O Estado de São Paulo, n.46173, 18/03/2020. Econommia e Negócios, p.B1

 

Governo pede calamidade contra vírus para ampliar rombo fiscal para R$ 200 bi

Adriana Fernandes

Jussara Soares

18/03/2020

 

 

Ampliação de déficit da meta fiscal daria folga de R$ 76 bilhões para expansão de gastos a fim de tentar evitar efeitos do coronavírus na economia e administrar a queda de arrecadação com freada do PIB; medidas são estudadas para dar apoio a trabalhadores informais

O Palácio do Planalto informou na noite de ontem que pedirá ao Congresso Nacional o reconhecimento do estado de calamidade pública para ampliar os gastos com o objetivo de enfrentar a pandemia do novo coronavírus. O governo Jair Bolsonaro, em nota, justificou que a medida garantirá recursos para a “proteção da saúde e empregos dos brasileiros” diante da perspectiva de queda de arrecadação. Se aprovada, a medida terá efeito até 31 de dezembro de 2020.

De acordo com um integrante da equipe econômica, o governo deve divulgar na sexta-feira que fechará as contas com rombo de R$ 155 bilhões, acima da meta atual, que permite déficit de até R$ 124 bilhões. No entanto, essa previsão toma como base crescimento da economia de 2,1% em 2020. Como a projeção está defasada, a equipe econômica vai ter liberdade para atualizar a previsão de déficit para o ano. O Estado apurou que será preciso que as contas fechem com rombo de até R$ 200 bilhões para dar conta da necessidade de ampliação de gastos para enfrentar a crise.

O artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), marco legal das contas públicas para União, Estados e municípios, permite a suspensão de metas fiscais na ocorrência de calamidade pública, incluindo a necessidade de bloqueios no Orçamento. No caso da União, a calamidade precisa ser reconhecida pelo Congresso. As Assembleias Legislativas e Câmaras de vereadores devem fazer o mesmo.

Duas frentes novas de medidas estão sendo desenhadas: um benefício temporário de renda para os trabalhadores informais e a suspensão temporária dos contratos de trabalho para empresas em dificuldade. O trabalhador que tiver o contrato suspenso receberá segurodesemprego do governo. O foco é o setor de serviços, o mais afetado pela crise. Essa medida já foi adotada na crise financeira internacional de 2008 e deve custar cerca de R$ 15 bilhões.

O presidente Jair Bolsonaro informou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está preparando um programa de auxílio aos trabalhadores informais. “Algo parecido com um voucher. Está faltando definir o montante e como é que você vai organizar esse pagamento”, afirmou. O Estado apurou que, a depender do tempo que o benefício for mantido, o custo do programa pode ficar em torno de R$ 20 bilhões.

Receitas. O governo ainda terá de administrar a perda de receita com a queda do petróleo e com o PIB mais fraco. Para cada 0,1 ponto porcentual de PIB menor, a receita diminui entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões. Relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado apontou uma queda de R$ 17 bilhões de receitas da União relacionadas a royalties do petróleo.

Outros R$ 16 bilhões de receita com a privatização da Eletrobrás terão de ser retirados da previsão de arrecadação pela dificuldade de aprovação de projeto de lei de privatização da estatal.

O governo também terá de administrar a redução dos dividendos dos bancos públicos e da Petrobrás, que terão lucro menor. Esse dinheiro iria reforçar o caixa da União.

Também está em discussão pela equipe do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, uma injeção de R$ 10 bilhões de recursos orçamentários para tocar obras paradas.

Um integrante da equipe econômica disse ao Estado que a mudança da meta dá mais liberdade para o governo administrar a necessidade de caixa, sem precisar mexer no teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas acima da inflação). / COLABORARAM AMANDA PUPO E EMILLY BEHNKE

PARA ENTENDER

Debate sobre meta fiscal

1. O que é a meta fiscal?

A meta é calculada pela expectativa de todas as receitas que o governo arrecada menos a projeção de gastos que vai ter no ano. Essa é a chamada economia que é feita para o pagamento dos juros da dívida. Nos últimos anos, porém, o resultado tem sido sempre negativo (déficit), ou seja, não é feita nenhuma economia, mas se estabelece um valor máximo para esse saldo negativo.

2. O que acontece quando há déficit?

O déficit é reflexo de que o País gasta mais do que arrecada. Para quitar o saldo negativo, o governo precisa tomar medidas como cortar despesas, aumentar tributos e emitir títulos públicos (que são comprados por investidores de mercado, numa espécie de empréstimo, com juros). Esses papéis compõem a dívida pública. Quando as despesas são maiores do que as receitas, não sobra dinheiro para fazer investimentos e, até mesmo, a prestação de serviços públicos fica comprometida. 

3. Quais os efeitos para o mercado?

Manter as contas em ordem é um indicador para os agentes financeiros de que o governo tem condições de quitar suas dívidas. O elevado grau de endividamento público tirou do Brasil o selo de bom pagador, conhecido como “grau de investimento”, concedido pelas agências de classificação de risco.

4. Como isso afeta a minha vida?

Quanto pior estão as contas do governo, menos espaço há para pagar programas sociais e, até mesmo, serviços básicos, como patrulha de rodovias e confecção de passaportes. Se o governo não consegue economizar o necessário para cumprir seus compromissos, ele recorre a ferramentas de política fiscal, como aumento de tributos, além do corte de gastos que não são obrigatórios, como investimentos. Essas medidas agravam ainda mais a lenta recuperação do País, com impacto sobre emprego, renda e bem-estar.