Título: Quando a voz do povo vira lei
Autor: Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 16/11/2012, Política, p. 3

Apesar de raras, propostas de iniciativa popular conseguem serem aprovadas na Câmara. Apenas uma aguarda votação

Nem só do voto vive a participação dos eleitores na democracia brasileira. Outro mecanismo que coloca nas mãos do povo a possibilidade de mudar os rumos do país é pouco utilizado, mas tem demonstrado alta efetividade: o projeto de lei de iniciativa popular. Embora raras, essas propostas têm mais sucesso que as milhares apresentadas pelos próprios parlamentares. Nos últimos 10 anos, enquanto apenas 4% das matérias dos deputados federais tornaram-se leis, 80% dos projetos que surgiram da mobilização social já estão em vigor. O mais famoso, conhecido como Lei da Ficha Limpa, fez toda a diferença nas eleições municipais deste ano.

Desde 1992, cinco propostas de iniciativa popular chegaram ao Congresso — quatro viraram leis e uma espera parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara (veja quadro). Nesta semana, o Congresso aprovou e enviou à sanção presidencial um projeto que torna obrigatório o detalhamento de impostos nas notas fiscais. A proposta partiu dos próprios contribuintes e teve o apoio oficial de 1,5 milhão de pessoas. Mas a coleta de assinaturas não cumpria as exigências constitucionais para a criação de um projeto de lei de iniciativa popular e o senador Renan Calheiros (PMDB-AP) saiu como autor.

A apresentação de uma matéria desse tipo é quase tão difícil quanto criar um partido político. De acordo com a Constituição, para oficializar um projeto de lei de iniciativa popular, é preciso que a proposta chegue à Câmara acompanhada das assinaturas de, no mínimo, 1% do eleitorado nacional (hoje correspondente a 1,4 milhão de pessoas). Devem ser coletadas em cinco estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles. A burocracia que inibe a população de participar mais do processo legislativo, porém, tem sido driblada por alternativas mais democráticas dentro do próprio Congresso.

Em 2001, a Câmara criou a Comissão de Legislação Participativa (CLP), que ganhou um impulso extra este ano. O colegiado recebe sugestões de projetos de entidades civis organizadas, como sindicatos, ONGs e associações, e viabiliza a tramitação da ideia no Congresso. Três dessas propostas já foram aprovadas pelo plenário da Casa, sendo duas este ano, e outras 34 estão prontas para a pauta. A comissão assume a autoria da matéria, mas o órgão que a propôs é listado como coautor. Um eleitor sozinho também pode contribuir enviando propostas para o chamado banco de ideias, que podem ser aproveitadas pelas próprias entidades ou por parlamentares.

Prioridades O presidente da CLP, deputado Anthony Garotinho (PR-RJ), comenta que o grupo tem trabalhado para tornar prioritária na Casa a tramitação das propostas vindas da sociedade e fazê-las mais conhecidas da população. "Muitas vezes, as pessoas têm ideias boas e não sabem como colocá-las em prática ou se desanimam com as dificuldades do trâmite comum. Queremos que a comissão seja o menor caminho entre os interesses sociais e a Câmara, e que todos saibam que ela existe", destaca.

Para o cientista político e coordenador da área de pesquisa de opinião pública e inteligência de mercado da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Rui Tavares Maluf, no entanto, os ganhos das propostas populares devem ser comemorados moderadamente. "Infelizmente, os espaços de participação ainda são muito acanhados diante dos assuntos polêmicos que clamam pela mobilização da sociedade", comenta.

Tavares Maluf ressalta que a regra constitucional para a apresentação de projetos de iniciativa popular deve ser repensada. Segundo ele, o número de assinaturas exigida poderia ser menor e a coleta ser aceita também pela internet, o que ainda não é possível. "O que se espera é que essas ideias tenham ao menos o direito de tramitar, serem analisadas, discutidas, pois é desestimulante haver um esforço grande para coletar assinaturas e depois ver a proposta ser bloqueada por questões burocráticas", registra. "Os avanços tecnológicos disponíveis hoje são utilizados para tantas outras coisas. Por que não servir de instrumento de aprimoramento do estado democrático, desde que tomados os cuidados necessários para eliminar possíveis fraudes?"