Valor econômico, v.20, n.4961, 17/03/2020. Política, p. A8

 

"Se a economia afundar, acaba o governo, tem disputa de poder nisso"

Carolina Freitas 

Matheus Schuch

17/03/2020

 

 

Em entrevista ontem ao apresentador José Luiz Datena (MDB-SP) na rádio Bandeirantes, o presidente Jair Bolsonaro manifestou preocupação com as consequências do coronavírus na economia. "Se a economia afundar, afunda o Brasil", disse. "Se a economia afundar, acaba o governo. Há disputa de poder nisso daí."

Bolsonaro rebateu críticas de que teria sido irresponsável ao interagir com apoiadores em manifestações, no domingo, desrespeitando orientação médica para isolamento.

"Apertei a mão das pessoas porque era a vontade do povo", disse. "Eu não vou viver preso no Alvorada mais cinco dias", completou. "Se eu resolvi apertar a mão do povo, é um direito meu. Eu vim do povo", repetiu. "Querer colocar a culpa da propagação no vírus na minha pessoa é querer se ver livre da responsabilidade."

Bolsonaro informou que irá se submeter hoje a novos exames para testar se está infectado pelo coronavírus. Mas garantiu: "Eu tô me sentindo muitíssimo bem." "Se o povo aparecer aqui na frente, eu vou aqui na frente conversar com o pessoal." No meio da entrevista, Bolsonaro tossiu algumas vezes. O apresentador perguntou o que era. O presidente respondeu que tinha refluxo gástrico.

Na entrevista, o presidente queixou-se de ter que negociar com o Parlamento para liberar fatias do Orçamento para aplicar no combate aos efeitos no Brasil da pandemia do coronavírus.

Para Bolsonaro, isso significa "mendigar". "Queremos recuperar esses R$ 15 bilhões com o Legislativo. Já conseguimos R$ 5 bilhões", afirmou. "Veja só, o chefe de Estado tem que mendigar recursos para o Parlamento." Os R$ 5 bilhões serão destinados para ações de controle e mitigação da doença.

"Tem que pedir 'por favor'. Não dá para dar certo um país desse daí. Cada macaco no seu galho, pô!", reclamou Bolsonaro. O presidente voltou a criticar a decisão do Parlamento de separar R$ 30 bilhões do Orçamento para destinação definida pelo relator do tema no Congresso. E lançou dúvida sobre o comportamento do relator, deputado Domingos Neto (PSD-CE). "Com R$ 30 bilhões no Orçamento na mão do relator, eles podem fazer muita coisa que não é do interesse público", disse.

O presidente reconheceu que, com a crise global decorrente do coronavírus, o Brasil não deve conseguir crescer o previsto em 2020. "Com o coronavírus dificilmente o PIB vai chegar a 2%, que era a previsão", disse. "Vamos ter dificuldade. Não é fácil. Estávamos indo muito bem. Uma coisa é abalada, mas o mundo não vai parar de investir. O Brasil daqui a pouco tempo aí vence essa crise e nós vamos crescer."

Entre as preocupações econômicas manifestadas pelo presidente estavam a queda de movimento em bares e restaurantes e o cancelamento de jogos de futebol.

Pela manhã de ontem, um dia após ir à manifestação, contrariando orientação do Ministério da Saúde, o presidente voltou a se encontrar com apoiadores e afirmou que o coronavírus "não é tudo isso que dizem".

Em conversa com fãs em frente ao Palácio da Alvorada, ele afirmou que o vírus está "praticamente acabando" na China.

"Foi surpreendente o que aconteceu na rua, até com este superdimensionamento [do coronavírus]. Que vai ter problema, vai ter. Quem é idoso, quem tem deficiência. Mas não é tudo isso o que dizem, tanto que na China praticamente está acabando", disse. Bolsonaro evitou cumprimentar os apoiadores hoje, um estilo diferente da postura adotada ontem, quando apertou mãos e pegou telefones para selfies.

Para o presidente, a cobertura das manifestações foi uma "mentira". "Imprensa mentirosa aí. Capa dos jornais aí falando que eu estou falando para fechar o Congresso, Supremo. Nunca falei isso, nada. Tudo é mentira. O tempo todo", reclamou aos apoiadores.

Entre os principais jornais do país, nenhum afirma que ele, pessoalmente, pediu fechamento do Congresso ou do STF.