Valor econômico, v.20, n.4961, 17/03/2020. Brasil, p. A4

 

Injeção de R$ 147,3 bi em três meses tenta conter efeitos do vírus

Edna Simão

Lu Aiko Otta

Mariana Ribeiro 

17/03/2020

 

 

O governo anunciou, ontem, um pacote de medidas de enfrentamento do coronavírus de R$ 147,3 bilhões para garantir o capital de giro das empresas, impedir demissões dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, atender à população mais vulnerável. Também deixou claro que, se for necessário para dar suporte ao Ministério da Saúde, a meta de déficit das contas públicas neste ano poderá ser alterada. O teto de gastos, porém, será mantido.

As medidas de "contra-ataque" aos efeitos da pandemia sobre a economia, como chamou o ministro da Economia, Paulo Guedes, estão concentradas no adiamento, por três meses, do pagamento de contribuições como FGTS e da parte federal no Simples Nacional. Já as contribuições ao Sistema S terão corte de 50% nesse mesmo período.

Mais especificamente para enfrentar a covid-19, foram anunciadas a redução de alíquotas do Imposto de Importação para produtos de uso médico-hospitalar até o fim do ano e a desoneração temporária de IPI dos produtos nacionais e importados necessários ao combate da doença.

A parte do pacote voltada para os idosos, considerados como mais vulneráveis à doença, contempla a antecipação para junho do pagamento do abono salarial (R$ 12,8 bilhões). Normalmente, a liberação ocorre no mês de aniversário do trabalhador. Além disso, os valores não sacados do PIS/Pasep serão transferidos para o FGTS para permitir novos saques, o que representa mais R$ 21,5 bilhões, e haverá antecipação da segunda parcela do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS para maio, no valor de R$ 23 bilhões.

Haverá ainda reforço de R$ 3,1 bilhões ao Bolsa Família com destinação de recursos para possibilitar a ampliação do número de beneficiários. A ideia é que haja inclusão de mais de 1 milhão de pessoas. Com os recursos, será possível atender a todos os que estão na fila para ingressar no programa, disse o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. A inclusão será acelerada com a criação de um "fast track".

Segundo a equipe econômica, apenas a redução de impostos e o acréscimo de recursos ao Bolsa Família terão impacto fiscal. No caso do Bolsa Família, os recursos sairão de outras rubricas orçamentárias.

Diversas medidas dependem de aprovação do Congresso, como a transferência de recursos do PIS/Pasep para o FGTS, a destinação de mais verba para o Bolsa Família e o diferimento do prazo para pagamento do FGTS. Para dar celeridade, parte das medidas pode ser encaminhada via medida provisória. "Pretendemos mandar as medidas que dependem do Congresso o mais rápido possível, ainda nesta semana", disse o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys.

Durante a apresentação das medidas, o ministro da Economia destacou que o pacote inclui até R$ 83,4 bilhões para a população mais vulnerável e R$ 59,4 bilhões para a manutenção de empregos. Ele afirmou ainda que, se preciso, serão tomadas medidas a cada 48 horas. "Tudo isso está sendo feito sem espaço fiscal, não temos espaço fiscal."

Para que o Brasil consiga acelerar o crescimento, após três ou quatro meses sofrendo com os efeitos da pandemia do coronavírus, Guedes defendeu a aprovação das reformas para "fortalecer as defesas" do país. Mas, desta vez, reduziu o cardápio de prioridades. Há algumas semanas, o ministro havia enviado ao Congresso Nacional um ofício com 16 propostas prioritárias para serem aprovadas até o recesso parlamentar. Agora foi mais tímido. Defendeu a aprovação de três propostas estruturantes: o Pacto Federativo, o PL da Eletrobras e o Plano Mansueto.

A aprovação do projeto de lei que autoriza a privatização da Eletrobras permitirá reincluir R$ 16 bilhões no Orçamento de 2020. "Como isso não foi aprovado, até o fim da semana [no relatório bimestral], precisaremos tirar R$ 16 bilhões do Orçamento", disse. Com isso, é praticamente certo o contingenciamento. "Imaginem, no meio de uma crise dessas, fazer contingenciamento", afirmou Guedes.

O Plano Mansueto, por sua vez, ajudaria a fortalecer a situação financeira de Estados e municípios para enfrentar os efeitos da disseminação da doença. O ministro disse que o ambiente fica "conturbado" quando há desentendimentos políticos (como no caso da expansão do BPC) ou choques externos. Isso, admitiu, traz insegurança aos agentes econômicos. Por isso, o governo, segundo ele, procura passar uma mensagem de serenidade. Guedes colocou que recursos fruto do impasse entre Executivo e Legislativo podem ser usados para minimizar os efeitos da crise.

No caso do "diferimento" do prazo de pagamento do FGTS (que tem um impacto de R$ 30 bilhões) e da parte da União no Simples Nacional (R$ 22,2 bilhões) por três meses, as empresas terão que efetuar a quitação das contribuições neste ano, mas haverá parcelamento. Ainda estão em discussão as condições. O governo vai, também, direcionar R$ 4,5 bilhões que estão no fundo do DPVAT para reforçar o orçamento do SUS.

Novas medidas deverão ser anunciadas nos próximos dias. Estão em formulação, por exemplo, medidas voltadas ao setor aéreo. O segmento de bares e restaurantes também deverá ser contemplado com medidas específicas. Esses segmentos são diretamente afetados pela pandemia.

Ao anunciar as medidas, o ministro da Economia disse que é preciso achar um meio-termo nas medidas de prevenção ao contágio. Ele observou que, se todos ficarem em casa, a economia entra em colapso. Considera uma solução mais adequada um meio-termo adotado pelos britânicos: idosos ficam em casa e os jovens vão trabalhar, à medida do possível. Mas, ressaltou, isso é uma orientação que deve partir do Ministério da Saúde.

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Para analistas, direção é correta, mas prazo gera dúvidas

Hugo Passarelli 

Marta Watanabe 

17/03/2020

 

 

O pacote para conter os efeitos do coronavírus na economia vai na direção correta ao reduzir o aperto nas condições financeiras de empresas e famílias e combina com o aumento de liquidez recentemente promovido pelo Banco Central e o Comitê Monetário Nacional (CMN), afirmam economistas. No entanto, há dúvidas se as medidas, na maioria concentradas num horizonte de três meses, serão suficientes para sustentar a atividade quando a epidemia for contida.

Em sua maioria, as medidas preveem liberação de recursos já existentes, como os do PIS/Pasep, ou adiamento no pagamento de impostos ou contribuições sobre a folha de pagamento pelas empresas, o que é bem visto em um momento de interrupção da atividade econômica.

Por outro lado, ilustram a falta de espaço fiscal no orçamento para se promover medidas contracíclicas de porte neste momento, afirma o economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski. "As medidas podem ser úteis no momento para prover algum alívio temporário, já que em sua maioria são apenas deslocamento intertemporal de despesas", afirma. Ele destaca que há pouca criação de despesa nova, como os R$ 3,1 bilhões para o programa Bolsa Família.

Secemski ressalta que foi justamente pelo orçamento apertado que o ministro da Economia, Paulo Guedes, começou o anúncio com reforço para aprovação de reformas estruturantes, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo e o Plano Mansueto.

"São complementares à ação do BC e do CMN. Com elas, você facilita o oferecimento ou renegociação de crédito por empresas e famílias e, ao mesmo tempo, evita que a demanda doméstica vá a zero", afirma José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.

"É uma crise supostamente passageira, então você tem de tratar mesmo com medidas provisórias. O que você precisa é preservar a atividade positiva nesse momento de paralisia par evitar destruição de capital", afirma Camargo.

Alguns analistas, porém, consideram que as medidas são "tímidas" e "ajudam pouco" frente à magnitude esperada para a crise.

O economista Kleber Castro destaca que as medidas para manutenção do emprego são, em sua maioria, de diferimento, quando se trata do recolhimento de tributos, ou de antecipação, no caso das despesas. "Isso ajuda pouco, infelizmente. Pode adiar o problema, mas dada a agressividade da crise, especialmente no setor de serviços, as empresas vão perder dinheiro a um ponto em que podem quebrar." Atrasar o pagamento de impostos em três meses, diz, não vai resolver. "Tem que ter gasto, seja direto, seja via renúncia. Não tem jeito."

Uma linha de combate à crise voltada ao emprego, defende Castro, deveria incluir subsídios tributários e oferta de crédito longo e barato, além de carência para dívidas em andamento. Isso tudo, diz o economista, voltado especialmente para as micro e pequenas empresas, que têm baixa capacidade financeira, com pouco capital de giro, e geram a maior parte dos empregos formais.

O economista e tributarista Eduardo Fleury, sócio do FCR Law, também considera modestas as medidas do governo. Para ele, os diferimentos tributários por três meses não devem ser suficientes. As medidas que estão sendo adotadas nos países europeus, vão muito além. No campo tributário, diz Fleury, as empresas necessitam de parcelamento de acordo com a queda do nível de faturamento e por tempo mais longo. Ele receia que as empresas ainda terão dificuldades de capital de giro ao fim de dois ou três meses e também defende que sejam abertas linhas de financiamento específicas e de acesso facilitado para as empresas que, segundo ele, já sentem dificuldades. "Esse crédito precisa cair nas mãos das empresas para que não se corra o risco de empoçamento nos bancos."

Fleury também defende que os contratos possam ser flexibilizados, inclusive os trabalhistas, com possibilidade de redução de vencimentos com diminuição proporcional de jornada de trabalho, o que pode assegurar a manutenção de empregos.

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Projeto quer ampliar fatia de consignado de aposentado 

Edna Simão 

Lu Aiko Otta

Mariana Ribeiro 

17/03/2020

 

 

O governo deve enviar hoje um projeto de lei ao Congresso Nacional para ampliar a margem que os aposentados e pensionistas podem comprometer do valor do benefício com empréstimo com desconto em folha. Atualmente, a margem consignável total é de 35%, sendo 30% de empréstimo e 5% de cartão.

Hoje também será realizada uma reunião extraordinária do Conselho Nacional de Previdência para avaliar uma redução do teto de juros do crédito consignado, assim como um alongamento dos prazos de pagamento. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, não informou quais seriam o novo teto de juros e os prazos para pagamento.

Mesmo com a redução da taxa básica de juros nos últimos meses, o teto dos juros do crédito consignado do INSS está estagnado em 2,08% ao mês para empréstimo consignado e de 3% para operação com cartão de crédito, desde o fim de 2017. O prazo máximo de pagamento é de 72 meses. Segundo fonte ouvida pelo Valor PRO, os bancos já estão operando com taxa de juros inferior ao teto. Dados do Banco Central (BC), referente ao mês de janeiro, mostram que a taxa de juros incidente sobre o crédito consignado no INSS é de 1,8% ao mês.

A redução do teto de juros e o alongamento de prazo, conforme o secretário, têm como objetivo impedir que os aposentados se endividem com empréstimos mais caros. "Então a gente faz com que ele possa pegar empréstimo a juros mais baixos", disse.

Outros técnicos ouvidos pelo Valor PRO informaram que, pelo menos por enquanto, a proposta de reduzir o teto de juros não deve atingir servidores públicos ou trabalhadores da iniciativa privada. A avaliação é que o impacto dessa medida é maior no âmbito do INSS. Segundo fonte, as margens consignáveis são menores (porque o rendimento médio é menor), mas são 35 milhões de beneficiários que recebem pelo INSS, contra 1,2 milhão de servidores públicos federais (ativos, inativos e pensionistas).