Valor econômico, v.20, n.4962, 18/03/2020. Brasil, p. A5

 

Governo pede decretação de estado de calamidade

Fabio Murakawa 

Ribamar Oliveira 

Marcelo Ribeiro 

Lu Aiko Otta

Fabio Graner

18/03/2020

 

 

O Palácio do Planalto anunciou ontem que o governo pedirá ao Congresso Nacional o reconhecimento de Estado de Calamidade Pública, em meio ao avanço no país da epidemia de covid-19, causada pelo coronavírus. A medida ajudará o governo a aumentar os gastos sem descumprir o teto constitucional de gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Também possibilitará a compra de equipamentos e insumos médicos sem licitação.

O anúncio foi feito na noite de ontem, por meio de uma nota encaminhada à imprensa pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência (Secom). Com as empresas reduzindo já seu ritmo de produção e pedindo que seus funcionários permaneçam em casa, o governo reconheceu no documento estar diante da perspectiva de queda de arrecadação.

"Em virtude do monitoramento permanente da pandemia covid-19, da necessidade de elevação dos gastos públicos para proteger a saúde e os empregos dos brasileiros e da perspectiva de queda de arrecadação, o governo federal solicitará ao Congresso Nacional o reconhecimento de Estado de Calamidade Pública. A medida terá efeito até 31 de dezembro de 2020", disse a nota.

O governo explica no comunicado que "o reconhecimento do Estado de Calamidade Pública tem suporte no disposto no artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) o qual dispensa a União do atingimento da meta de resultado fiscal prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e, em consequência, da limitação de empenho prevista na LRF".

Especialistas ouvidos pelo Valor explicam que calamidade pública decretada ontem não tem natureza constitucional. Ela é prevista na LRF. Será votada na Câmara e no Senado e necessita de maioria simples para ser aprovada. Por não ter natureza constitucional, é voltada para a questão fiscal, não de outra natureza.

A medida tampouco impede aprovação de Propostas de Emenda Constitucional (PECs) e outro tipo de matéria. Ela será votada pela duas casas assim que o sistema remoto de votação for implantado - medida adotada pelo Parlamento para evitar aglomerações em meio à pandemia.

Os gastos extras sob a calamidade pública serão feitos por meio de medida provisória encaminhada pelo Executivo ao Congresso. Essas MPs irão prever créditos extraordinários, que não entram na contabilidade do teto de gasto - são contabilizados na meta fiscal. Com a decretação da calamidade pública, a LRF diz que a União fica desobrigada de cumprir a meta fiscal, que era de déficit de R$ 124 bilhões, disse uma fonte da área econômica.

A vedação a PECs ocorreria em situações de estado de defesa, de sítio ou intervenção federal.

A medida não estende seus efeitos de liberar o cumprimento de regras fiscais previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal aos Estados e Municípios, que tendem a seguir o mesmo caminho do governo federal.

A decretação de calamidade não libera o governo de cumprir o teto de gastos e a "regra de ouro" das contas públicas, que são dispositivos fiscais previstos na constituição.

Na nota, o Planalto reafirmou seu compromisso com as reformas e "a manutenção do teto de gastos como âncora de um regime fiscal que assegure a confiança e os investimentos para recuperação de nossa dinâmica de crescimento sustentável".

Em um cenário que o crescimento do PIB e a receita ainda incerta essa é a melhor alternativa para não termos que ficar a cada dois meses mudando a projeção da meta do primário e pedindo mudanças na LDO. Com a medida, o governo mudar a projeção do resultado primário sem ter que fazer contingenciamento ou mudanças sucessivas na meta na LDO.

Ao Valor o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que pedirá que parlamentares compareçam nesta quarta-feira para tentar votar o reconhecimento do Estado de calamidade. A decisão do governo foi alinhada com o que Maia vinha defendendo sobre a necessidade de alteração da meta fiscal.

A expectativa é que o texto seja votado na Câmara e no Senado separadamente, com necessidade de apoio de maioria simples para aprovação, semelhante ao que ocorreu na época do decreto de intervenção federal no governo do ex-presidente Michel Temer.

Técnicos da Câmara avaliam que o movimento não deve ter nenhum impacto nos trabalhos do Poder Legislativo, permitindo inclusive a tramitação de propostas de emenda constitucional (PECs).