consegue a liberdade.