Valor econômico, v.20, n.4964, 20/03/2020. Brasil, p. A3

 

Governo 'antecipa' 25% do seguro-desemprego

Edna Simão

Mariana Ribeiro 

Lu Aiko Otta

20/03/2020

 

 

Para preservar empregos e garantir a sobrevivência das empresas diante dos efeitos do novo coronavírus na economia, o governo vai antecipar o equivalente a 25% do valor do seguro-desemprego para quem ganha até dois salários mínimos e tiver o salário reduzido e parte do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas com deficiência e do auxílio-doença. Além disso, também vai bancar os primeiros 15 dias de afastamento do trabalhador que for identificado com a covid-19.

Com mais essa rodada de medidas, que depende de aprovação do Congresso Nacional, a equipe econômica espera injetar algo em torno de R$ 179,6 bilhões na economia. Apesar da ajuda do governo, não será exigida contrapartida das empresas beneficiadas. "Não há vedação para a empresa demitir", disse o secretário de Trabalho, Bruno Dalcolmo. "O importante é fornecer flexibilidade."

Além das medidas de flexibilização temporária das regras trabalhistas, que já haviam sido anunciadas, a nova rodada de ações emergenciais facilita a liberação dos benefícios pelo Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS) por meio da dispensa de perícia médica. A ideia é agilizar a liberação dos benefícios e evitar processos presenciais, que podem aumentar a disseminação da doença.

O secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, não deu detalhes sobre como o governo vai bancar 15 dias da licença do trabalhador com coronavírus para dar um alívio às empresas. A medida foi anunciada sem ter sido finalizada. Segundo o secretário, a ação tem o aval do ministro da Economia, Paulo Guedes, mas será detalhada em outra ocasião.

Já a antecipação de até 25% do seguro-desemprego para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos deverá custar R$ 10 bilhões do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e atender 11 milhões de trabalhadores. Caso o trabalhador seja demitido após receber a parcela do seguro-desemprego, ele receberá os valores remanescentes (descontado o montante já recebido).

Só terá direito ao benefício integral se permanecer na empresa por tempo suficiente para se qualificar novamente. "Preciso garantir os direitos do seguro-desemprego", disse Dalcolmo. Como os recursos do FAT são limitados, não seria possível antecipar a parcela integral do benefício, uma vez que o trabalhador pode necessitar do seguro mais adiante. "Todas as empresas estão aprendendo a lidar com uma crise dessa magnitude."

A medida deve estimular o acordo entre trabalhadores e empregadores para redução da jornada de trabalho, anunciada ontem. Isso porque o benefício ao trabalhador deve variar entre R$ 261,25 e R$ 381,22. O seguro-desemprego é financiado com recursos do FAT, porém, como este é deficitário, demandará aportes do Tesouro Nacional.

O INSS também informou que haverá antecipação do BPC para pessoas com deficiência que aguardam na fila de espera, um processo que demanda perícia médica. O benefício deverá ser de R$ 200 e o custo da medida é estimado em R$ 5 bilhões. Com isso, a expectativa é que a fila, que hoje acumula 470 mil pedidos, seja zerada, afirmou Bianco.

"Abreviaremos as análises para que possamos ganhar tempo e eficiência e concederemos para todos, dentro de uma análise do INSS, um valor específico de adiantamento, para que a pessoa, mesmo aquela que esteja na fila, possa receber algum valor neste momento de crise e evitar que tenhamos uma fila muito grande", afirmou.

Além disso, Bianco destacou que os serviços do INSS passarão, em caráter emergencial, a ser prestados de forma totalmente virtual. BPC e auxílio-doença serão concedidos sem que haja necessidade de uma perícia médica. De acordo com ele, laudos passarão a ser recepcionados dentro do sistema do Meu INSS, que está sendo finalizado para receber a mudança. "A pessoa preencherá um cadastro e terá a possibilidade de juntar o laudo pericial do médico particular."

As agências funcionarão em esquema de plantão, apenas para orientação sobre a forma de acesso aos canais de atendimento. Mas a orientação, explicou, é para que as pessoas não procurem as agências. "Peço que não se desloquem às agências do INSS e lancem mão dos serviços virtuais", afirmou. Os valores poderão ser retirados por terceiros.

Segundo Bianco, as medidas estão dentro dos limites do governo e estão sendo combinadas com o Congresso. Ele aproveitou a divulgação para elogiar a atuação do Legislativo.

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Corte de salários atingirá mais atividade, dizem centrais 

Thais Carrança 

20/03/2020

 

 

A possibilidade de redução de jornadas e salários em até 50%, mediante negociação individual, anunciada na quarta-feira pelo governo como parte de pacote com a intenção de preservar empregos, pode atingir ainda mais a atividade econômica, já combalida pela restrição de circulação provocada pela crise do coronavírus, avaliam as centrais sindicais brasileiras.

A diminuição dos rendimentos dos trabalhadores formais, num momento em que os informais também devem ser fortemente afetados por este problema, pode ainda dificultar a retomada da economia, dizem os sindicalistas. Segundo eles, o ônus das medidas anunciadas pelo governo está desigualmente distribuído entre empresas e trabalhadores e a possibilidade de negociação individual dá espaço a oportunismo.

A proposta do governo será encaminhada via medida provisória ao Congresso, com efeito imediato, e duração enquanto vigorar o estado de calamidade, previsto para se estender até 31 de dezembro. A legislação trabalhista vigente já permite a suspensão temporária de contratos por até cinco meses, com salários pagos com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e acordos para redução de jornadas e salários limitados a três meses renováveis e a até 25% do salário, sempre com intermediação sindical.

"O que temos que fazer é manter a renda dos trabalhadores para que a gente saia dessa crise com empregos protegidos, mas pensando na retomada da economia", diz Sérgio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). "Reduzir salários dos trabalhadores vai na contramão do que o mundo está fazendo." Nobre lembra ainda que há outros instrumentos que podem ser utilizados pelas empresas em dificuldades financeiras antes da redução de salários, como o uso de férias vencidas e a vencer, de férias coletivas, de banco de horas, de licenças remuneradas e da própria suspensão temporária de contratos já prevista em lei.

Adílson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), avalia que há desequilíbrio no tratamento de empresas e trabalhadores nas medidas anunciadas pelo governo. "Não podemos admitir de pronto que salários sejam reduzidos pela metade, enquanto para as empresas as medidas anunciadas são desonerações", diz. "O problema é grave, mas os trabalhadores não podem ser os únicos a pagar a conta." Miguel Torres, presidente da Força Sindical, reforça a importância de que as negociações para eventuais reduções de jornadas e salários sejam feitas através dos sindicatos. "A saída tem que ser coletiva, via sindicatos, para não ter oportunismo."

A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, classificou como "precipitada e potencialmente nociva" a proposta de permitir que empresas cortem em até 50% a jornada e os salários de trabalhadores em meio ao avanço da pandemia de coronavírus. (Colaborou Isadora Peron, de Brasília)