Correio braziliense, n. 20765 , 30/03/2020. Política, p.5

 

Prefeitos cobram mais rapidez

Sarah Teofilo

30/03/2020

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, ouviu prefeitos e entidades representativas cobrarem mais agilidade no auxílio a municípios no combate ao novo coronavírus. Gestores municipais reclamaram que recursos e materiais prometidos, como Equipamento de Proteção Individual (EPIs), não estão chegando às cidades. Guedes se reuniu na manhã de ontem, por videoconferência, com integrantes da Federação Nacional de Prefeitos (FNP) e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). 

O presidente da FNP, Jonas Donizette (PSB), queixou-se de que as medidas são anunciadas, mas não são sentidas “na ponta”. “E somos cobrados (pela população)”, disse. Donizette, prefeito de Campinas (SP), pediu ao ministro que os recursos arrecadados nos municípios neste momento não sejam repassados ao governo federal, para que possam ser reinvestidos de forma mais célere em assistência social e saúde. 

Outros gestores fizeram coro às queixas do representante paulista. Prefeito de Teresina (PI), Firmino Filho (PSDB) ressaltou uma preocupação com a "intensidade das medidas", dizendo que é preciso ter certeza de que não irá “faltar munição nesse momento de guerra”. “É fundamental que tenhamos agilidade. Em uma guerra como essa, uma semana é muito tempo, é uma eternidade”, afirmou. O tucano disse que em conversa anterior com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ressaltou-se a necessidade de entrega de EPIs, testes e recursos direto aos municípios. “Até agora, isso andou a passos lentíssimos. A gente entende a necessidade de passar por cima da burocracia e fazer o que é necessário para salvar o nosso povo e a nossa economia”, frisou. 

Firmino falou ainda sobre medidas anunciadas pelo governo federal que utilizam recursos via Caixa  Econômica Federal (CEF) e BNDES. “Se formos esperar a burocracia da Caixa, do BNDES, vamos chegar em dezembro e o dinheiro vai estar lá ‘chocando’. É fundamental que o senhor possa puxar essas questões operacionais dessas ações, sob pena de não chegar na ponta”, alertou. 

Gestão descentralizada

Paulo Guedes, por sua vez, assegurou que fará a recomposição do  Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e de outros impostos municipais, como o Imposto Sobre Serviço (ISS), na mesma quantidade que os valores do ano passado. Com a queda da arrecadação, os prefeitos alertaram que a redução desses impostos seria enorme. “Vamos garantir essa arrecadação”, disse Guedes. O ministro voltou a falar que irá rolar as dívidas dos municípios, como já ocorreu com os estados. 

Presidente da CNM, Glademir Aroldi chamou a atenção especificamente sobre os R$ 8 bilhões que foram anunciados para atenção primária da Saúde dos municípios. De acordo com ele, até o momento apenas R$ 1 bilhão foi disponibilizado. “É importante que cheguem o mais rápido possível”, disse. Aroldi pediu ainda um apoio em relação ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), destacando que o governo já anunciou R$ 8 bilhões para municípios. “Isso vai ajudar, só que nós precisamos saber quando começa a acontecer. Nós esperamos que a partir de abril, porque a previsão de queda da arrecadação já começa muito forte no próximo mês”, alertou. 

Guedes acertou com os prefeitos que o pagamento de auxílio a trabalhadores autônomos, no valor de R$ 600, terá como base de referência o cadastro das prefeituras. Conforme Guedes, estima-se que o Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal , que seria usado para fazer os pagamentos, tenha o registro de apenas 20% dos trabalhadores informais do país. O ministro sugeriu que as próprias prefeituras façam a distribuição do dinheiro aos autônomos e mandem a conta para a União. “O que temos que ter certeza é que chegue isso o mais rápido possível. Nós precisamos de agilidade”, afirmou. 

A Câmara dos Deputados aprovou na última quinta-feira (26), o pagamento de R$ 600 a trabalhadores informais, que pode chegar a R$ 1,2 mil no caso de mães solteiras ou de famílias que se enquadrem nos requisitos estabelecidos pela nova lei. O texto precisa passar pelo Senado Federal. 

Durante a videoconferência com os prefeitos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que, como cidadão, prefere ficar em isolamento. Mas como ministro, tem o dever de estimular a economia. “Como economista, eu gostaria que nós pudéssemos manter a produção e voltar mais rápido. Eu, como cidadão, seguindo o conhecimento do pessoal da (área da) saúde, ao contrário: aí eu já quero ficar em casa e fazer o isolamento. Essa linha de equilíbrio é difícil. Mas é coisa de dois, três meses, vai rachar para um lado ou para o outro. Ou funciona o isolamento em dois meses, ou aí vai ter que liberar (a produção), porque a economia não pode parar também senão desmonta o Brasil todo”, disse. 

Nos estados, a reclamação é a mesma: demora para implementar medidas anunciadas pelo governo. Na última sexta-feira (27), o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Alberto Beltrame, contou que os estados e municípios estão negociando com a União desde janeiro o envio de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), como máscaras, óculos e aventais. Porém, ainda não receberam cerca de 90% desse material. Beltrame, que é secretário estadual de Saúde do Pará, afirmou, ainda, que as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste ainda não haviam recebido nenhum leito de UTI.  

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, prometeu mil leitos de UTI aos entes federativos em janeiro e depois ampliou esse número para dois mil. No último dia 16, o governo anunciou que distribuiria de forma imediata 540 leitos entre os estados. Entretanto, segundo Beltrame, chegaram apenas 220. “Está demorando muito. Esse é motivo da angústia dos secretários”, afirmou.”  

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Estamos juntos, mas nada de cortar salário

Luiz Calcagno

Augusto Fernandes

30/03/2020

 

Cresce o apelo para que congressistas abram mão de parte dos salários e benefícios financeiros em nome do combate à crise econômica e de saúde pública provocada pela pandemia de coronavírus. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirma que funcionários públicos eleitos ou concursados terão que fazer um sacrifício, mas destaca que o valor é irrisório dentro do montante que o governo precisará investir na saúde, na assistência social, no emprego, e em empresas para que o país atravesse a recessão. 

O presidente da Câmara tem dito que negar o debate é “brigar com a realidade”. Mas, destaca que qualquer mudança deve ser feita em conjunto pelos poderes. Lembrou ainda que funcionários públicos têm estabilidade. “É uma questão inevitável. Vamos ter queda de arrecadação. Todos vamos ter que nos adequar à realidade. Ou vamos nos adequar em um, dois, três meses, ou (vamos nos adequar) brigados com a realidade”, afirmou em um encontro com empresários na semana passada. 

Maia acredita que, no fim de abril, com o impacto da crise econômica provocada pelo coronavírus e uma drástica queda na arrecadação, o debate ganhará espaço. Para o presidente da Câmara, é possível baixar o salário de parlamentares. Mas, a medida, sozinha, não basta. Segundo ele, é preciso intervir nos cerca de R$ 200 bilhões gastos com folha de pagamento anual do Executivo, Legislativo e Judiciário. “Político ganha muito? Somos o único poder que não aumentou o teto salarial. Tem que ser coletivo, para atender os R$ 200 bi. Isso, não consigo fazer sem os outros poderes. Nesse momento de guerra, não é ganho político. Mas temos que construir. Sem harmonia, dificulta. Mas eu continuo defendendo e vou encontrar os caminhos com diálogos. Teremos uma queda na arrecadação em abril e acho que todos vão entender”, argumentou Maia. 

Só na Câmara, em 2019, os 513 deputados utilizaram aproximadamente R$ 112,66 milhões com gastos com cota do exercício da atividade parlamentar, passagem aérea, veículos e manutenção de escritório, por exemplo. No Senado, a cifra ficou em cerca de R$ 10 milhões, com o aluguel de imóveis para escritório político, locomoção, hospedagem, alimentação e combustíveis e passagens aéreas, aquáticas e terrestres nacionais. Os números são do Portal da Transparência de cada uma das Casas e mostram que caso os parlamentares abrissem mão desses benefícios neste ano, na menor das hipóteses, pelo menos R$ 120 milhões poderiam ser transferidos do Legislativo para o Orçamento do Ministério da Saúde. 

Entre os parlamentares, há quem defenda a transferência do Fundo Eleitoral, no valor de R$ 2 bilhões, para o combate ao coronavírus. O líder do partido Novo na Câmara, deputado Paulo Ganime (RJ), afirma que o partido tem proposições a curto prazo, para lidar com a crise e outras a longo prazo. “Temos que fazer um sacrifício nesse momento de crise, como a população que trabalha na iniciativa privada, autônomos, e estão sofrendo. Podemos discutir algo agressivo no corte salarial, que pode chegar a 50%, ou nas verbas indenizatórias, de gabinete, cota parlamentar, para que o trabalho não pare”, ponderou. 

“No longo prazo, a gente poderia se adaptar a uma realidade de ajuste fiscal, da modernidade, dos meios de comunicação como a internet, que barateiam a comunicação e reduzem a necessidade de assessores para ter contato com a população. Não faz sentido, em 2020, um deputado ter 25 assessores”, afirmou. 

Líder do PSol, Fernanda Melchionna (RS), defende a suspensão de benefícios, assim como outros parlamentares da legenda. Mas se mostra crítica sobre o corte de salário de servidores. “Não vamos aceitar reduzir salário de servidores, de médicos, de enfermeiros, professores, que já ganham pouco. E vários tentam pegar carona na crise do coronavírus para rebaixar esses salários. Isso não tem o nosso apoio”, opinou. Assim como Maia, Melchionna destaca, no entanto, que o montante necessário para enfrentar a crise é muito superior ao resultado dos cortes. Ela sugere outras medidas para levantar recursos de forma eficiente, como taxar as grandes fortunas. “O Brasil tem 206 milionários que acumulam uma renda no valor de R$ 1,2 trilhão. Se a gente taxar 3%, a gente arrecada R$ 36 bilhões para financiar medidas que atendem os trabalhadores”, destacou. 

No Senado, Reguffe (Podemos-DF) está entre os que sugeriram cortes nas verbas de gabinete e verbas indenizatórias. Ele apresentou um projeto de lei que propõe a destinação de 100% da verba indenizatória e 50% da verba de gabinete dos senadores para a saúde pública dos estados. “No primeiro dia do mandato, abri mão de toda a verba indenizatória, reduzi o número de assessores e a respectiva verba, além de outras medidas, que me fizeram economizar R$ 16,7 milhões dos cofres públicos, de um dinheiro que é de todos nós. Se os demais senadores também fizessem isso, estariam dando uma grande contribuição para o país. É preciso que o Congresso faça a sua parte. Há muitos penduricalhos que deveriam ser extintos. Os parlamentares precisam dar exemplo e cortar os seus recursos na carne”, disse Reguffe. 

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Conversa "para inglês ver"

30/03/2020

 

 

Embora um corte nos salários de funcionários públicos dos poderes não esteja oficialmente em discussão, as repetidas falas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, incomodam algumas categorias. Para o presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), Marcelino Rodrigues, existem formas mais eficientes de o governo levantar o dinheiro necessário para enfrentar a crise. 

Rodrigues argumenta que os funcionários públicos não podem receber menos por executar as mesmas atribuições e que, mesmo trabalhando de casa, não tiveram redução de carga. Para ele, a fala de Maia é “para inglês ver”. “Ele mesmo fala que é simbólico, pois, efetivamente, isso não vai solucionar nada. A ordem de investimento é de centena de bilhões de reais. Se você conseguir R$ 2 bi com servidores, vai ser muita coisa”, argumenta. Para o representante dos advogados públicos federais, uma ação nesse sentido também iria na contramão do que outros países têm feito para conter os impactos econômicos do vírus. 

“No Reino Unido estão garantindo salário. Nos EUA, uma renda básica. E no Brasil, eles falam em corte quando os especialistas pedem fomento da economia. Existem outras possibilidades. Taxar os bilionários de lucro líquido de 10% no último ano, chega a R$ 200 bi de economia para direcionar. É muito mais efetivo que tratar da questão do servidor público”, rebate Marcelino. 

Por meio de nota, a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal avisou que vai articular com parlamentares “para que não seja colocado em pauta o projeto de lei que reduz os salários do funcionalismo federal em até 25%.”