Título: Risco de racionamento assombra o Planalto
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 21/11/2012, Economia, p. 11

Com os reservatórios no nível mais baixo em 12 anos, as térmicas operando no limite e a menor capacidade de investimento das empresas, país pode ter de economizar luz

As chuvas que atingiram boa parte do país nos últimos dias podem ter poupado o governo Dilma Rousseff do seu maior constrangimento — um racionamento de eletricidade em 2013, semelhante ao ocorrido durante gestão FHC em 2001 e 2002. Essa seria a única situação na qual a presidente admite o termo apagão, descartando a série de quatro longas interrupções simultâneas em muitos estados verificadas neste ano. Com os reservatórios das hidrelétricas do Nordeste no menor nível médio em 12 anos e a necessidade de complementar o fornecimento por meio de termelétricas de retaguarda, que também apresentam falhas operacionais, analistas temem pela volta de cortes da luz movidos a escassez.

Em reforço a esse temor, as temperaturas de outubro ficaram acima da média histórica, ampliando o consumo doméstico de energia. Diante do cenário adverso, agravado pela expectativa de forte impacto negativo sobre os planos de investimento de geradoras e distribuidoras em razão da Medida Provisória (MP) 579, que renova concessões de usinas e redes mediante corte de receita e de patrimônio das principais empresas do setor elétrico, as tarifas negociadas no mercado futuro já subiram. "Virou piada entre executivos de que a presidente Dilma terá de convocar o ex-ministro da Casa Civil Pedro Parente para coordenar o seu racionamento", revelou ao Correio o dirigente de uma entidade do setor de energia.

O ministro interino de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, descartou ontem, em audiência no Congresso, qualquer racionamento e ressaltou que o modelo implementado a partir de 2003, pela então ministra da pasta, Dilma Rousseff, controlou o risco. "Hoje, temos um planejamento com horizonte de 10 anos e afastamos de vez a deficiência estrutural que havia em 2002", afirmou. A possibilidade atual de deficit na oferta brasileira de eletricidade recuou, segundo ele, para 2%, ante 5% há uma década.

Preferindo termos como "perturbações", "eventos" e "ocorrências", o ministro garantiu que os apagões de 2012 geraram um aprendizado sobre "problemas de proteção" no sistema de transmissão, transformado em novo protocolo de procedimento. Ele aproveitou para provocar o senador Aécio Neves (PSDB-MG) ao culpar a Transmissora Aliança de Energia Elétrica (Taesa), controlada pela estatal mineira Cemig, pelo blecaute que atingiu as regiões Nordeste e Norte em outubro, a partir da linha de transmissão Colinas-Imperatriz (MA). "A empresa foi a primeira a admitir a falha, mas ela não justifica a extensão do dano", reagiu o senador.

Zimmermann e Neves debateram por duas horas na sessão conjunta das comissões de infraestrutura (CI) e assuntos econômicos (CAE) do Senado em torno da atual turbulência do mercado gerada pela intervenção do governo no mercado elétrico. "O senhor, como ministro, não deveria considerar algo normal ver a principal empresa do setor (Eletrobras) perder a metade do valor de mercado", criticou o senador. Só na segunda-feira, as ações da estatal desabaram 15% na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). Aécio cobrou do Planalto adiamento da assinatura dos contratos antecipados para 2013, que venceriam de 2015 a 2017, marcada para o dia 4 de dezembro, para "pelo menos um mês após a presidente sancionar o projeto".

"A forma discricionária com que o governo está conduzindo essas mudanças, sem dar chances ao Legislativo de aprimorá-las, já está levando a uma gravíssima crise no setor elétrico e gerando insegurança jurídica até em negócios de outras empresas, como a Petrobras", afirmou o senador. Ele também exigiu tratamento igual ao dado a Furnas no processo de renovação de contratos para três usinas da Cemig — São Simão, Jaguara e Miranda. Em abril, o Ministério de Minas e Energia prorrogou, por 35 anos, a partir de 2004, a concessão da Hidrelétrica Serra da Mesa, da estatal federal. "Os dois casos não são comparáveis. As usinas da Cemig nunca foram licitadas antes", rebateu Zimmernann.

Para o ministro, a MP que renova as concessões do setor elétrico já tem força de lei e traz apenas como novidade a determinação de "não mais remunerar ativos já depreciados". Dessa forma, ele avisou que todas as empresas afetadas terão de dar baixa na diferença entre o valor contábil e o valor novo de reposição das usinas e redes amortizadas. "Se não concordarem com a proposta e esperarem vencer a concessão, terão de provisionar esse valor, e o efeito será igual. Mesmo não aderindo, vão ter que considerar isso em seus balanços", ressaltou. No caso da Eletrobras, o rombo será de R$ 14 bilhões.