Correio braziliense, n. 20768 , 02/04/2020. Política, p.2/3

 

Proteção ao emprego, com redução de salário

Rosana Hessel

Alessandra Azevedo

Marina Barbosa

02/04/2020

 

 

Nova medida provisória editada pelo governo permite a diminuição de até 70% da jornada e dos rendimentos dos trabalhadores. Estimativa do Executivo é de que 25 milhões de pessoas sejam beneficiadas, e 12 milhões de postos de trabalho, preservados

O Ministério da Economia finalmente apresentou, ontem, a proposta da nova medida provisória (MP) que permite redução de até 70% na jornada e nos salários dos empregados, com compensação parcial da União. O texto, segundo o governo, visa proteger os trabalhadores formais de demissão durante a crise financeira que está sendo formada por conta da pandemia da Covid-19. A redução da jornada poderá valer por dois meses e a de salário, por 90 dias.

A MP dos Salários, ou MP Trabalhista, e outras ações na área tributária, como o adiamento da entrega das declarações do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) para junho (leia reportagem na página 8), foram apresentadas por técnicos da pasta no Palácio do Planalto, mas os jornalistas presentes não puderam fazer perguntas.

A nova medida era aguardada pelos empresários após a polêmica MP 927, publicada em 22 de março, permitindo a suspensão dos contratos de trabalho durante a crise, mas não previa uma compensação da remuneração do governo federal para que os trabalhadores não ficassem sem salário. Devido ao grande número de críticas, no dia seguinte, Bolsonaro teve de revogar o artigo que tratava desse assunto.

Essa iniciativa de compensação dos salários deverá custar R$ 51,2 bilhões para os cofres da União, sem que o empregado precise devolver a parte que cabe ao governo. A proposta prevê três faixas de redução de salário, de 25%, de 50% e de 70%, e também valerá para os trabalhadores domésticos.

“O benefício será pago como se paga o seguro-desemprego, mas não é um seguro-desemprego. A pessoa que recebe, diante de acordo celebrado com o empregador, não precisará devolver o valor. Não será descontado em eventual demissão. O trabalhador receberá 100% do seguro-desemprego quando fizer jus”, disse o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, durante a apresentação da medida.

De acordo com os técnicos, o cálculo do valor a ser recebido terá como base o seguro-desemprego ao qual o trabalhador teria direito. Nos casos de suspensão temporária, o funcionário receberá 100% do valor equivalente ao seguro-desemprego. Logo, se o empregador pagar 30% da remuneração, a União bancará os outros 70%. Desde janeiro, o valor máximo das parcelas do benefício passou a ser de R$ 1.813,03.

Para a diminuição da jornada com benefício emergencial, haverá preservação do salário-hora pago pela empresa. A redução será de 25% para todos os trabalhadores e de 50% a 70%  para os que recebem até três salários mínimos, de R$ 3.135. Já para os que são remunerados acima de dois tetos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), de R$ 12.202, e com curso superior, os percentuais de redução serão pactuados entre as partes, “sempre com direito ao recebimento do benefício”.

Pleitos das empresas

A nova MP faz parte do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e deve beneficiar 25 milhões de trabalhadores com carteira assinada. “A partir desse momento, mais da metade dos pleitos trabalhistas das empresas passam a estar resolvidos. Muitas empresas postergaram demissões esperando essas novas medidas”, afirmou Carlos Da Costa, secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia. Ele citou outra medida que foi anunciada na semana passada e que ainda não está valendo para os empresários: o pacote de R$ 40 bilhões dos bancos públicos para financiamento da folha de pagamentos de pequenas e médias empresas.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei que estabelece R$ 600 de auxílio emergencial aos trabalhadores informais por três meses (veja reportagem na página 3). De acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a MP Trabalhista e outras três que devem ser assinadas pelo presidente até hoje terão um impacto de R$ 200 bilhões. Desse montante, R$ 92 bilhões serão destinados para socorrer os trabalhadores formais.

Na opinião de especialistas, as medidas do governo para reduzir o impacto econômico da quarentena estão sendo tomadas muito lentamente e têm sido pouco claras.

Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), voltou a cobrar pressa do governo em relação a medidas econômicas, porque o Legislativo tem recebido propostas desencontradas. “O melhor caminho era votar um grande pacote, como o congresso dos Estados Unidos votou, atendendo a todos os segmentos da sociedade”, recomendou. “Isso nos ajudaria a tirar uma pressão grande que o parlamento sofre de muitas ideias soltas de vários segmentos da sociedade. Como não é um pacote completo, os setores que não se sentem atendidos procuram seus representantes para apresentar soluções específicas. Isso era uma possibilidade lá trás, com companhias aéreas, shopping centers e bares e restaurantes. O ideal é um pacote único em que todas as frentes fossem representadas. E não tem sido assim”, lamentou.

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Ajuda a informais ainda demora

Alessandra Azevedo

02/04/2020

 

 

Dois dias depois de o Congresso ter aprovado o texto, o presidente Jair Bolsonaro sancionou, ontem, o projeto de lei que prevê o pagamento de um auxílio emergencial de R$ 600 até R$ 1,2 mil a trabalhadores informais prejudicados pela crise gerada pelo novo coronavírus. A medida garante uma renda mínima básica emergencial por pelo menos três meses, prazo que pode ser estendido, caso o surto da Covid-19 continue. O chefe do Executivo afirmou que o projeto beneficiará 54 milhões de pessoas, a um custo de aproximadamente R$ 98 bilhões para o Tesouro.

Para que comece a valer, o governo ainda precisa editar um decreto para regulamentar a lei, o que será feito pelo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. Em entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro destacou que o texto será publicado em breve, mas não cravou uma data. “Já está na cabeça do Onyx e está sendo colocado no papel para a gente, o mais rápido possível, também publicá-lo. Se bem que, de qualquer maneira, se publicar o decreto hoje, meia-noite, ou daqui a três, quatro dias, não tem problema, porque o trabalho para se colocar em prática o que o decreto vai definir já está sendo feito”, ressaltou.

Na última terça-feira, Lorenzoni mencionou que os pagamentos começam a ser feitos na segunda quinzena de abril. Os últimos beneficiados seriam os trabalhadores informais. Como o governo ainda não publicou a regulamentação do projeto, que detalha o cronograma, a ordem ainda pode mudar.

Segundo Lorenzoni, pessoas que recebem Bolsa Família e cumprem os requisitos vão ser as primeiras a terem acesso ao benefício, por já estarem registradas nos sistemas do governo. Em seguida, os trabalhadores informais que estão no Cadastro Único (CadÚnico).

Antes dos informais, estão na fila os MEIs (microempreendedores individuais) e os contribuintes individuais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A lógica é que todos esses têm algum tipo de registro, enquanto os informais não estão cadastrados, de forma que o governo precisa fazer um novo sistema para atendê-los.

Renda mínima

Até dois integrantes da mesma família terão direito a receber o valor. Mães que são chefes de família e que sustentam as casas sozinhas vão receber o dobro, R$ 1,2 mil. Quem é beneficiário do Bolsa Família pode optar pelo que for mais vantajoso. Por exemplo, se ganhar R$ 200 pelo programa de transferência de renda, pode trocar pelos R$ 600 de renda emergencial enquanto durar a calamidade pública.

O valor só será pago a maiores de 18 anos, sem emprego formal e que não recebam nenhum benefício previdenciário ou assistencial, seguro-desemprego ou participem de outro programa de transferência de renda federal que não seja o Bolsa Família. Aposentados, pensionistas e idosos e deficientes que já recebem Benefício de Prestação Continuada (BPC), por exemplo, estão de fora.

Além disso, é preciso comprovar renda familiar mensal de até meio salário mínimo (R$ 522,50, este ano) por pessoa ou de até três salários mínimos (R$ 3.135) por núcleo. O benefício também não será pago a pessoas que tiveram rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 em 2018 (R$ 2.379,48 ao mês, em média).

O governo vai avaliar a renda média das famílias que solicitaram o auxílio pelo Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), no caso de quem é inscrito, ou por autodeclaração em plataforma digital.

Vetos

Por recomendação dos ministérios da Economia e da Cidadania, Bolsonaro vetou três dispositivos da lei. O primeiro barra a ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC), devido ao alto custo aos cofres públicos, de R$ 20 bilhões por ano. O governo alega que a medida vai contra a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por não determinar a fonte de financiamento.

Outro veto retira a exigência de reavaliação mensal dos critérios para recebimento do auxílio. O pagamento seria cancelado se o beneficiário deixasse de atender os pré-requisitos durante os três meses de vigor da lei. Para o governo, o dispositivo “contraria o interesse público”, além de ter alto custo operacional de fiscalização.

O terceiro ponto barrado por Bolsonaro anula a regra que restringia o tipo de conta bancária para depósito do valor. O texto do Congresso estipulava que o auxílio só poderia ser vinculado em “conta do tipo poupança social digital, de abertura automática em nome dos beneficiários”. O Congresso pode derrubar os vetos, caso não concorde com o novo teor do texto.

54 milhões

Número de pessoas que serão beneficiadas, segundo o Executivo