Correio braziliense, n. 20769 , 03/04/2020. Política, p.4

 

Mourão: retomada do país será lenta, segura e gradual

Ingrid Soares

Renato Souza

Marisa Wanzeller*

03/04/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Em entrevista, vice-presidente defende novamente o isolamento social para o achatamento da curva de infecção não impactar o sistema público de saúde. Considera ainda que o Brasil vive o período pré-pico da pandemia

O vice-presidente Hamilton Mourão, mais uma vez, se opôs ao que defende o presidente Jair Bolsonaro e defendeu, ontem, o isolamento social para o combate à pandemia de coronavírus. Ele destacou que o Brasil vive seu período de “pré-pico” e o esperado é que os casos confirmados da doença aumentem exponencialmente nas próximas semanas. Com isso, segundo Mourão, é necessário tomar medidas para combater a disseminação da doença em todo o país antes de se pensar na retomada da atividade econômica. O general declarou que a retomada das atividades comerciais deve ser “lenta, segura e gradual” –– citando frase do ex-presidente e também general Ernesto Geisel sobre a abertura política.

Mourão explicou que é necessário achatar a curva de crescimento da infecção, de modo que o sistema de saúde seja reforçado para suportar a carga de pacientes que deve dar entrada no sistema, em decorrência do agravamento de sintomas.

“Nós ainda estamos naquele momento pré-pico. A avaliação é que nós temos que continuar com essa política de isolamento, no sentido de atravessarmos esse mês de abril, quando se espera que o pico da doença comece a ocorrer aí a partir do dia 20, 25, procurando aquilo que vem sendo chamado do achatamento da curva, de modo que o nosso sistema de saúde, e principalmente a chegada dos insumos que estão sendo comprados, permita que a gente supere esse momento”, destacou.

As explicações ocorreram em entrevista ao jornalista Augusto Nunes, em evento do banco BTG Pactual. Mourão defendeu que os serviços não essenciais continuem fechados, até que se tenha uma “análise constante da evolução da doença, das áreas que realmente estão sendo mais impactadas, para pouco a pouco haver uma liberação das atividades não-essenciais”.

A posição de Mourão se alia ao que pensam os governadores, que têm adotado políticas de isolamento, como o fechamento de escolas, universidades, e do comércio como medida para combater o avanço do vírus sobre a população.

O vice-presidente defendeu, no entanto, que a epidemia “não é motivo de uma histeria total, como nós estamos vendo”. Observou que “hoje você toma café, almoça, janta e faz a ceia ouvindo coronavírus”. Mourão acredita que logo esse cenário pandêmico vai passar, e a normalidade será tomada –– mas com perdas para todos.

“Não nos aglomerarmos, não ficarmos irritados porque não estamos indo a festas, não estamos indo a bailes, não estamos comparecendo aos cinemas. Não. Vamos entender que esse é um momento e que tudo na vida passa. Serão 30 dias, 60 dias, mas logo logo a vida retornará ao normal. Todos perderemos alguma coisa nessa crise, mas vamos ganhar algo muito maior, que é o sentimento de união e de capacidade do povo brasileiro de superar desafios”, exortou.

Mourão falou sobre a pandemia na Amazônia cujo Conselho preside. Segundo o vice-presidente, o coronavírus ainda não é uma grande preocupação na região, pois apesar de afetar os grandes polos, ainda não ganhou força nas pequenas cidades

Assim como Mourão, o ministro da Justiça, Sergio Moro, também se manifestou favoravelmente ao isolamento social. Em uma rede social, disse: “Pela manhã, dei entrevista à Rádio Gaúcha, defendi isolamento, quarentena, muita cautela na soltura de presos por juízes (não há infectados nas prisões), apoio aos necessitados, e muita calma. Juntos, sairemos mais fortes”.

Apelo

De manhã, Bolsonaro publicou o vídeo de uma apoiadora que se identificou como professora da rede particular e disse passar por dificuldades financeiras. Acompanhada do casal de filhos, ela pediu que colocasse o “Exército nas ruas’ e reabrisse à força os comércios.

“Professora em comovente depoimento para o Presidente da República. Peço compartilhar”, escreveu o presidente nas redes sociais, em nova crítica às medidas de restrições adotadas pelos governadores, seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde para o isolamento horizontal.

No vídeo, a apoiadora cobra de Bolsonaro: “Vim aqui pedir para o senhor como mãe. Preciso voltar a trabalhar. Não tem condições de a gente viver nessa situação. Vai faltar coisa para os meus filhos dentro da minha casa. Estou aqui pedindo para o senhor: põe esses militares na rua, põe para esse governador (referindo-se ao do Distrito Federal, Ibaneis Rocha). Já decretou de novo mais um mês sem aula, sem nada”, disse.

A mulher também falou do auxílio emergencial de R$ 600, que o governo oferecerá aos trabalhadores informais para tentar amenizar os impactos econômicos da pandemia. “Eu não quero dinheiro do governo. Eu quero trabalho, minha vida normal. Nós não queremos que o governo banque a nossa vida”, relatou.

Bolsonaro todo o tempo ficou calado, ouvindo a apoiadora, que aproveitou a oportunidade para atacar a imprensa.

“Eu sou mãe de família, sou separada, tenho meus filhos. Vim ontem (quarta-feira), estou aqui hoje (ontem) e venho pedir para o senhor porque a imprensa não ajuda a gente, (o que) a imprensa faz é acabar com a nossa vida. Eles (os jornalistas) não passam necessidade. Estão aí só para falar mentira, para acabar com a vida do povo. Não sabem a necessidade de cada um”.

E emendou: “É difícil para o senhor porque só tem gente para derrubar. Mas o senhor tem o povo e eu faço parte dele. Eu estou aqui pedindo: põe esse Exército na rua, presidente, abre esse comércio. Sou professora e não estou podendo dar aula”, clamou.

Bolsonaro foi aplaudido ao dizer que as palavras da apoiadora traduziam o apelo de “milhares de brasileiros”.

* Estagiária sob supervisão de Fabio Grecchi